Resenha – Purezinha, a esposa de Monteiro Lobato
por Marisa Lajolo
“O livro de estreia de Raquel Endalecio Martins, “Purezinha Monteiro Lobato: a construção de um perfil” (Ed.Appris) é muito original, oportuno e instigante. Apresenta a seus leitores – como promete seu título – um perfil da esposa do criador da saga do Picapau Amarelo. São poucos os trabalhos voltados para biografia de familiares de escritores. Nem mesmo de suas esposas, exceção feita a Carolina, esposa de Machado de Assis.
Daí o primeiro grande valor deste perfil de Maria da Pureza de Gouveia Natividade ( 1885-1959), que viveu com escritor por quarenta anos e foi mãe de seus filhos. Purezinha era professora, e – até se casar- exerceu o magistério em diversas escolas paulistas.
Um ponto interessante que Raquel Endalécio interpreta nos documentos de que se vale é uma certa implicância de Lobato com o trabalho da noiva. Ele reclama da falta de regularidade e da pequena extensão das cartas que ela lhe envia ao longo do noivado. Ao lado disso, ele também credita a magreza da noiva, a seu ( dela ) exercício profissional de professora.
Ou seja: nesta relação – digamos, pré marital- Lobato, como aponta a autora deste livro, não se comporta muito diferentemente em relação ao trabalho feminino do que a maioria dos homens daquela época.
Como era de se esperar, não são muitos os documentos disponíveis para o estabelecimento do perfil de Purezinha. É aí que avulta o trabalho de Raquel: ela se vale – muito e muito bem- da correspondência de Lobato, que foi um incrível e assíduo correspondente.
Cartas do tempo de noivado – como costuma acontecer com cartas de amor! -são eloquentes dos planos dele para a vida conjugal e de quanto ele lamenta a parcimônia das respostas que recebe da noiva. É talvez por aqui que se delineia – como Raquel aponta ao ler e discutir entrelinhas e interpretá-las- uma certa autonomia de Purezinha, que parece resistir ao assédio epistolar do noivo.
Nas cartas dele a terceiros – e ele foi um incrível e assíduo correspondente- são frequente as alusões à presença da esposa em sua vida. Avultam aqui – nas análises que este livro oferece da correspondência lobatiana- a figura de uma mulher que toma parte na vida intelectual do marido, quer sendo a primeira leitora de textos lobatianos, quer discutindo com ele suas leituras. Vale ainda apontar o cuidado com que Raquel pontua de interrogações sua interpretação das cartas. Trata-se de uma modéstia pouco frequente – mas exemplar e muito recomendável- na interpretação de textos, sobretudo, e talvez, os que se supõe serem biográficos. Multiplicam-se as passagens nas quais a autora levanta outras hipóteses para o texto que está examinando. Fica assim o leitor estimulado a fazer uma leitura ativa dos documentos de que se vale o livro, bem como da interpretação que a autora faz deles.
Além da correspondência de Lobato, a pesquisa que resulta neste livro também recobre documentos da lavra de Purezinha e cartas a ela dirigidas.
Depois da morte do marido, é ela – na companhia da filha caçula – que se ocupa de questões editoriais da obra de Lobato, como por exemplo sua tradução e divulgação no exterior. Também muitas das inúmeras homenagens póstumas ao escritor, são mediadas e pautadas por sua viúva.
É bem provável – e muito muito desejável – que este livro estimule a busca e disponibilização de mais documentos relativos a Maria da Pureza Natividade Monteiro Lobato. Por tabela, eles também ajudarão a debuxar melhor atitudes masculinas em relação à vida intelectual feminina, ao longo de um período bastante significativo do sistema literário brasileiro, do paulista em particular.”