Sud Mennucci, um educador que não pode ser esquecido.
SUD MENNUCCI, UM EDUCADOR QUE NÃO PODE SER ESQUECIDO
Por Luiz Gonzaga Bertelli.
Luiz Gonzaga Bertelli é presidente e titular da cadeira nº 21 da Academia Paulista de História – APH, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ e da Academia Paulista de Educação – APE, a cujo sítio cede este trabalho, já publicado na Revista do Historiador, edição 162, de maio/junho de 2012.
Nascido em Piracicaba, em 1892, Sud Mennucci revelou muito cedo sua inteligência e precocidade. Com apenas 11 anos de idade, já havia obtido a formação básica que o habilitava a ingressar na escola complementar, como então era chamado o curso de preparação para o magistério. O almejado diploma, conquistado aos 16 anos, não permitiu a ele o imediato exercício profissional, pois teve que esperar até 1910 para assumir o cargo de professor na escola da Fazenda Figueira, em Cravinhos.
Além de lecionar, o que lhe garantia o sustento e o sonho de um dia estudar na Escola Politécnica, em São Paulo, Sud Mennucci começou a escrever artigos para periódicos de Piracicaba, dando início à extensa carreira jornalística que desenvolveu paralelamente a outras atividades. Ao ser nomeado substituto efetivo do Grupo Escolar de Dourado, em 1912, passou a dirigir dois jornais da cidade: A Fita e O Imparcial.
O talento do jovem mestre era notório, a ponto de ser convidado, em 1913, a integrar o grupo de educadores paulistas designados para sugerir ao governo federal as bases da reforma do ensino nas escolas de aprendizes marinheiros. Havia então grande empenho do poder público em modernizar as Forças Armadas, sobretudo depois da Revolta da Chibata. Coube a Sud Mennucci, nesse contexto, examinar as condições de tais escolas em Belém do Pará, obtendo para tanto a patente de tenente-capitão.
De volta a São Paulo, em 1914, passou a trabalhar como professor adjunto no Grupo Escolar de Porto Ferreira. Suas atividades jornalísticas ganhavam espaço, com a abordagem de temas literários e educacionais e, em especial, dos problemas do ensino rural, dos métodos de aprendizagem e das ideias da chamada Escola Nova. Conciliava as funções docentes com as de diretor do jornal da cidade, A Folha, e as de colaborador dos prestigiosos diários da capital, Correio Paulistano e O Estado de S. Paulo. Em 1918 publicou seu primeiro livro, Alma contemporânea, uma série de ensaios de estética literária que, segundo alguns autores, prenunciavam a Semana de Arte Moderna.
Em 1920 recebeu das mãos do diretor da Instrução Pública, Antônio de Sampaio Dória, a incumbência de realizar o Recenseamento Escolar do Estado de São Paulo, cujos resultados apontavam para um quadro dramático: 53% das crianças eram analfabetas; na capital, 40% das crianças não frequentavam escola, e, no interior, esse índice subia para 70%. Data desse período sua decisão de abraçar, definitivamente, a causa da educação, que julgava ser o único meio de solucionar os graves problemas econômicos brasileiros.
O sucesso obtido na complexa tarefa de diagnosticar a situação educacional paulista resultou em sua promoção para Campinas, onde assumiu a Delegacia Regional de Ensino. Logo se integraria à vida cultural da cidade, elegendo-se secretário-geral do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas. O prestígio de Sud Mennucci aumentava, à medida que aprofundava suas reflexões sobre a realidade brasileira. Em julho de 1921 pronunciou em São Paulo a conferência “O ensino particular e o nacionalismo”, sinalizando a necessidade de encontrar soluções próprias para os problemas educacionais do país. O ambiente intelectual era então extremamente propício a tais discussões.
O segundo livro não tardaria a ser publicado. Com o título Humor, Sud Mennucci lançava, em 1924, um ensaio crítico sobre a literatura humorística de vários países. No ano seguinte, por solidariedade ao diretor-geral Guilherme Kuhlmann, pediu demissão da Diretoria Regional de Ensino e, ato contínuo, aceitou o convite de Júlio Mesquita para trabalhar como redator do jornal O Estado de S. Paulo.
A experiência do censo escolar lhe valeu convite para realizar idêntico trabalho no Rio de Janeiro, quando Fernando de Azevedo ali empreendeu, entre 1927 e 1930, uma série de reformas educacionais. Tais atividades não comprometiam suas atividades literárias, e em 1927 publicou Rodapés, uma coletânea de resenhas críticas.
Tornou-se sócio e diretor do Ginásio Moura Santos, em 1928, estabelecimento em que criou, sob orientação do professor Norberto de Sousa Pinto, a primeira escola brasileira destinada a “retardados”, como eram então denominados os portadores da síndrome de Down. A iniciativa teve que ser abandonada por não haver pessoal capacitado para lidar com tais deficientes.
O reconhecimento dos méritos intelectuais de Sud Mennucci fê-lo ingressar nos quadros da Academia Paulista de Letras, em 1929, ano em que começou a publicar no jornal O Estado de S. Paulo vários artigos que, sob o título “A escola paulista”, sustentaram polêmica com Renato Jardim. Afirmava Mennucci que, por ter conciliado os métodos tradicionais com os da escola ativa, o professorado paulista havia criado um tipo misto, a que chamou de escola dinâmica, apontando a adoção do método analítico para o ensino de leitura como responsável pelo alto nível de nossa educação.
Convidado para pronunciar o discurso inaugural do Centro do Professorado Paulista, em 1930, Sud Mennucci assim se referiu à categoria: “Classe sem voz, sem representante, sem programa. Nunca disse o que quer, o que deseja, do que precisa…” No mesmo ano sairia publicado aquele que é considerado seu principal livro sobre temas educacionais: A crise brasileira da educação. Nele defendia a ideia de que o ensino ministrado às crianças da zona rural deveria ser diferente daquele destinado a alunos da zona urbana. A obra, mais tarde premiada pela Academia Brasileira de Letras, consolidou o epíteto que o acompanhou ao longo da vida: o de pai do chamado ruralismo pedagógico.
Com a Revolução de 1930, e entusiasmado ante a perspectiva de poder interferir nos rumos da educação brasileira, Sud Mennucci aderiu à Legião Revolucionária de Miguel Costa. Em setembro de 1931 teve oportunidade de participar do Congresso da Legião Revolucionária de São Paulo, expondo suas ideias: a criação de um curso profissional obrigatório, em seguida aos quatro anos do curso primário; a criação de uma Universidade do Trabalho, com cursos profissionalizantes de nível superior, que funcionariam paralelamente às escolas clássicas; e o desenvolvimento de cursos de cultura popular, voltados para as tradições e peculiaridades de cada região do país. Defendia ainda que tais cursos seriam de responsabilidade dos Estados e municípios.
Tendo Lourenço Filho se demitido da Diretoria Geral do Ensino, após a renúncia do interventor Laudo de Camargo, Sud Mennucci foi nomeado para o cargo e pôs em prática uma série de reformas. No entanto, a falta de apoio a suas iniciativas de implantar o ensino rural e a eclosão da Revolução Constitucionalista, em 1932, levaram-no a deixar a Legião Revolucionária e a própria Diretoria.
Encerrado o conflito armado de 1932, Sud Mennucci publicou Cem anos de instrução pública, fazendo um balanço da educação brasileira a partir da Independência, e Brasil desunido, coletânea de artigos em que defendia uma nova divisão territorial e política para o país. Em seguida lançou O que fiz e o que pretendia fazer, com os argumentos de defesa das reformas por ele realizadas quando à frente da Diretoria Geral do Ensino.
Nas eleições para o Centro do Professorado Paulista, enfrentou os aliados dos professores Brasiliense Fusco e Gastão Strang, que lhe faziam oposição, e conseguiu vencê-los. Por pressão dos membros da entidade, Sud Mennucci dispôs-se a concorrer à Constituinte para defender a vitaliciedade do magistério público federal, estadual e municipal, mas não obteve os votos necessários. Em agosto de 1933, voltou a ocupar a Diretoria Geral do Ensino, a convite do interventor Daltro Filho, ficando no cargo tempo suficiente para que fosse assinado o decreto de criação da Escola Normal Rural de Piracicaba, pioneira nessa modalidade de ensino. A iniciativa ensejou a publicação de mais um livro de sua lavra: Aspectos piracicabanos do ensino rural.
Em 1935 foi convidado para organizar os chamados Clubes de Trabalho, núcleos que a Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo destinava à educação vocacional de adolescentes nos diferentes ramos do trabalho agrícola e zootécnico, em articulação com as escolas primárias e secundárias. No mesmo ano publicou Corografia do Estado de São Paulo, voltado para o ensino da Geografia, e Pelo sentido ruralista da civilização, em que reúne textos anteriormente elaborados à guisa de subsídios para a história do ensino rural em São Paulo. Um deles, bastante eloquente, chama a atenção para o Brasil do sertanejo, “o Brasil de verdade”, em oposição ao que considerava “o Brasil da mentira, o Brasil da caricatura, o Brasil da contrafação, o Brasil que não está em harmonia com os anseios, com os desejos, com as aspirações da grande massa de seu povo”. Para Mennucci, a gente do sertão e da terra era a única que, em a dominando, soube criar dentro do habitat brasileiro uma civilização atrasada, inegavelmente, retardária, sem dúvida, primitiva, por certo, mas original e forte, inteiriça e integral como todas as cousas simples e sinceras que se inspiram honestamente e galhardamente no ambiente das realidades nacionais.
As ideias ruralistas de Sud Mennucci e seu empenho em defendê-las não o impediram de estender seus horizontes intelectuais para outras áreas do conhecimento. Em 1938 publicou O precursor do abolicionismo no Brasil, traçando o perfil biográfico de Luís Gama; em 1939, O pensamento de Alberto Torres; em 1942, À margem das Cartas Chilenas, em que foram agrupados vários artigos que dedicou ao problema da autoria da obra; em 1943, Machado de Assis.
No Congresso Brasileiro de Educação, de 1942, representou São Paulo e foi relator do tema que abordava o professor primário nas zonas rurais, oferecendo uma visão minuciosa da situação. No ano seguinte assumiu mais uma vez a Diretoria Geral do Ensino, fazendo da ruralização sua plataforma. Criou a Assistência Técnica do Ensino Rural, a Escola Agrícola de Pinhal e diversas escolas rurais. Cuidou igualmente da condição dos professores públicos, concedendo-lhes autonomia na elaboração de planos escolares e aumento de vencimentos. Em fins de 1945, retornou à Imprensa Oficial.
O caráter multifacetado de sua produção e o reconhecimento de sua capacidade crítica levaram o interventor Macedo Soares, em 1946, a nomeá-lo docente da recém-criada Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo, para ministrar aulas de História, Geografia e Sociologia. Apesar do notório saber de Sud Mennucci, o ato foi duramente criticado pela imprensa. Menos que a circunstância de não possuir diploma de curso superior, no entanto, eram suas afinidades com o getulismo que estavam em jogo, razão por que não logrou alcançar mais nenhum outro cargo de confiança no governo estadual.
Apesar de incentivado a concorrer à Constituinte de 1946, preferiu não se candidatar. Mas enviou ao deputado José Augusto Bezerra de Medeiros uma série de sugestões, das quais se extraiu uma frase de grande impacto na época: Queremos construir ou demolir o Brasil?
Antes de morrer, em julho de 1948, Sud Mennucci publicaria mais um livro – Discursos e conferências ruralistas –, uma espécie de testamento intelectual em que reafirmava as ideias que lhe serviram de norte ao longo de sua profícua carreira de educador.
FONTES
CHIECO, Nacim Walter. Discurso de posse. São Paulo: Academia Paulista de Educação, 2004.
GIESBRECHT, Ralph M. Sud Mennucci: memórias de Piracicaba, Porto Ferreira, São Paulo… São Paulo: Imprensa Oficial, 1998.
MATTOS, Isabel Cristina Rossi. A concepção de educação nas obras de Sud Mennucci. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2004.
NERY, Ana Clara B. A Sociedade de Educação de São Paulo: embates no campo educacional (1922-1931). Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999.
SOUZA, Rosa Fátima de. O “bandeirismo paulista no ensino” e a modernização da escola primária no Brasil: entre a memória e a história. Revista de Educação Pública, Cuiabá, v. 20, n. 42, 2011, p. 123-143.
VICENTINI, Paula P. Um estudo sobre o CPP – Centro do Professorado Paulista (1930-1964). Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1997.