Walter Vicioni Gonçalves toma posse da Cadeira nº 36 – APE
No dia 6 de dezembro de 2018, em sessão solene, presidida por Wander Soares, estiveram presentes, Acadêmicos, amigos e familiares do empossado que passou a ocupar a Cadeira de nº 36, cujo Patrono é Anésia Loureiro Gama e que teve como seu último ocupante a ilustre Professora Zilda Augusta Anselmo.
Walter Vicioni Gonçalves sempre esteve ligado à educação. Ele é formado em Pedagogia pelo Mackenzie, pós-graduado em Administração e Planejamento da Educação pelo International Institute for Educational Planning (IIEP-França) e especialista em Gestão da Qualidade pelo Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC-UNICAMP).
Possui, ainda, certificado em Direção Estratégica e Planejamento Empresarial pela Escola de Administração de Empresa de SP – FGV. É formado em Gestão de Programas de Cooperação Internacional pela Faculdade de Economia e pelo Instituto de Estudos Avançados da USP. Atuando no SENAI-SP desde 1970, já exerceu os cargos de diretor de escolas, diretor de Organização e Planejamento e diretor técnico.
No SESI-SP, foi diretor de operações. Na área corporativa das duas instituições, foi coordenador de Planejamento e Gestão e atuou ainda como consultor do Banco Mundial no Projeto de Reorientação do Sistema de Formação Profissional do Marrocos.
Hoje, Walter Vicioni é diretor do SENAI-SP e superintendente do SESI-SP e, em março de 2016, foi eleito membro do Conselho Curador da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, mantenedora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Discurso de Saudação por Paulo Nathanael Pereira (Titular da Cadeira nº 7)
Senhor Presidente da Academia Paulista de Educação
Meus senhores e minhas senhoras:
As academias modernas foram organizadas a partir do século 17, com o fim de imortalizar seus membros titulares e difundir suas obras nos meios intelectuais dos países onde se sediam. Richelieu, em França, foi o grande formalizador e modernizador das academias, com seu limite de 40 membros e suas reuniões temáticas, no caso francês, em defesa da língua e das tradições culturais do país.
No Brasil, a primeira academia digna desse nome foi a de letras, fundada em 1896, por Lúcio de Mendonça e Machado de Assis, toda ela voltada ao culto da língua portuguesa, que segundo Bilac, seria a última e bela Flor do Lácio.
A partir dela, multiplicaram-se as instituições com esse mesmo escopo, havendo-as estaduais ou corporativas, como, no caso de São Paulo, o São a Paulista de Letras e a Cristã de Letras. Todas sempre dedicadas ao refinamento expressional do vernáculo e à defesa de seu apuro gramatical e comunicativo.
Serviu o modelo desses cenáculos culturais de referência para academias destinadas a reunir ensaístas, artistas, cientistas e o que mais seja. Foi aqui que nasceu esta nossa Academia Paulista de Educação, fundada por ilustres professores, na década dos anos setentas, do século 20.
É, pois, ela que se engalana, nesta noite, para receber em seus quadros, como membro titular, o Professor Walter Vicioni Gonçalves. Trata-se de um especialista em ensino técnico, o mais complexo pedagogicamente e o mais oneroso financeiramente, de quantos níveis e modos educativos se compõem os sistemas de ensino deste país.
Seus serviços se prestam preferentemente através do SESI e do SENAI que, além de uma qualificada educação geral, também preparam os recursos humanos reclamados pela indústria, quer os do chão de fábrica, quer os das esferas mais sofisticadas da administração superior deste setor secundário da economia brasileira. Para se ter ideia do que a moderna preparação profissional está a exigir nestes tempos de tecnologia 4.0, basta passar os olhos pelo currículo do Professor Walter. Se não, vejamos:
Nascido em Casa Branca, fez seus primeiros estudos nessa mesma cidade, onde também cursou a tradicional Escola Normal e Instituto de Educação “Dr. Francisco Thomaz de Carvalho”. Professor primário, mudou-se para São Paulo, onde graduou-se em Pedagogia pela Universidade Mackenzie. Uma vez professor secundário, veio a cursar vários níveis de especialização, no Mackenzie, na Unicamp, na USP, na Universidade de Brasília, na Fundação Carlos Chagas e no CENAFOR. Passou a atuar no SESI e no SENAI São Paulo e nessas organizações fez admirável carreira, tendo participado pessoalmente dos projetos avançados em educação, que neles tiveram lugar, nestes últimos 20 anos. Conforme nos diz o seu currículo:
- Coordenou o planejamento e a execução de programas visando promover o ensino técnico e profissional na FIESP. (Paulo Skaf)
- Atuou na implantação dos Cursos Superiores de Tecnologia no SENAI-SP
- Coordenou o planejamento e a implantação do Centro Técnico e Pedagógico de Apoio à Formação de Formadores.
- Coordenou a elaboração e a organização curricular dos cursos técnicos e de aprendizagem industrial mantidos pelo SENAI-SP.
- Coordenou a elaboração e instalação de Unidades Móveis de Treinamento.
- Coordenou a elaboração de arranjos físicos (layout) das oficinas de aprendizagem, laboratórios e diferentes ambientes de aprendizagem das Escolas SENAI.
- Coordenou o desenvolvimento de estudos para avaliação do processo de formação profissional, avaliação de resultados e avaliação de currículos.
- Realizou diagnóstico sobre o desenvolvimento de recursos humanos para uma grande empresa, fabricante de produtos de informática e automação industrial.
- Participou da elaboração dos Planos Anuais de Trabalho do SENAI-SP.
- Atuou em importantes projetos de Cooperação Técnica Internacional ((JICA-Japão, GTZ-Alemanha, AFPA-França, SUISSCONTACT-Suiça).
- Atuou como Consultor do Banco Mundial para o Projeto de Desenvolvimento do Setor Privado IV. Missão Banco Mundial no Marrocos (Julho/94 e Novembro/94).
- Atuou como Consultor do Projeto de Estudo de Desenvolvimento e Orientação da Formação Profissional do Governo do Marrocos (Junho e Julho/1993).
Com essas atividades todas, credenciou-se para pertencer aos Conselhos de Educação Municipal e Estadual de São Paulo, além de ter escrito numerosos trabalhos técnicos, dos quais se destacam:
- Aprendizagem Industrial: das origens aos novos desafios. Artigo apresentado no Painel: Há lugar para Cursos de Aprendizagem? Anais do III Seminário Internacional FIEMG de Formação Profissional, Belo Horizonte, novembro de 1997.
- Formação de formadores: eixo estratégico da educação para o trabalho. Artigo publicado pela revista Em Aberto – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Ministério da Educação e Desporto, Brasília, ano 15, no 65, Jan/Mar. 1995.
- “L’enseignement moyen et technique au brésil: les institutions de formation professionnelle à la recherche de leur dimension éducative”. Trabalho apresentado no Ateliers informels avec les economies dynamiques de pays nom-membres: comment répondre aux besoins en qualifications intermediaires et en compétences techniques. Organisé par l’Organisation de Coopération et de Développement Économique (OCDE). Paris, 15 e 16 de setembro de 1993
- “SENAI: l’enseignement technique et la formation professionnelle offerts par les industries”.Trabalho apresentado no Ateliers informels avec les economies dynamiques de pays nom-membres: comment répondre aux besoins en qualifications intermediaires et en compétences techniques. Organisé par l’Organisation de Coopération et de Développement Économique (OCDE). Paris, 15 e 16 de setembro de 1993.
- “La génie pédagogique du système senai”. Trabalho apresentado Seminaire Algero-brésilien sur la formation professionnelle et l’emploi. Promovido pelo Ministério da Formação Profissional e do Emprego da Algeria. Alger, 25 a 30 de outubro de 1992.
- ““Brésil – une analyse du système éducatif”. Monografia apresentada no Programa Anual de Formação em Planejamento e Administração da Educação – IIPE/UNESCO. Paris, outubro de 1989.
Ademais das contribuições científicas, como as que acabo de referir, cursou diversas pós-graduações, como as que se seguem, na busca permanente de atualização científica, a saber:
1) Especialização em Gestão da Qualidade | Universidade de Campinas – Instituto de Matemática Estatística e Ciências da Computação 1994 – 1996. |
2) Especialização em Planejamento e Administração da Educação | Institut International de Planification de l’Education (IIPE/UNESCO) – Paris – 1989/90 |
3) Especialista em Desenvolvimento de Currículos e Programas | Centro de Estudos Pós-Universitários da Fundação Santo André – Santo André 1972/73 |
4) Direção Estratégica e Planejamento Empresarial | FGV – Fundação Getúlio Vargas – Escola de Administração de Empresa de São Paulo – (1997) |
5) Gestão de Programas de Cooperação Internacional | Faculdade de Economia e Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) – 360 horas (1991) |
6) Avaliação de Currículos | UNICAMP – Universidade de Campinas (1988) |
7) Gestão de Projetos | USP – Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (1987) |
Esse é o perfil intelectual do novo acadêmico que ora se empossa para fortalecer esse cenáculo, que reúne educadores da mais larga cultura e experiência no campo da educação paulista. Sua chegada é bem fazeja, eis que há um desafio permanente no ar: encontrar caminhos que pela sua pertinência possam indicar à educação brasileira quais as portas que a façam sair da ampla e profunda crise, que ora se apoderou do setor.
A solução do problema está ao que parece, na busca dos valores básicos que atrelam a educação ao destino da nação. Faltam-nos as luzes que indiquem as aspirações da pátria e que, em assim fazendo, atrele a educação em todos os seus graus e nas suas maneiras de ser. Será esse um casamento feliz entre o destino do Brasil e a tarefa de seus educadores. Antigamente, quando o mundo andava devagar, quase parando, não havia crise, porque bastava garantir vagas à minoria que estudava – e era homogênea – e tudo estava conforme à lei e às aspirações da sociedade brasileira. Tudo ruiu e a crise se instalou, quando mercê da exploração científica e das exigências pluriformais do desenvolvimento econômico, bem como a multidivisão das ideologias do século XX, trouxeram para o professorado, a confusão das teorias pedagógicas confrontativas umas com as outras, e lançaram dúvidas insuperáveis sobre qual o melhor caminho para exercerem o seu mister magisterial. A mim me parece que não cabe aos professores cairem no engodo de tentar mudar o mundo, escolhendo aquele que seria a melhor teoria para pautar o exercício de seus deveres, porque as teorias em educação são como holofotes a iluminarem o caminho do professor, mas quem escolhe e adota o melhor caminho é sempre o próprio professor, desde que ele faça com clareza a sua escolha e, de posse dela, construa o rumo didático, que foi, mediante seu livre arbítrio selecionado. E com ele faça a sua caminhada pedagógica. Não caiam os mestres na armadilha das discussões ideológicas, porque é ela, e nenhuma outra, a causa de suas sofridas confusões mentais. Não importa o método, por fascinante que seja: o importante são os resultados a serem colhidos na profissão.
Chega, pois o professor Walter no momento em que esta Academia toma consciência de suas responsabilidades na luta pela debelação da crise educativa que nos atormenta. Sua cultura e sua experiência como vimos, o habilitam para ser um dos nossos. Seja, pois, bem-vindo ao nosso convívio, e some suas forças às nossas, em prol da salvação da educação brasileira, que ora tanto sofre com sua falta de rumos.
Discurso de Posse por Walter Vicioni Gonçalves (Titular da Cadeira nº 36)
Senhor Presidente da Academia Paulista de Educação
Senhores Acadêmicos
Senhoras e Senhores
Grande parte da minha vida foi – e continua sendo – dedicada a estudar e a praticar educação, além de gerenciar escolas e instituições educacionais. Educação é meu interesse, minha paixão e minha inspiração para os anos que me restam. Assim, é uma honra assumir a Cadeira nº 36 e ter oportunidade de discutir ideias e compartilhar ideais com todos os acadêmicos e todas as acadêmicas.
Considero um privilégio poder discutir nesta Academia o tanto a fazer, a transformar e a criar na educação dos paulistas e, por extensão, dos brasileiros. E pelo alcance desse privilégio, agradeço ao acadêmico e amigo Paulo Nathanael Pereira de Souza, pela especial gentileza de propor a minha candidatura, e também aos demais acadêmicos, que me estimularam e apoiaram nessa empreitada.
A Academia apresenta uma longa história de realizações, durante exatos 48 anos. Concretizou-se, assim, a expectativa de seus fundadores de que fosse uma entidade duradora ou, como consta do Histórico da Criação, “uma entidade perpétua”, com componentes vitalícios e experientes, para efetiva contribuição ao estudo dos problemas educacionais do Estado de São Paulo.
Na relação de fundadores, a Cadeira nº 36 conta com Walter Silveira da Mota, educador e jornalista, membro da Academia Piracicabana de Letras. Já na de patronos, a homenageada é a educadora Anésia Loureiro Gama.
A professora Anésia nasceu no dia 4 de junho de 1890, em Tatuí. Seu filho Mauricio Loureiro Gama, que sobre ela escreveu o livro “Risonha & Franca”, apresenta a síntese da história de vida da sua mãe, que apresento a seguir. “Quando pequena gostava de brincar de escolinha no fundo do quintal com suas bonecas. Foi estudar em Itapetininga onde conheceu o farmacêutico Teófilo Gama. Apaixonados casaram-se. Já casada, inicia seu curso de magistério. Pouco tempo depois do término do curso, morre seu esposo num triste acidente. Ficou viúva com 4 filhos para criar com o salário de professora. Empreendedora e dedicada à educação, Anésia pegou dinheiro emprestado para criar seu próprio curso de professores, chamado ‘Externato 07 de setembro’. Num domingo tranquilo, sem adeus, não querendo incomodar os que ficavam, fechou os olhos para sempre”. Morreu no mês de abril de 1963. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo prestou homenagem à educadora, dando seu nome para a hoje Escola Estadual Profª Anésia Loureiro Gama, localizada em São Bernardo do Campo.
Outra ilustre educadora, Zilda Augusta Anselmo, foi titular da Cadeira nº 36. A professora Zilda nasceu em São Paulo, no ano de 1930.
No Instituto de Educação “Caetano de Campos”, concluiu o Curso Normal, o Curso de Aperfeiçoamento de Professores Primários e o Curso de Administradores Escolares. Na Universidade de São Paulo, concluiu Licenciatura em Pedagogia, Especialização em Psicologia Educacional e defendeu tese que lhe conferiu o grau de doutora, em 1972. Na sua trajetória profissional, atuou como Professora e exerceu vários cargos na Secretaria Estadual de Educação e na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
A paixão da Professora Zilda pela Educação fica clara no seu Discurso de Saudação à Acadêmica Myrtes Alonso. Diz ela, “o ideal do educador é chama que não se apaga. É ânsia de saber, é ânsia de crescer, é ânsia de receber e distribuir o que recebeu para a continuidade da formação do ser humano, da cidadania, do desenvolvimento do país e da valorização de sua Pátria”.
Comungo com a Professora Zilda o sentimento da importância de pertencer a esta Academia, a certeza ressaltada por ela de que “somos privilegiados, porque somos educadores idealistas, que creem na chave única e certa do Progresso da Nação – a Educação e a boa formação e a valorização do Educador”.
E, acima de tudo, me identifico com sua mágoa. Diz ela que pede vênia “para, em poucas palavras, liberar um sentimento de saudade e, talvez, até de tristeza pela extinção das nossas queridas Escolas Normais”.
Segue ela afirmando que “ouve-se tanto falar em desenvolvimento da cidadania, do patriotismo, da ética, da moral, da personalidade, da tecnologia avançada, mas se esquece do artista, do sacerdote, do orientador que é, e sempre será, o Educador bem formado (e não só bem instruído), o educador consciente de seu papel na sociedade e no desenvolvimento de seu país”. Termina perguntando “Para onde foram as nossas Escolas Normais?”
É uma questão que sempre me faço. A Professora Zilda estudou no Instituto de Educação Caetano de Campos. Eu, no Instituto de Educação Dr. Francisco Thomaz de Carvalho, uma instituição admirável de Casa Branca, município em que nasci. Era uma escola modelo, que atraía inclusive alunos de outros municípios. O Instituto e a estrada de Ferro Mogiana eram os dois orgulhos de Casa Branca.
A preocupação em criar escolas direcionadas ao preparo de professores, principalmente para a alfabetização, é muito mais antiga, tendo sido manifestada no início do Império no Brasil. Em um país que acabara de sair da condição de colônia, não havia professores capacitados e em quantidade suficiente para isso. Foi, então, criada a primeira Escola Normal, em 1835.
Em 1894, foi inaugurada a Escola Normal na Praça da República, que se tornou um centro de referência e difusão de novas teorias científicas e pedagógicas e experiências educacionais que marcaram a história da educação brasileira. Para expandir essa iniciativa, foram elaborados projetos e construídos edifícios para as escolas normais do interior paulista: Itapetininga, Pirassununga, São Carlos, Piracicaba, Botucatu, Guaratinguetá, Campinas e Casa Branca.
No município em que nasci, a Escola Normal foi criada em 1912, e instalada no ano de 1913. Em novembro de 1916, formou-se a primeira turma. Mostrando a importância dada à escola normal na época, a cerimônia de formatura, realizada em novembro de 1916, contou “com a presença da comitiva do Sr. Presidente do Estado, políticos da região, além dos formandos, familiares, professores e membros da sociedade casa-branquense”.
No discurso do Dr. Francisco Thomaz de Carvalho, Deputado Estadual e paraninfo da turma, ele destaca que “em São Paulo pode-se dizer que o ensino tem hoje uma organização que obedece aos métodos modernos e vai, incessantemente, progredindo de acordo com os ensinamentos da nova pedagogia.” Bons tempos aqueles!
Talvez não com a mesma intensidade, a carreira de professor ainda era valorizada na época em que cursei o Normal. Os alunos eram estimulados pela expectativa de passarem a integrar uma elite de futuros educadores, saídos de uma das escolas normais do Estado.
Passa da hora de retornarmos à questão da formação de professores. É caso de voltarmos a discutir a recriação das Escolas Normais, principalmente para a formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental?
No caso das demais etapas da Educação Básica, coordenei a implantação de nova configuração para a formação de professores. A Faculdade SESI-SP de Educação iniciou suas atividades com dois diferenciais: licenciatura por área de conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas) e residência educacional concomitante com estudos acadêmicos.
Essa iniciativa deve ser generalizada? Como atrair para ingresso em profissão amplamente caracterizada como tendo más condições de trabalho, baixos salários e sem o prestígio de antes?
Essas são questões que merecem hoje amplo debate. Mas no passado, no tempo em que concluí o curso Normal e mesmo quando cursei a Faculdade de Pedagogia, essas preocupações não tinham a mesma expressão e a mesma intensidade.
Naquele tempo, os normalistas nem precisavam fazer concurso público, pois a demanda por professores era maior do que a oferta. Ter estudado no Instituto de Educação de Casa Branca era requisito mais do que suficiente.
Mesmo sem experiência, consegui resultado imediato. No dia seguinte, fui designado para lecionar em uma “escola de emergência”, no bairro de Jardim das Oliveiras, em Campinas.
De forma semelhante à escola isolada, a escola de emergência era uma unidade escolar ‘unidocente’. Sua criação, em caráter provisório, visava atender uma população flutuante, podendo ser extinta ou transferida para outra localidade, de acordo com as necessidades da região.
A Escola Masculina de Emergência do Jardim das Oliveiras foi instalada em um bairro novo, ocupado precariamente por gente muito pobre, que vivia em barracos de madeira. A Delegacia de Ensino alugou ali um espaço, transformando duas pistas de campo de bocha em uma sala de aula.
Apesar das condições precárias, foi exatamente nessa escola e com esses alunos que compreendi o poder transformador do magistério e passei a ter noção do potencial da educação para mudar a vida daqueles jovens. Nessa escola confirmei que minha vocação estava na área da educação.
Um fato ocorrido nesse período revolucionou minha vida. Em Campinas, ia levar um relatório à Delegacia de Ensino, quando, inesperadamente, o bonde enguiçou na Avenida da Saudade. Desci para pegar outra condução bem em frente a uma escola que, até então, nunca havia percebido.
Arquitetura peculiar, com duas pilastras e aberturas que devassavam para a rua o interior do edifício. Um design proposital atendendo aos objetivos dos idealizadores daquela instituição: os transeuntes deveriam ver os alunos aprender fazendo. Ali se educava para o trabalho. Era uma escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, o SENAI.
Poderia, simplesmente, ter passado direto pelo prédio. Porém, fui atraído por um cartaz que dizia: “Precisa-se de professores de aulas gerais”. Foi assim que ingressei na formação profissional, um universo fascinante e por muito tempo menosprezado.
Como ressaltou o saudoso confrade José Augusto Dias, em seu discurso de saudação ao Prof. Nacim Chieco, chegamos ao cúmulo de aplicar à educação profissional um estigma na própria lei maior do país. A Constituição de 1937 definiu, em um de seus artigos, como o primeiro dever do Estado em matéria de educação, “o ensino pré-vocacional e profissional, destinado às classes menos favorecidas.”
Deixava-se de entender que educação básica, educação superior e educação profissional e tecnológica são dimensões inter-relacionadas, interdependentes e complementares na formação dos indivíduos para viver em sociedade, participar das atividades econômicas, partilhar bens culturais, assimilar ética e valores.
Vivi intensamente o mundo da formação profissional, seja no SENAI seja em outros países, onde colaborei para implantação ou reformulação dos sistemas de educação.
Mas nunca deixei de lado a inter-relação da formação profissional com a educação básica. Assim, um dos períodos mais ricos da minha experiência no SENAI foi quando dirigi escola onde era oferecido o que hoje chamamos ensino médio integrado ao ensino técnico.
Essa flexibilidade no trato da educação básica e na formação profissional foi extremamente importante quando, na última década, assumi a Direção do SENAI e a Superintendência do SESI, no Estado de São Paulo.
Foi exatamente na última década que ficam mais claras as mudanças profundas ocorridas na sociedade e na economia brasileira.
E essas mudanças têm profundo impacto na educação técnica e tecnológica. O profissional formado hoje deve ter autonomia de pensamento e ser capaz de realizar operações complexas e variadas, dominando conhecimentos tecnológicos de sua área de atuação.
Ainda, é importante promover o desenvolvimento de atitudes pessoais, no sentido de incentivar a iniciativa, a avaliação do próprio trabalho, o trabalho em equipe, a criatividade para enfrentar novas situações e solucionar problemas.
Esses objetivos – de educação escolar e da educação técnica – estão presentes na experiência realizada na Escola SENAI Shunji Nishimura de Pompéia. Trata-se de um projeto que inova em estratégias para oferta de ensino médio, articulado com ensino técnico. Foi com grande orgulho que participei da formatura da primeira turma.
Também foi com orgulho que vi implantada proposta educacional, com metodologia inovadora, no ensino fundamental de Escola SESI.
Nela, todo espaço é um ambiente de aprendizagem, onde o aluno aprende fazendo e tem oportunidade de aplicar seus novos saberes. Além disso, a aprendizagem em pares e grupos é incentivada, de forma que alunos compartilhem experiências e, ao mesmo tempo, desenvolvam senso de cooperação, respeito e valorização das diferenças.
Os professores estão atentos a interesses e ritmos de aprendizagem de cada aluno para atendê-los de forma personalizada. Ainda, a avaliação contínua do aluno permite reorientar sua aprendizagem, reconhecendo progressos e indicando o que ainda deve ser aprendido.
No fundo, as experiências realizadas em Pompéia e Limeira, em etapas diferentes da educação básica, poderão subsidiar a implantação de novas práticas e processos educacionais.
Essas experiências e outras que vêm sendo realizadas no Brasil e no mundo mostram que há muito a discutir e a fazer para que boas práticas de educação sejam implantadas em todas as escolas, especialmente as da rede pública.
É importante e estratégico que nosso objetivo seja atingir a equidade em todas as escolas, ou seja, o alcance de um sistema educacional socialmente justo, que proporcione, a todos os alunos, a oportunidade de realizar sua formação integral.
A equidade, a valorização do professor, a atualização da nossa educação, o protagonismo dos alunos são alguns dos temas que certamente teremos oportunidade de aqui debater.
Princípios que aprendi na Escola Normal, na Faculdade de Pedagogia e nas décadas de vivência na formação profissional e na educação escolar me trouxeram até aqui. Nessa jornada conheci, convivi e troquei ideias com a maioria dos confrades que aqui estão. Será uma satisfação ampliar essa convivência.
Senhoras e senhores
Num Brasil tão descrente no presente e em relação ao futuro, gostaria de finalizar falando sobre crenças.
Sim, eu acredito…
na ética e na justiça para combate às desigualdades;
na tradição e no progresso, que não são inimigos, mas a evolução necessária numa realidade que se transforma rapidamente;
no inconformismo presente no teatro de Brecht, ao pedir que nunca se diga que é natural a barbárie, a violência, o fato da humanidade se desumanizar;
na beleza do trabalho bem feito e no culto à perfeição;
na cultura de nosso povo e no legado de nossas tradições;
nos “jovens à procura de caminhos novos, abrindo espaços largos na vida”, crença compartilhada com Cora Coralina.
E, acima de tudo, eu acredito no trabalho em equipe e nas oportunidades criadas pela união das pessoas. O essencial de uma atividade humana ultrapassa o sentido da mera participação. O essencial é a troca, o compartilhamento, o “fazer junto”, o “ser junto”. No intercâmbio e na cooperação, todos os lados ganham, são vencedores.
Agradeço muito a oportunidade de ingressar nesta Academia e conviver com todos e com todos agregar saberes, experiências de vida, sensações ricas e expressivas. E certamente teremos oportunidades de juntos encontrarmos soluções para grandes problemas da educação. Não podemos desistir. Como nos ensina Nelson Mandela, “Tudo sempre parece impossível, até que seja feito”. Sonho com o dia em que a sociedade brasileira assegurará a todos os nossos jovens o mesmo ponto de partida.