Artigo – Uma reflexão sobre mentiras e verdades…
por Walter Vicioni Gonçalves
Registra a história que a tradição de contar mentiras no dia 1º de abril, no Brasil, começou com a divulgação, em 1848, da falsa notícia da morte de Dom Pedro. A manchete, matéria de capa do jornal “A Mentira” de Pernambuco, foi desmentida no dia seguinte.
A brincadeira desde então se repete a cada ano. Pequenas mentiras que normalmente duram tempo determinado, como fantasias do carnaval, vestidos no sábado – para expressar alegria – e guardadas na quarta-feira de cinzas. Mentiras inconsequentes, contadas entre amigos, colegas de trabalho ou de escola e dentro das famílias.
Mas a cada ano, o primeiro de abril perde mais a sua graça e seu espaço. É tanta inverdade no dia a dia, é tanta falta de seriedade no tratamento dos assuntos de toda a natureza, em todos os dias do calendário, que destacar um dia para brincar com pequenas mentiras perde seu sentido e seu significado.
Mas como a seriedade pode ser incorporada na vida dos brasileiros? Não é simplesmente tirando da população os momentos de alegria e descontração. As manifestações culturais, esportivas e, de modo geral, as tradições do país são importantes e indispensáveis para a sociedade brasileira, como também são para qualquer povo ou nação.
O caminho é outro. A seriedade deve ser decorrente da atitude e da ação de governantes e governados, ao tratar dos recursos públicos e dos resultados que são com eles obtidos.
Nesse contexto, a população tem como parâmetros para julgamento das ações, além da sua realidade do dia a dia, um noticiário impactante sobre violência, condições hospitalares, descaminhos da educação, corrupção e tantos outros fatos do mesmo tipo. A grande maioria das notícias – por rádio, TV, mídia impressa, internet – apenas aumentam a descrença e a desesperança do povo brasileiro. O senso de impotência cresce e, com ele, a aceitação de se fazer justiça com as próprias mãos. Esse é um caminho perigoso e que já se começou a trilhar. A reação do setor publico deve ocorrer a curto prazo, antes que a situação saia do controle.
A medida, a ser tomada imediatamente, é acabar com toda notícia alvissareira que seja apenas meia verdade. Saber o que, o porquê e as dificuldades para implementação de uma política demonstram respeito à população.
Na área educacional, a questão da implantação do Novo Ensino Médio não pode se restringir à divulgação de que foi criado para modernizar, visando aumentar a qualidade desse nível de ensino e preparar melhor os alunos para o mercado de trabalho. Ou seja, estudantes preparados para serem bem-sucedido na escola, na vida e no trabalho. Cinco anos depois, a implementação foi motivo de grande discussão entre educadores e administradores escolares por existir inúmeras questões envolvidas, desde a adequação dos conteúdos às necessidades dos estudantes, ao planejamento de novas formas de avaliação e ensino, até a necessidade de incremento de recursos, falta de qualificação de professores e infraestrutura adequada para a realização dessa tarefa.
É necessário que se tenha em mente que a implantação do Novo Ensino Médio é um processo que exigirá tempo, planejamento e recursos adequados para ser bem-sucedida. Isso exige cronogramas factíveis em relação ao planejamento de todas as ações necessárias. Fazer um cronograma sem esse planejamento e sem uma previsão realista sobre como ter disponíveis os recursos necessários – humanos, materiais e financeiros – é contribuir para aumentar a descrença geral.
O aumento da confiança e da credibilidade exigem transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade. Então, é preciso assegurar o comprometimento de todos com a lisura e com a não aceitação de atos de corrupção, até os de mínima expressão. Quando se trata de interesse público, da coletividade, cada assunto deve ser tratado com honestidade e transparência.
Enfim, eleger prioridades e legitimá-las são atos de governança. Diante de tantos problemas que devem ser enfrentados em um país com dimensão continental, os recursos disponíveis devem estar vinculados a um plano factível de ação, com diretrizes claras de quais problemas serão atacados e em qual ordem.
Mudanças desejadas, radicais como essas do Novo Ensino Médio, não podem restringir a atos de governo, mas precisam ser configuradas como ações de Estado, que exigem consenso, união de todas as esferas governamentais e, especialmente, da sociedade brasileira, para que atinjam o efeito desejado, evitem o desperdício de recursos e tragam, ao cidadão, clareza dos objetivos propostos.
Hoje, cada vez mais é claro o pedido da sociedade não só por diagnósticos precisos dos problemas, mas sobretudo pela competência no trato das questões vitais para o nosso país. A situação é grave e não pode ser tratada por medidas paliativas e pontuais. É tempo de todos, unidos, encontrarem soluções viáveis e factíveis na sua implementação, recuperando assim a credibilidade junto à sociedade brasileira.
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O professor Walter Vicioni Gonçalves é Titular da Cadeira 36 da Academia Paulista de Educação.