Rose Neubauer faz saudação à Percival Tirapeli, novo Acadêmico da APE
Discurso da acadêmica Rose Neubauer, Titular da Cadeira 13 em saudação ao professor e pesquisador Percival Tirapeli, por ocasião de sua posse como Acadêmico Titular da Cadeira 24 da Academia Paulista de Educação. A posse ocorreu em 4 de dezembro de 2023, no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.
Leia a íntegra:
“Por que minha indicação de Prof. Doutor Percival Tirapeli para titular na APE?
Ela tem a ver com a minha esperança, o meu sonho de que a escola deixe de ser tão rígida, uniformizada, entediante, e possa, um dia, vir a existir nos moldes propostos por Decroly, Montessori, Anísio Teixeira – Não só uma escola risonha e franca, mas uma escola instigadora, estimuladora do espírito artístico e crítico – que existe em cada um de nós – da imaginação, da aventura pelo conhecimento. Para os que não assistiram vale a pena ver um filme que se chama “A língua das mariposas”.
Conheci Percival há 30 anos, pela mão dessa mulher incrível, a Laura Carneiro, com quem tive o privilégio de trabalhar durante os oito anos na SEE, jornalista infatigável e editora das dezenas de edições do Jornal Escola Agora e que, como provocadora incansável, me cobrou, incentivou e acompanhou em todas as etapas da elaboração do meu livro sobre mudanças na educação ocorridas naquele período.
Me atrevo a duvidar se o brilhante sucesso do Percival seria o mesmo sem a Laura, sua esposa, com a qual ele vem compartilhando de forma tão apaixonada seu caminho pessoal e acadêmico.
Percival, para mim, é um artista e acadêmico bastante eclético e bipartido, que me revelou e introduziu ao mesmo tempo tanto à beleza da arte sacra brasileira e paulista, desconhecida pela maioria dos intelectuais brasileiros, como à riqueza e importância da educação artística na vida e na escola para as crianças e jovens.
Nascido em Nhandeara, pequena cidade do interior Paulista, em 1964, Percival foi estudar em Guaratinguetá e depois, no Seminário de Santo Afonso em Aparecida. Em 1973, ingressou na Escola de Belas Artes em São Paulo e lá concluiu, em 1977, Bacharelado em Pintura e Gravura e em Educação Artística. Atuou em peças da escola como ator amador, cenógrafo e figurinista.
Gostaria de iniciar apresentando um pouco da imensa produção eclética desse artista e incrível especialista em arte sacra cujas raízes se iniciariam nos anos de 1970 junto aos padres redentoristas cuidando de um pequeno acervo de arte sacra. Esse material resultaria, mais tarde, entre 80 e 84, na sua dissertação de mestrado apresentada na ECA/USP intitulada O templo religioso no urbanismo no Vale do Paraíba, publicada, em 2003, pelas Editoras da Unesp e SESC.
Ainda no Vale do Paraíba, em 1972 foi membro fundador do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV) onde, em 1975, participa de uma exposição Mec-art, considerada inaugural das novas técnicas, ou seja, obras executadas por meios eletrônicos, tais como cópias xerográficas e heliográficas.
Posteriormente, em exposição em Guaratinguetá, Percival percorreria os antigos caminhos do Vale do Paraíba desenhados, em 1817, pelo austríaco Thomas Ender e os reviveu em desenhos e aquarelas. Expõe, no Museo de Arte Moderno de La Paz, Bolívia, pequenas aquarelas e ganha o prêmio de gravura na Bienal Internacional de La Paz com direito a crítica de Teresa Gisbert.
Já, em 1972, participaria na capital de São Paulo de exposição na Rua 24 de Maio recebendo crítica de Mário Pedrosa sobre um autorretrato. Iniciava, assim, à maneira daqueles tempos, sua inserção no mundo artístico – participações nos salões de arte. Foram cerca de 100 participações e coletivas em todo o Brasil e em países da América Latina organizadas pelo Museu de Arte Contemporânea, o MAC, tendo à frente críticos famosos: Walter Zanini, Aracy Amaral, Ana Mae Barbosa, Lisbeth Rebolo e Elza Ajzenberg.
Exposições significativas no período foram a do Salão de Arte Contemporânea de 1975, em Piracicaba, na qual foram expostas, pela primeira vez, obras xerográficas sobre as quais o público era convidado a caminhar, bem como a exposição Poética Subversiva no MAC, com cópias heliográficas de mais de 5 metros, em processo de doação ao Centro Cultural de São Paulo, e exposição em 2023.
Merece destaque também as participações do artista em duas bienais internacionais de São Paulo.
Na primeira em 1977, Percival pode contactar artistas e obras como Vladimir Velickovic e Francis Bacon que iriam influenciá-lo, bem como a dos expressionistas alemães, Oskar Kokoschka e Max Bechmann, apresentados a ele pelo seu orientador de mestrado e doutorado Wolfgang Pfeiffer, da ECA.
Nessa Bienal, em sala especial foram expostos poemas, esculturas, desenhos, heliografias e uma série de objetos – marmitas- da qual herdaria a alcunha artista das marmitas.
Na segunda Bienal, em 1985, junto com o projeto Releitura da Pinacoteca do estado, expôs Amolação interrompida, com crítica de Anna Maria Beluzzo. O então presidente general Figueiredo ao se aproximar da obra, na qual havia um machado pregado na tela, comentou ao artista: você não sabe desenhar, pregou um machado na tela.
Ingressa no Instituto de Artes da Unesp por concurso público em 1988.
Obteve seu doutorado na ECA/USP sobre sua obra pictórica, Mitopoemas – Proposta plástica para oito mitos gregos, com exposição de 500 metros quadrados no MAC/USP, e banca de alto coturno: Wolfgang Pfeiffer como orientador, os críticos Walter Zanini, Dirce Ceribelli, a artista Regina Silveira e a diretora do museu Anna Mae Barbosa.
Em busca de titulação como Livre Docente, pesquisou as primeiras imagens sobre o Brasil recém-descoberto: os escritos de Hans Staden, os desenhos de Dürer sobre os índios tupinambás e as gravuras de Theodor de Bry. O resultado incluiu 12 grandes e maravilhosas telas, depois expostas em várias cidades inclusive em Roma, em 1997. Além do texto há poemas gráficos que podem ser lidos de diversas maneiras (disponível no repositório da UNESP).
Seu memorial de professor titular em Arte Brasileira, versou sobre a atuação de Mário de Andrade no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Trata-se de Igrejas Paulistas, Barroco e Rococó (2003) na qual Percival recorreu aos passos indicados pelo modernista, revelando os tesouros do barroco paulista. Sobre este tema, publicou livro em 2003, que recebeu o Prêmio Sérgio Millet, da Associação Brasileira de Críticos de Artes, e considerada a melhor publicação sobre artes visuais.
Desde então, para a alegria e orgulho de todos nós, o acervo colonial paulista, antes tido como pobre, ressurgiu das talhas douradas, e as antigas igrejas começaram a serem restauradas.
Em 2007, contratado pelo Condephaat por notório saber, percorreu os templos do Vale Sagrado do Paraíba contribuindo para o tombamento da Basílica de São Benedito, em Lorena – primeira construção gótica no Estado de São Paulo – da fachada do Seminário de Aparecida, que acolheu dois papas e sínodos episcopais da América Latina e da própria Imagem de Nossa Senhora Aparecida.
No Condephaat teve dois momentos distintos: o primeiro para elaborar pareceres de pedidos de tombamento de 25 igrejas de todo o Estado de São Paulo. O segundo, como consultor artístico nos 7 anos de restauro da igreja da Ordem Terceira de São Francisco.
Nos Acervos dos Palácios do Governo de São Paulo Percival foi do Conselho Consultivo do Acervo Artístico desde 2007, junto a curadora Ana Cristina Carvalho. Foi curador de várias exposições: Gênese da Fé do Novo Mundo, exibida para o Papa Bento XVI no Palácio Bandeirantes, e O nome do Brasil. No Palácio de Campos de Jordão Arte e Cultura do Vale do Paraíba em 2012 e no Palácio do Horto Anjos e Santos no acervo dos palácios em 2009.
No Museu de Arte Sacra foi curador de exposições e catálogos. Uma de suas pesquisas, com duração de 20 anos, culminou na doação ao museu das mais antigas obras jesuíticas das Américas, oriundas da igreja de São Vicente, de 1559. Da longa experiência de acervos sacros, analisou 700 obras para o Museu Boulieu em Ouro Preto.
Como vice-presidente da Associação Brasileira de Críticos de Artes colaborou em diversas exposições em palácios e ministrou palestras em Encontros Internacionais das Casas Museus promovidos pelo Comitê Internacional para os Museus-Casa Históricas.
Agora vou me permitir falar um pouco do Percival, professor de educação artística, pelo qual mais balança o meu coração.
No último ano na Faculdade de Belas Artes, 1977, tornou-se professor de Educação Artística na Escola Volkswagem do Brasil. De início, a disciplina mencionava o estudo de desenhos técnicos, leitura de pranchas, noções de geometria. Logo percebeu o movimento que ocorria, em especial na USP, junto a Ana Mae Barbosa, ou seja, o novo direcionamento era o da polivalência entre música, teatro, cinema, arte popular e artes visuais
Em parceria com a disciplina de língua portuguesa seriam apresentadas peças de teatro e shows musicais. As artes visuais foram privilegiadas com exposições de obras feitas com sucatas e soldas, quesito nos quais os operários eram mestres. Na arte popular, as famílias eram convidadas, aos sábados, para almoços típicos e danças de várias regiões do país. Para completar, as aulas de arte eram dadas também em museus e cidades históricas de Minas Gerais.
Essa experiência foi apresentada em um dos congressos da então pioneira Arte Educação. Atualmente, esse trabalho inédito de educação artística com os operários, faz parte de uma pesquisa de doutorado orienta pela professora Ana Mae Barbosa.
Ingressou no Instituto de Artes da Unesp em 1988 e logo lhe foi dada a tarefa de implementar a licenciatura plena de Educação Artística.
Participou do curso de pós-graduação de Artes Visuais do Instituto de Artes da UNESP (nomenclatura atual) desde sua fundação em 1992, tendo orientado mestres, doutores e pós doutorandos até a presente data, nos últimos anos como Professor Senior.
A partir de então se dedicaria intensamente ao educativo dos museus, em especial na Pinacoteca do Estado, durante todo o período do então diretor Emanoel Araujo. Percival o conhecera quando eram do Conselho de Artes do Museu de Arte Moderna, dirigido por Aparício Basílio e conselheiros Wolfgang Pfeiffer, Renina Katz, Lisbeth Rebolo, Maria Alice Milliet, Denise Mattar que mais tarde ocupariam o cargo de diretoras do MAM.
Em 1992 foi curador da mostra dos 70 anos da Semana de Arte Moderna, convidado por Emanoel Araujo para montar a equipe do educativo na Pinacoteca do Estado, atividade absolutamente pioneira em museus brasileiros.
Seriam 10 anos dedicados a três grandes exposições: duas sobre o escultor francês Auguste Rodin e uma sobre o Universo Mágico do Barroco, na FIESP.
Na primeira, sobre Auguste Rodin, tudo era experimental. Não havia naquele momento setor educativo para uma grande exposição dessa natureza. Em São Paulo o trabalho foi ainda maior e depois em parte para o Rio de Janeiro. Para tanto, Percival fez um estágio nos Museus Rodin em Paris e em Medon. Na Pinacoteca as filas dobravam o quarteirão. Eram 30 monitores que não davam conta dos visitantes. Certa noite foi a vez dos deficientes visuais. Iniciava-se uma nova fase de inclusão social. Percival acredita que só por isso, teria valido a pena todo o trabalho.
Na mostra Universo Mágico do Barroco, na FIESP, em 1997 atuaram os mesmos monitores da exposição do Rodin e nascia, assim, um novo conceito de trabalho de monitoria e educativo. Foram meses de preparação e reuniões semanais. Foram seis meses em que a arte mudou para o outro lado da Paulista, e passou a competir com o MASP.
Os educadores, orientados por Percival logo se reuniram em grupos e passaram a atuar em importantes exposições, tais como: Brasil 500anos na Bienal, Tesouros da China, Picasso e Tate Gallery na OCA. Esses grupos nascentes, formados por educadores atuariam duramte duas décadas de ouro de exposições estrangeiras.
Para outra grande exposição – a Porta do Inferno – Percival se deslocou para Salvador, Recife, Fortaleza formando os arte educadores/orientadores.
No Museu Afro Brasil atuou junto ao educativo, sempre que solicitado, como na última exposição organizada por Emanoel sobre a obra de Jesuíno do Monte Carmelo (julho 2022) teve o privilégio que de assistir, pela última vez, uma palestra sobre Mário de Andrade e a mulatice do pintor dos carmelitas de Itu e São Paulo. Emanoel nos deixaria um imenso legado na Pinacoteca e no Museu Afro Brasil.
Visitar uma exposição, um museu, entre eles o de arte sacra, ir a Inhotim, às cidades históricas de Minas Gerais, aos tesouros barrocos paulistas com o grande arte educador Percival Tirapeli constitui uma experiencia indescritível e inesquecível. É visualizar uma nova leitura da arte brasileira e paulista que nenhum de vocês deveria deixar de desfrutar.
PUBLICAÇÕES
Publicou 30 livros, verdadeiras obras de arte, em especial sobre arte barroca, moderna brasileira e patrimônio cultural da América Latina. Dentre eles 5 são paradidáticos para ensino fundamental 2 e médio. Neste ano publicou suas memórias e um livro de poesias tendo como personagens Aleijadinho e o padre Antonio Vieira.
Foi vice-presidente da Associação Brasileira de Críticos de Artes com Elvira Vernaschi durante duas gestões. Sócio do Icomos Nacional, do qual foi da presidência como Projetos Especiais. Sócio fundador da ANPAP – Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas e do IEV, Instituto dos Estudos Valeparaibanos e do Centro Mario Schenberg, junto a Profa. Dra. Elza Ajzenberg da ECA USP.”