Temos de ser eternos estudantes.
TEMOS DE SER ETERNOS ESTUDANTES
Reinaldo Polito
Abril/ 2013
Terça-feira é dia de fazer apresentação oral de um trabalho na pós-graduação. Já é sábado à tarde, você tem quase dois dias para se preparar e, se não for suficiente, poderá ainda sacrificar a madrugada da segunda-feira. Vai chegar meio baleado diante da classe na terça, mas tudo bem, o que importa é fazer uma boa apresentação.
Esse quadro hipotético não deve ter passado muito longe de algumas situações que você vivenciou. Trabalhar durante o dia e estudar à noite hoje é normal, mas houve época que essa tripla jornada assustava um pouco.
Quem era rico estudava, quem era pobre trabalhava
Veja que virada: há algum tempo o jovem só tinha dois caminhos – ou trabalhava ou estudava. Se fosse de família remediada para cima, preparava-se para uma das três carreiras mais desejadas pelos pais: direito, medicina ou engenharia. Se fosse mulher e precisasse trabalhar mais cedo, faria o curso normal e seria professora primária. Se não precisasse, faria letras ou filosofia para lecionar nos cursos clássico, científico e no próprio normal.
O equivalente ao curso normal para o homem, já que poucos se tornavam professores primários, era o técnico em contabilidade. Os que eram mais bem preparados arrumavam um dos empregos mais cobiçados e se transformavam no genro que toda sogra desejava ter, passavam no concurso do Banco do Brasil e garantiam de vez um futuro tranquilo, seguro e sem sobressaltos.
Ah, a mulher que não pudesse seguir a carreira universitária, também poderia fazer o curso de secretariado e, se fosse boa estenógrafa, também tinha colocação garantida. Saber outra língua era privilégio de poucos, e, para ser secretária, este não era requisito indispensável.
Nas décadas de 40 a 60 quem se formasse como secretária ou contador na Álvares Penteado já saía da escola empregado. Havia mais emprego para essas funções que mão-de-obra disponível.
Além desses empregos, podemos relacionar um ou outro que eram muito procurados, mas dificilmente conquistados, como aeromoça, militar e demais funções na área governamental. Sem contar que pouquíssimas mulheres trabalhavam. Por isso a maioria fazia o curso de esposa e ia aprender corte e costura e culinária. E pensar que não faz tanto tempo assim!
Surgiram os cursos noturnos
De lá para cá o cenário foi se transformando. Num primeiro estágio surgiram os cursos noturnos. Se você for muito jovem, estará surpreso com essa informação, mas era assim mesmo, praticamente não havia cursos noturnos, era quase tudo durante o dia. Por isso ou se estudava ou se trabalhava.
Com o aparecimento dos cursos noturnos, aqueles que precisavam trabalhar, se tivessem força de vontade e ambição, poderiam continuar trabalhando durante o dia e estudar à noite. Mas tinha de ser muito determinado, porque as pessoas não estavam acostumadas a se dedicar a atividades noturnas.
O tempo foi passando, os cursos noturnos foram ampliados e quase todas as faculdades puderam ser frequentadas à noite. No início, com qualidade contestável, pois supunha-se que quem trabalhasse durante o dia e estudasse à noite provavelmente não teria condições de se dedicar muito a leituras e tarefas extraclasse, entre outros motivos, por simples cansaço e falta de tempo.
Mais à frente descobriu-se que as matérias nos cursos noturnos podiam ser ministradas normalmente, pois era possível estudar durante algumas horas de madrugada, nos fins de semana e feriados. E não tinha essa história de “mas”, porque de nada adiantaria concluir uma faculdade só por concluir e não aprender o que era preciso para enfrentar o mercado de trabalho.
Assim, as escolas foram se dividindo: de um lado, aquelas que exigiam muito dos alunos e os preparavam para exercer funções dentro das carreiras que haviam abraçado e, de outro, aquelas que foram despejando formandos despreparados com diplomas que só serviam para preencher currículos que não passavam da primeira triagem.
Alguns alunos, entretanto, independentemente da qualidade da escola que frequentaram, conseguiram aprender e se projetaram como bons profissionais.
Hoje é necessário trabalhar e estudar
O que era uma chance para aqueles que trabalhavam e não podiam estudar hoje se transformou em obrigação para todos. Com a necessidade do constante aprimoramento, não se concebem mais pessoas que se limitem apenas a trabalhar.
As próprias empresas investem no aprendizado de seus empregados e chegam a estabelecer um número anual mínimo de horas para cursos, seminários, palestras e workshops. E não há como escapar – ou a empresa financia esse aperfeiçoamento ou o profissional põe a mão no bolso e paga seus cursos.
Por isso é comum encontrarmos cursos de pós-graduação de todas as áreas e cada vez mais programas de especialização, MBA, mestrado, línguas e tudo que se possa imaginar. Ou o profissional se atualiza e continua no jogo ou se acomoda e corre o risco de ir para o chuveiro mais cedo, de uma hora para outra.
Mas por que fiz esse histórico todo sobre só trabalhar ou estudar, trabalhar e poder estudar e trabalhar e ter de estudar? Para mostrar a necessidade de hoje a pessoa estar sempre em um banco escolar e que há uma tendência generalizada dos profissionais de todas as atividades frequentarem cursos.
Todos nós precisamos continuar estudando o tempo todo. Quem parar corre o risco de ser atropelado. Preparo intelectual e formação profissional pode ser o diferencial que leva alguém a chegar na frente e conquistar posições importantes em sua carreira.
Por isso, prepare-se para continuar sendo um eterno estudante. Se não puder ir para a sala de aula durante o dia, que seja à noite. O importante é estar sempre muito bem preparado, pois se não estiver, com certeza, alguém estará.
Reinaldo Polito é membro titular e diretor bibliotecário da Academia Paulista de Educação.