Artigo – Novo ensino médio: caos instalado
Por Nacim Walter Chieco
Em março de 2017, logo após a publicação da Lei nº 13.415 de 16 de fevereiro daquele ano, fiz um artigo denominado “Reforma do ensino médio: prevenindo o caos”, divulgado no site da Academia Paulista de Educação (APE). Basicamente, minha tese era a de que a dita reforma tinha grandes perspectivas de enorme fracasso. Mas, lei posta, posta está e precisa ser cumprida. Sugeria, então, caminhos e medidas, principalmente de conciliação entre, de um lado, as escolhas dos chamados itinerários formativos pelos alunos e, de outro, as ofertas viáveis das escolas isoladamente ou em parceria com outras unidades de cada região. Tudo dependeria, obviamente, de condições mínimas de recursos materiais, tecnológicos e humanos.
Desde o primeiro contato com a reforma, procurei colocar-me na posição de um diretor escolar, que teria de encarar um tremendo desafio de conciliar os interesses dos alunos com a capacidade de atendimento da escola. Teria de administrar encontros e desencontros, conflitos e convergências, fantasias e mundo real. Muita pedreira pela frente.
Agora, decorridos seis anos, com a reforma em processo de implantação, observo que, segundo depoimentos pontuais, o caos está instalado nas escolas, em São Paulo e no Brasil afora. Como se diz no jogo de snooker, chutando a modéstia para o mato, “cantei essa bola”. É certo que esse estado de coisas precisa ser adequadamente verificado e avaliado, conforme o MEC, pressionado por correntes múltiplas, se dispõe a tal dentro do prazo de noventa dias.
Noto, porém, que o caos é ainda maior. Pode-se identificar, ao menos, três correntes ou forças nesse campo de batalha. Em primeiro lugar, como já disse, estão os alunos e escolas que sentem na pele o peso, benéfico ou maléfico a conferir, das mudanças. Ao que parece, mas por ora é só impressão, exageraram na dose de fragmentação curricular sob a diretriz de oferta de infindáveis oportunidades formativas. Tudo sem as tais condições mínimas.
Quanto à ideia de abrir o leque de escolhas aos jovens no ensino médio, lembro que na década de 50 do século passado os concluintes do ginásio, correspondente aos quatro últimos anos do atual ensino fundamental, tinham pela frente, a escolher, quatro caminhos: o científico, voltado às exatas; o clássico, com foco em letras e humanas; o normal, profissionalizante e formador de professores; e o técnico, profissionalizante para as diferentes áreas produtivas. A grande crítica contra esse leque de ofertas (cabe assinalar, à época, reduzidas e insuficientes ofertas) era a precocidade das escolhas. Muitos alunos descobriam, durante ou ao término do curso, que a escolha não correspondia aos seus reais interesses e aptidões. Há universidades estrangeiras de ponta em que essa escolha é feita somente após um ano de formação superior básica, ou seja, por volta dos 18 anos de idade.
Outra força, defendendo a manutenção da reforma ainda que com ajustes e aprimoramentos, consiste justamente nas lideranças dos órgãos responsáveis pela gestão da reforma e figuras de destaque nos meios acadêmicos e corporativos que, desde o início, apontavam as fragilidades e mazelas do modelo anterior e defendiam a nova proposta como salvação da lavoura. Apontam, com razão, que uma anunciada parada geral na implantação da reforma deve produzir incertezas e inconsistências no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Mais confusão à vista.
Há, também, inflamadas manifestações contrárias e detratoras da reforma em curso. De universidades e de movimentos organizados de alunos e de profissionais da educação. Apregoam uma revogação total do aparato legal e normativo da reforma. Significa, pois, que o caos é maior do que eu imaginava. Para continuar a imagem inicial do snooker, “não cantei a caçapa”. Nesse cenário, pululam falácias, mentiras e meias verdades. Aliás, isso já aconteceu nos idos de montagem da reforma. O principal argumento era o de que a causa da desgraça do ensino médio era o currículo. Pois bem, esse argumento precisaria ser rigorosamente escrutinado e avaliado. Afinal, inúmeras escolas privadas e a própria rede pública federal ofereciam ensino de excelente padrão com a estrutura curricular então vigente.
Em 1971, com a Lei n° 5.692 de diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2° graus (este correspondia ao atual ensino médio), foram extintos o científico e o clássico. O 2° grau tornou-se obrigatoriamente profissionalizante. Canoa furada. Não fazia sentido nem havia condições. Desastre total. Recuo em 1982, com a Lei n° 7.044 que aboliu a profissionalização compulsória.
Às vezes, chego a pensar que a legislação educacional brasileira assemelha-se a um fantástico laboratório de experimentos aloprados e mal sucedidos.
Nem tudo, porém, é um mar de lama. Por exemplo, a partir de 1996 foi concebida e implantada uma vigorosa e eficiente política de avaliação educacional externa.
Na atual reforma, o conceito central de “itinerário formativo” precisaria ser aprofundado e, talvez, redefinido em relação às áreas não profissionalizantes. Mas esse é tema para outra conversa.
A formação técnica e profissional, por seu turno, em função de demandas sociais e econômicas, sempre terá lugar desde o início do ensino médio. Seja na forma de aprendizagem, que conjuga formação e emprego, seja na qualificação e na formação técnica, em atendimento a necessidades dos jovens, das famílias e dos setores produtivos.
É sensata e oportuna a providência de se verificar o que, de fato, está acontecendo no chão das escolas. Ver e ouvir alunos, professores, gestores, famílias e comunidades. Só, então, fortalecer, redefinir ou criar novos rumos e destinos. Com visão de Estado e sem dogmatismos conceituais e ideológicos.
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Nacim Walter Chieco é Titular da Cadeira 08 da Academia Paulista de Educação