‘Má-formação’ e ‘malformação’ – site UOL – 02/12/2015
Depois que surgiram as primeiras notícias sobre os inúmeros casos de microcefalia, muitos leitores me pediram que comentasse os vocábulos “má-formação” e “malformação”. Muitos desses leitores dizem estranhar o uso de “malformação”.
A questão gera um mar de discussões. Não faltam posições radicais na defesa desta ou daquela forma.
O fato é que, em termos do que é regular na nossa língua, o termo “malformação” parece mesmo “estranho”. O termo “mal” costuma aparecer nos compostos em que o segundo elemento é um adjetivo (“mal-acostumado”, “malvestido”, “malformado”, “malvisto”, “malfeito”, “mal-agradecido” etc.).
Isso se explica pelo fato de que o modificador de um adjetivo é o advérbio, papel que, no caso, é exercido por “mal”. Como “formação” é substantivo (feminino), o normal, de acordo com os cânones da língua, é o emprego do adjetivo “má”, o que gera o termo “má-formação”.
De onde surge então o termo “malformação”, aparentemente “espúrio” (pelo que acabamos de ver)? Verificam-se duas correntes na explicação desse vocábulo. Uma delas diz que se trata pura e simplesmente de adaptação literal do termo francês “malformation”. Assim procede o dicionário “Aurélio”, que simplesmente manda o consulente procurar “má-formação”.
A outra corrente diz que “malformação” vem (ou viria) da sequência “malformar”, “malformado”, “malformação” . Vejamos o que diz o “Houaiss”: “Depreendido de malformado, supõe-se um v. malformar, do qual haveria o der. malformar + -ção; caso não se admita esse padrão derivacional, malformação estaria por má-formação”. Entendeu por que escrevi “vem (ou viria)”?
Convém lembrar (sempre) que o fator uso nunca pode ser ignorado. Na literatura médica, por exemplo, é frequente o termo “malformação”.
O fator uso é a razão de os nossos mais importantes dicionários (“Aurélio”, “Aulete”, “Houaiss”) e o “Vocabulário Ortográfico” registrarem as duas formas, independentemente da “legitimidade” ou não de “malformação”. O “Guia de Uso do Português”, de Maria H. de Moura Neves, diz que, no corpus da sua pesquisa, há empate entre as duas formas.
Essa discussão se estende a outro par enjoadinho, formado por “má-criação” e “malcriação”. Aqui a coisa se complica um pouco porque, embora a explicação para as duas grafias seja semelhante à que se viu para o par “má-formação” e “malformação”, há divergências entre os dicionários. Numa de suas edições, o “Houaiss”, por exemplo, não registra “malcriação”, ou seja, só registra “má-criação”. Note que eu disse “numa de suas edições”.
Nas duas versões eletrônicas do “Houaiss” a que tenho acesso na Redação daFolha, não há padrão: uma registra as duas formas; a outra só registra “má-criação”.
O fato é que os dois pares (“má-criação/malcriação”; “má-formação/malformação”) têm largo uso e registro abundante nos dicionários e no “Vocabulário Ortográfico”.
Também é fato que importantes estudiosos da linguagem defendem ardorosamente o uso exclusivo de “má-formação” e “má-criação”, mas não existe o contrário, ou seja, a defesa do uso exclusivo de “malformação” e “malcriação”.
Bem, agora que você conhece (se é que já não conhecia) as razões para a existência das duas formas, a escolha é sua, caro leitor. É isso.