20 anos da ldb: avanços e perspectivas para a próxima década – 15 fevereiro 2017
20 anos da ldb: avanços e perspectivas para a próxima década
Evento Comemorativo no cee/sp
Francisco Aparecido Cordão *
I. INTRODUÇÃO
Primeiramente, quero registrar a minha imensa satisfação por estar participando deste evento comemorativo organizado pelo Conselho Estadual de Educação de São Paulo a propósito dos vinte anos de nossa segunda LDB, a Lei nº 9.394/1996, batizada na origem como Lei Darcy Ribeiro da Educação Nacional. Estou muito feliz de estar hoje aqui, porque convivi e trabalhei muito neste Colegiado durante 18 anos, atuando 03 anos como Conselheiro Suplente e depois mais 15 anos como Conselheiro Titular. Nesse período, aprendi muito e participei ativamente das atividades da Casa, inclusive assumindo a direção de Câmaras e Comissões Permanentes e Temporárias, bem como a Presidência do Colegiado em três oportunidades, quando também, em duas gestões, tive a honra de partilhar a presidência com a Conselheira Bernadete Gatti, atual Presidente deste Conselho, que teve a gentileza de me convidar para participar deste debate com o sempre Conselheiro e Professor Carlos Roberto Jamil Cury. Tive a honra de partilhar seis dos meus dezesseis anos de atuação no Conselho Nacional de Educação, na Câmara de Educação Básica, aprendendo com o Prof. Jamil Cury, a quem sucedi na Presidência dessa Câmara. Foi um período muito rico em minha vida profissional, como educador, no qual também tive a honra de atuar em parceria com várias Conselheiras e vários Conselheiros que também fazem ou fizeram parte deste Conselho Estadual de Educação, como as Professoras e atuais Conselheiras Guiomar, Sylvinha e Rose Neubauer. Nesse período, tive a oportunidade, tanto quanto o Prof. Jamil Cury, de ter participado ativamente do esforço regulamentador da atual LDB, cujos vinte anos de existência hoje estamos solenemente comemorando em um dos Conselhos de Educação mais influentes deste País. Concordo totalmente com o Prof. Jamil Cury no sentido de que “a oportunidade dos vinte anos da aprovação e sanção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos incita a uma reflexão sobre esta lei tão importante, tanto para a educação básica nacional, quanto para toda a educação superior”.
Nesta data, aqui no Conselho Estadual de Educação de São Paulo, acabamos de ser brindados com uma verdadeira aula de história da Educação Nacional pelo nosso Amigo Prof. Jamil Cury, navegando, desde o Ato Adicional de 1834, na realidade, uma verdadeira emenda constitucional, até a promulgação da atual LDB, a Lei Darcy Ribeiro de Educação Nacional e suas mais de 40 alterações de toda a natureza, sem contar as atuais propostas apresentadas pela recente Medida Provisória nº 746/2016 sobre o novo Ensino Médio em Tempo Integral, cujo Projeto de Lei de Conversão nº 34/2016 já foi devidamente aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhado à sanção presidencial pelo Oficio CN nº 44/2017, com a Mensagem nº 05/2017.
Além dessas mais de 40 Leis que trouxeram novas redações à atual LDB, o Prof. Jamil Cury destaca que, na realidade, essas Leis promoveram “178 mudanças, inclusive com alterações de alterações”. Entretanto, ainda somam a essas 40 Leis mais 47 Decretos Regulamentadores. Assim, de acordo com o primoroso estudo do Prof. Jamil Cury, esses 87 documentos normativos somam cerca de 225 alterações em uma Lei que foi aprovada em sua versão mais enxuta, com apenas 92 artigos. Neste contexto, somos obrigados a concordar com o nosso Conferencista, no sentido de que é muita mudança para uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em um espaço de tempo tão curto, de apenas 20 anos.
É oportuno lembrar, nesta oportunidade, que essa análise ainda não leva em conta que, na prática, o Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 13.005/2014, também promove alterações e interpretações no texto original da LDB. Mais do que isso, algumas Leis também alteraram dispositivos legais sem alterar o texto da LDB, como foi o caso da Lei nº 12.816/2013, mais conhecida como a Lei do PRONATEC. Em seu Art. 20, essa lei altera dispositivos dos Artigos 16 e 17 da LDB, em relação à composição do Sistema Federal de Ensino e dos Sistemas de Ensino dos Estados e do Distrito Federal, sem alterar, contudo, a redação desses artigos da LDB. Ainda mais, esse Art. 20 teve sua versão original profundamente alterada pela Lei de Conversão nº 12.816/2013, além de contar com acréscimos de dois novos artigos: o Art. 20-A, incluído pela Medida Provisória nº 503/2012 e o Art. 20-B, incluído pela Medida Provisória nº 606/2013, todos devidamente convertidos em Lei.
Neste período de 20 anos, como demonstrou cabalmente o Prof. Jamil Cury, aconteceram “mudanças de toda a ordem: acréscimo de componentes curriculares, ampliação da obrigatoriedade, introdução de dias comemorativos, redefinição da educação profissional, conceituação de profissional da educação, entre outros”.
Em adição ao que foi apresentado pelo Prof. Jamil Cury, ainda relembro que, no caso específico da Educação Profissional, aconteceu algo inusitado em matéria de legislação e normas. O Decreto nº 2.208/1997 foi revogado e substituído pelo Decreto nº 5.154/2004, o qual passou a regulamentar o § 2º do Art. 36 e os Artigos 39 a 42 da LDB. Posteriormente, o referido Decreto serviu de base para promover a reformulação da própria LDB, por força da Lei nº 11.741/2008. Esta lei incorporou e alterou redação de dispositivos do Decreto nº 5.154/2004, em especial, sobre o Ensino Médio e a Educação Profissional, nos Capítulos II e III do Título V da LDB. Foi acrescentada uma Seção IV-A no Capítulo II, intitulada “Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio”, com os Artigos 36-A até 36-D. Além disso, foi adicionado um § 3º no Art. 37 da LDB, na seção referente à Educação de Jovens e Adultos, determinando que “a Educação de Jovens e Adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a Educação Profissional, na forma do regulamento”. A mesma Lei nº 11.741/2008 também alterou a denominação do Capítulo III do referido Título V da LDB, de “Educação Profissional” para “Educação Profissional e Tecnológica”, promovendo significativa alteração de redação nos Artigos 39 a 42 da LDB, incorporando no texto legal dispositivos regulamentadores presentes no referido Decreto.
Esse mesmo Decreto nº 5.154/2008, por sua vez, teve sua redação alterada pelo Decreto nº 8.268/2014, modificando dispositivos que já haviam sido assumidos pela LDB, na redação dada pela Lei nº 11.741/2008, sem proceder, contudo, a mesma alteração na redação do texto legal. Por exemplo, o Art. 39 da versão original da LDB em 1996, na alteração promovida em 2008, incluiu os cursos destinados à “Formação Inicial e Continuada ou Qualificação Profissional”, numa redação derivada da “formação inicial e continuada de trabalhadores” prevista no Decreto nº 5.154/2004, cuja redação foi alterada pelo Decreto nº 8.268/2014 para “qualificação profissional, inclusive formação inicial e continuada de trabalhadores”. Com isso, os chamados “Cursos FIC” (Vejam só!!!), que ainda são oferecidos como “Formação Inicial e Continuada”, especialmente no âmbito do PRONATEC, estão amparados no texto da LDB, mas não mais no novo Decreto Regulamentador nº 8.268/2014, que prevê os cursos de “Qualificação Profissional”, incluindo tanto a “Formação Inicial” quanto a “Formação Continuada de Trabalhadores”.
O Conselho Nacional de Educação ainda tentou desembaraçar, na medida do possível, esse cipoal de regulamentações conflitantes, mas não teve sucesso. Depois de um longo debate, a Câmara de Educação Básica conseguiu aprovar o Parecer CNE/CEB nº 10/2014, dando um tratamento inicial mais lógico a esses dispositivos normativos, embora ainda necessitassem de novos ajustes. Entretanto, esse Parecer ainda continua aguardando a devida homologação. Por exemplo, um dos itens regulamentados por esse inexistente Parecer referia-se aos cursos de Qualificação Profissional, os quais, de acordo com o § 1º do Art. 3º do Decreto nº 5.154/2004, na redação dada pelo Decreto nº 8.268/2014, “terão carga horária mínima de cento e sessenta horas para a formação inicial, sem prejuízo de etapas posteriores da formação continuada, inclusive para os fins da Lei nº 12.513/2011”, do PRONATEC.
Uma conclusão lógica se impõe sobre esta matéria. Se o texto original da Lei nº 9.394/1996 já contava com algumas imprecisões terminológicas, as quais foram justificadas pelo afã geral de prestigiar, ainda em vida, o eminente antropólogo e educador Darcy Ribeiro, o autor do Projeto de Lei e Substitutivo aprovado pelo Senado Federal, que já reforçavam a necessidade de uma adequada hermenêutica que viabilizasse sua aplicação, as alterações posteriores promovidas pelo Congresso Nacional reafirmam essa necessidade. Entretanto, é conveniente lembrar que, cabe ao Conselho Nacional de Educação essa tarefa, por meio de Pareceres e Resoluções. Por isso mesmo, julgo de fundamental importância todo o esforço de interpretação da LDB levado a efeito pelo Conselho Nacional de Educação, desde os primeiros momentos até os dias atuais. Sou testemunha desse esforço do Conselho Nacional durante meus 16 anos vividos como Conselheiro da Câmara de Educação Básica. Muito desse esforço foi dispendido em regime de colaboração com os demais Conselhos de Educação, ou pelo menos, suas decisões foram adotadas após inúmeras Audiências Públicas, Regionais e Nacionais. O Art. 90 da LDB define com clareza que “as questões suscitadas na transição entre o regime anterior e o que se institui nesta Lei serão resolvidas pelo Conselho Nacional de Educação”. Não existe atenuante: a expressão utilizada pelo Redator é clara: “serão resolvidas”. A seguir, o mesmo Art. 90 ainda aponta uma alternativa para essa ação normativa. Ou o CNE resolve diretamente, ou resolve “mediante delegação deste, pelos órgãos normativos dos Sistemas de Ensino, preservada a autonomia universitária”. Essa delegação de competências, entretanto, não faz parte da nossa cultura nacional cartorialista.
Posso testemunhar o enorme esforço que o Conselho Nacional de Educação tem feito para dar conta dessa tarefa, pois ingressei na Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação ainda em 1998, quando o Colegiado estava trabalhando arduamente para definir as primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais para todos os níveis e modalidades de educação e ensino. Foi um trabalho magistral, grande parte dele dirigido pelo nosso Conferencista, Prof. Jamil Cury, o qual ainda contou com a ativa participação de nossa Conselheira Guiomar Namo de Melo, que relatou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e participou ativamente da definição das demais Diretrizes, entre elas, as Diretrizes da Educação Profissional Técnica, que tive a honra de relatar. Em meu segundo mandato ainda acompanhei o brilhante relato de nosso conferencista sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos e ainda tive a honra de relatar dois importantes pareceres, um deles na Câmara de Educação Básica, sobre o Estágio Supervisionado, que serviu de base, posteriormente, para a aprovação da Lei nº 11.788/2008, e outro no Conselho Pleno, definindo Diretrizes Curriculares Nacionais sobre a Graduação Tecnológica. Esse conjunto de Diretrizes foi posteriormente complementado e até mesmo atualizado e alterado pelos novos Conselheiros e Conselheiras. Cumprindo uma quarentena de dois anos, entre 2006 e 2008, retornei ao Conselho Nacional de Educação para dois novos mandatos consecutivos, que durou até o ano passado. Assim, pude continuar testemunhando, tanto o esforço desse Conselho e suas Câmaras, para cumprir a tarefa que lhe foi atribuída pelo Art. 90 da LDB, quanto as dificuldades que o mesmo encontrou para regulamentar as contínuas e confusas alterações legais promovidas pelo Congresso Nacional, em especial no campo da Educação Básica. Nesse período pude testemunhar, também, o esforço desenvolvido pelo Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação para que esses novos atos normativos fossem construídos à luz do efetivo regime de colaboração entre todos os Conselhos de Educação. Esse esforço, salvo raros momentos de maiores discussões e até desentendimentos entre esses Colegiados, o clima tem primado mais pelo efetivo entendimento e cooperação, que felizmente tem possibilitado o funcionamento, ainda que incipiente, de um Fórum Ampliado de Conselhos de Educação. Na continuidade do real funcionamento desse Fórum Ampliado reside a minha esperança de que o monitoramento e a avaliação da execução do novo Plano Nacional de Educação, nos termos do Inciso III do Art. 5º da Lei nº 13.005/2014, seja possível ocorrer em regime de colaboração entre os Sistemas de Ensino, nos termos do Art. 8º da LDB, única alternativa possível para sua efetiva concretização com eficiência e eficácia.
Nesta data, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo está comemorando solenemente o aniversário de vinte anos da nossa segunda LDB. Enfatizo essa observação, porque já foi muito bem registrado pelo nosso Conferencista que, na história da Educação Nacional, só tivemos uma outra LDB, a primeira, que foi a Lei nº 4.024/1961 e esta de1996. As demais, embora também fossem identificadas como tais, não passaram de reformas intermediárias específicas sobre níveis de ensino.
A primeira LDB, proposta ao Congresso Nacional em 1948, logo após a promulgação da Constituição Democrática de 1946, só foi sancionada em 20 de dezembro de 1961, como Lei nº 4.024/1961. A segunda LDB, cuja proposição inicial ao Congresso Nacional se deu em 1989, logo após a promulgação da Constituição Democrática de 1988, a chamada Constituição Cidadã, só foi sancionada 20 de dezembro de 1996, quando a primeira já estava completando 35 anos de existência, embora toda remendada e reformada mais do que a atual. A primeira grande reforma ou remendo da primeira LDB ocorreu em 1968, quando foi sancionada a Lei nº 5.540/1968, que “fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média”. A segunda grande reforma foi promovida pela Lei nº 5.692/1971, que “fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus”, a qual, por sua vez, foi reformada pela Lei nº 7044/1982, que “altera dispositivos da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, referentes à profissionalização do ensino de 2º grau”. A Lei nº 5.692/1971 ainda é erroneamente identificada como a LDB de 1971, mas não passa de mais uma de suas alterações, ainda que profunda, em nossa primeira LDB, que ainda continuou vigente em alguns dos dispositivos da legislação original.
Na qualidade de alguém que iniciou seus estudos sob orientação do conjunto das Leis Orgânicas da Educação Nacional, definidas sob o comando do Ministro Gustavo Capanema Filho, julgo que a nossa primeira LDB verdadeiramente tinha condições de promover uma boa Reforma Educacional no Brasil, tanto assim, que nosso grande educador Anísio Teixeira festejou sua aprovação como uma vitória, definindo-a como “meia vitória, mas vitória”. Dentre os muitos importantes avanços promovidos pela nossa primeira LDB, não poderia deixar passar em branco a oportunidade de dar destaque a uma das teses defendidas ardorosamente pelo nosso saudoso Conselheiro e ex-Presidente desta Casa, Prof. José Mário Pires Azanha, em relação a um dispositivo legal contemplado pela vez primeira na LDB de 1961 e que está mantido no Art. 81 da atual LDB, que é a possibilidade dos sistemas e estabelecimentos de ensino realizarem Projetos Pedagógicos Experimentais, independentemente das amarras da Lei. Entretanto, como registra muito bem o referido Conselheiro, em uma obra póstuma, editada pelo Senac São Paulo, em 2006, com o título “A Formação do Professor e outros escritos”, reformas educacionais não se fazem apenas com a definição de bons preceitos legais, mas sim com a ação comprometida dos seus educadores. A Lei permitia, mas os educadores não foram tão ousados quanto poderiam, ou melhor, curvaram-se ao peso da tradição burocrática que ainda nos escraviza até hoje, impedindo-nos de que nossos Projetos Pedagógicos sejam efetivamente instrumentos de trabalho de toda a comunidade escolar. Isto vale tanto em relação à primeira LDB, e mesmo no âmbito de suas múltiplas reformas, quanto em relação à esta segunda LDB, cujos vinte anos de existência estamos hoje comemorando, neste Conselho Estadual de Educação.
II. Avanços, conquistas e dificuldades da Segunda LDB: Lei nº 9.394/1996
A nossa segunda LDB, a Lei nº 9.394/1996, a chamada Lei Darcy Ribeiro de Educação Nacional, cujos 20 anos estamos hoje comemorando, merece ser destacada, em primeiro lugar, pelo caráter descentralizador que adotou na definição da Estrutura da Educação Nacional. Essa definição assumida pela atual LDB é criticada por muitos educadores por não ter instituído claramente um Sistema Nacional de Educação, com a clara responsabilidade de articular os atuais Sistema de Ensino, em regime de colaboração, para a garantia de uma Educação Democrática de Qualidade em todos os níveis e modalidades de ensino. Por outro lado, vejo que a atual LDB, especialmente em seus artigos 8º a 11, e também nos artigos 16 a 18, acompanha “pari passu” o que está definido no Art. 211 e respectivos parágrafos da Constituição Federal de 1988, bem como na redação original de seu Art. 214. Esse Art. 214 da Constituição Federal recebeu nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 59/2009, nos seguintes termos: “a lei estabelecerá o Plano Nacional de Educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas (…)”. Por conta desse novo dispositivo constitucional, o Art. 13 da Lei nº 13.005/2014, que instituiu o atual Plano Nacional de Educação, estabeleceu que “o Poder Público deverá instituir, em Lei específica, contados dois anos da publicação dessa Lei (prazo vencido no Dia de São João do ano passado), o Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os Sistema de Ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação”
Por tudo isso, continuo considerando que merece destaque como primeiro grande avanço nesta chamada Lei Darcy Ribeiro de Educação Nacional, o que está normatizado no Título IV da LDB atual, que trata “da Organização da Educação Nacional” inovou, a partir de seu Art. 8º, ao definir que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos Sistemas de Ensino”. O § 1º de artigo estabelece que “caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais”. Seu § 2º define que “os Sistemas de Ensino terão liberdade de organização nos termos desta Lei”. Por sua vez, o § 1º do Art. 9º da LDB, define que, “na estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei” (no caso, o atual Conselho Nacional de Educação foi criado pela Lei nº 9.131/1995). Uma Comissão Bicameral do Conselho Nacional de Educação estudou atentamente essa matéria, a qual foi objeto de inúmeras Audiências Públicas Nacionais, desde o ano de 2006, antes de definir o Parecer CNE/CP nº 11/2012, que não foi homologado, o qual entende que o Título IV da LDB define as necessárias Diretrizes e Bases para a instituição do Sistema Nacional de Educação, com fundamento no regime de colaboração entre os respectivos Sistemas de Ensino, que terão plena “liberdade de organização”, cabendo à União o exercício de funções normativas, redistributivas e supletivas, na “coordenação da política nacional de educação”.
Eu sou um daqueles que entende que a atual LDB já define claramente como organizar o desejável Sistema Nacional de Educação, “em regime de colaboração”, articulando os diferentes níveis e “Sistemas de Ensino”. Não será necessária uma nova “Lei do Sistema” para essa Organização da Educação Nacional. Se existir e for bem articulada, poderá até ajudar – só não é essencial para garantir a Educação Democrática com Qualidade. A Lei nº 13.005/2014, em seu Art. 13, até já definiu um prazo para a publicação dessa Lei, vencido em meados do ano passado. Entendo que não é isso que vai impedir o desenvolvimento da Educação Nacional. Além de tudo, o Art. 214 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 59/2009, atribui ao Plano Nacional de Educação, de duração decenal, o papel e “objetivo de articular o Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração”.
Além do mais, o Título IV da LDB ultrapassa o limite da caracterização normativa da Organização do Sistema Nacional Articulado de Educação, em regime de colaboração, definindo atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, respectivamente, nos Artigos 16 (Sistema Federal), 17 (Sistemas Estaduais e do Distrito Federal) e 18 (Sistemas Municipais). Ele define também as atribuições das Escolas e dos Docentes, que representa muito bem o segundo destaque que faço como significativo avanço, pois, esta é uma das linhas mestras com a qual foi costurada a atual LDB. A Proposta Pedagógica dos Estabelecimentos de Ensino é a expressão de sua autonomia. Nos termos do Art. 12 da LDB, a primeira incumbência da Escola é a de “elaborar e executar sua Proposta Pedagógica”. Todo o resto está referenciado a esta atribuição primeira. O Art. 13, então, é paradigmático, do ponto de vista pedagógico. A primeira incumbência dos Docentes não é a dar aulas; mas sim a de “participar da elaboração da Proposta Pedagógica do estabelecimento de ensino”. Igualmente, a segunda é a de “elaborar e cumprir Plano de Trabalho, segundo a Proposta Pedagógica do estabelecimento de ensino”. A terceira incumbência, então, é a incumbência central, que é a de “Zelar pela Aprendizagem dos Alunos”. Nessa perspectiva de zelo pela aprendizagem dos educandos, a seguinte também ainda não é a incumbência de dar aulas, mas sim a de “ estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento”. Essa incumbência definida no Inciso IV do Art. 13 da LDB deve ter sua compreensão atrelada ao que está definido no Inciso V do Art. 12, o antigo anterior, em termos de “prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento”. Neste particular, compete ao Professor “estabelecer estratégias”, mas compete ao Estabelecimento de Ensino “prover meios” para sua execução. Apenas no Inciso V do Art. 13 da LDB, é que aparece “ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional”.
Considero como terceiro avanço significativo, a outra linha mestra utilizada pelo Relator na costura da atual LDB, cruzando-a com a linha anteriormente caracterizada, presente especialmente no Inciso III do seu Art. 13. Portanto, apresento como meu terceiro destaque a subordinação da ação docente ao zelo pela aprendizagem dos estudantes. Na relação entre os atos de ensino e de aprendizagem, a atual LDB subordina a importante atividade de ensino aos resultados da aprendizagem dos seus alunos. O objetivo último da atividade de ensino é a obtenção dos resultados de aprendizagem dos educandos. Obviamente, ninguém aprende a aprender a não ser aprendendo efetivamente e com muito esforço pessoal envolvido, para transformar suas potencialidades em Ato, concretizando a aprendizagem. Nessa perspectiva, entendo que o negócio principal do professor não é o ato protocolar de dar aulas, mas sim o de orientar os seus educandos nas trilhas da aprendizagem, servindo-se de todos os recursos atualmente disponibilizados pelo avanço científico e tecnológico, em especial nas áreas da comunicação e da informação. É para isso que ele planeja e executa atividades de ensino e avalia resultados de aprendizagem. Tanto o currículo escolar quanto as aulas e demais atividades de ensino não são fins em si mesmos, e sim importantes meios para que os alunos aprendam e, ao aprender, aprendam a aprender e tenham condições de continuar aprendendo ao longo da vida, permanente e continuamente. Nos termos dessa linha mestra de costura da atual LDB, o seu Art. 23 define o seguinte: “a educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”.
O quarto destaque, em termos de significativo avanço que quero fazer, pelo que observo ter sido outra linha mestra na construção da atual LDB, está relacionado com a nova função da avaliação da aprendizagem por ela assumida. O objetivo da aprendizagem não é o de reprovar os seus alunos e sim, o de verificar o que eles aprenderam, para utilizar essas aprendizagens como alavancas para novas aprendizagens, promovendo a progressão contínua dos seus educandos, bem como verificando o que não aprenderam para promover contínua recuperação de conteúdo, para que tenham condições de efetiva aprendizagem, definindo novas estratégias de ensino (professores) e provendo meios para implementar essas estratégias (escolas). Esse assunto, entretanto, é assustadoramente polêmico. Eu senti isto na pele ao relatar, neste colegiado, um Parecer sobre Progressão Contínua, ao tempo em que a Professora Rose Neubauer era a Secretária Estadual de Educação de São Paulo. Basta afirmar que o objetivo da avaliação não é o da reprovação dos alunos, para se concluir imediatamente que, então, é o da promoção automática. Se não é para reprovar, então porque avaliar? Se os alunos não tiverem mais o fantasma da reprovação espreitando-os continuamente, como motivá-los para prestar atenção às aulas, se não serão mais reprovados por falta de aprendizagem? Já não existe mais a palmatória e outras formas de castigo físico, agora ainda tiram mais essa poderosa arma da mão dos professores? Como dominar as classes cada vez mais barulhentas, dispersas e desatentas? Infelizmente, por conta de nossa mentalidade cartorial e burocrática, uma das heranças malditas de nosso passado colonial, valorizamos muito mais o prédio da escola, que pode até mesmo ser festivamente inaugurado, do que a aprendizagem que ela propicia aos seus educandos. Ainda é muito mais valorizado o certificado ou o diploma recebido do que o saber que ele deve representar. Vale mais a atividade de ensino ministrada, mesmo que burocraticamente, apenas para cumprir a tabela na “grade curricular” do que o resultado da aprendizagem obtida. Infelizmente, ainda cultivamos a cultura da reprovação. É isso que impulsiona o imaginário popular para entender progressão contínua como sinônimo da promoção automática, sem nenhum compromisso com a aprendizagem efetiva dos alunos, que exige contínua avaliação, contínua recuperação e contínuo ato de “zelar pela aprendizagem dos alunos”. Esse é um tremendo equívoco que, infelizmente, está muito difícil de ser superado, porque pesa muito mais a nossa tradição cultural que a ousadia dos educadores comprometidos com o cumprimento democrático do objetivo último da educação nacional, traduzida em nossa Constituição Federal e na atual LDB como “pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Meu quinto destaque, em termos de outro significativo avanço na atual LDB, vai para a Valorização dos Professores de todos os níveis e modalidades de educação e ensino. A atual LDB reserva um título especial, o Título VI, do Art. 61 até o Art. 67, para tratar da importante temática “dos Profissionais da Educação”, com destaque para os Professores. Enfatizo que o Art. 61 trata dos profissionais da Educação Escolar Básica. Esse artigo foi bastante alterado, principalmente por força da Lei nº 12.014/2009 e recentemente, por força da Medida Provisória nº 746/2016, que incluiu nesse artigo um Inciso IV prevendo a existência de “profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o disposto no Inciso V do caput do Art. 36” da LDB, isto é, na “formação técnica e profissional”. Essa redação do texto agora incluído, certamente obrigará o Conselho Nacional de Educação, em regime de colaboração com o Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação, a concluir os debates e definir, em regime de urgência, um Parecer e respectivo Projeto de Resolução sobre Formação de Professores para a Educação Profissional. O Conselho Nacional de Educação não teve condições de concluir os acalorados debates sobre essa matéria nestes últimos anos, ainda durante o meu mandato como Conselheiro da Câmara de Educação Básica. Este também tem sido um assunto polêmico nos meios educacionais, possivelmente por conta de minha insistência e verdadeira teimosia quanto ao compromisso ético das Instituições dedicadas à oferta de cursos e programas de Educação Profissional em relação ao desenvolvimento de competências profissionais que lhes possibilite um exercício profissional competente. Entendo que a nova Educação Profissional requer, para além do domínio operacional de um determinado fazer, a compreensão global do processo produtivo, com a apreensão do saber tecnológico, a valorização da cultura do trabalho e a mobilização dos valores necessários à tomada de decisões no mundo do trabalho. Por isso mesmo, é que se exige esse compromisso ético das Instituições Educacionais para com o desenvolvimento permanente de Competências Profissionais que conduzam os trabalhadores ao efetivo preparo para continuamente articular, mobilizar e colocar em prática seus saberes e conhecimentos, suas habilidades e atitudes, seus valores e emoções para atender aos requerimentos da sociedade e do mundo do trabalho com eficiência (nos processos) eficácia e efetividade (nos resultados), dando respostas novas e criativas aos inusitados, originais e exigentes desafios profissionais, pessoais e sociais. O Art. 62 trata especificamente da formação inicial e continuada de docentes para atuar na Educação Básica. Este, entretanto, também foi um artigo bastante alterado, por força das Leis nº 12.056/2009 e nº 12.796/2013. Esta última, inclusive, promoveu a inclusão de um Art. 62-A especificamente para tratar da Formação dos Profissionais da Educação Básica, “por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas”. O sucesso de todas essas providências em relação à formação inicial e continuada de professores, entretanto, está vinculado à concretização do que está previsto no Art. 27 da LDB, no sentido de que “os Sistemas de Ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação”.
Certamente, a atual LDB ainda apresenta muitos problemas para sua efetiva concretização e está longe da perfeição. Muitos desses problemas são de origem, como já apontou muito bem o nosso Conferencista Prof. Jamil Cury, decorrentes da forma de sua tramitação no Congresso Nacional. Outros são consequência de alterações promovidas ao longo desses vinte anos de existência por parte do Congresso Nacional, algumas devidas e outras indevidas ou confusas. Entretanto, devido à riqueza que esta atual LDB ainda apresenta, do ponto de vista de sua concepção e das linhas mestras com as quais foi costurada, até poderíamos fazer outros tantos destaques como significativos avanços, tais como o Capítulo III do Título V, sobre a Educação Profissional, integrada aos diferentes níveis e modalidades de Educação e às dimensões do Trabalho, da Ciência, da Cultura e da Tecnologia; o Capítulo V do mesmo Título V, dedicado à Educação Especial ofertada preferencialmente na rede regular de ensino, na perspectiva da Educação Inclusiva; o Título VII, que trata dos Recursos Financeiros, definindo com clareza o que pode ser considerado como despesas com a manutenção e o desenvolvimento do ensino, bem como, tautológicamente, o que não pode ser considerado como despesas com a manutenção e o desenvolvimento do ensino; a possibilidade de atuação na modalidade de Educação a Distância, tanto no nível da Educação Básica quanto no nível da Educação Superior, abrindo caminhos para a oferta de um ensino híbrido, articulando harmoniosamente oportunidades de ensino presencial ou a distância, mediado por tecnologias adequadas, devidamente trabalhadas, para melhor atender às demandas educacionais na chamada “idade mídia”, que está a exigir ousadas e urgentes soluções por parte dos educadores das novas gerações.
Ainda poderia apontar como destaque especial, na qualidade de mais um significativo avanço legal, ao seu Título III, que trata “do Direito à Educação e do Dever de Educar”, com destaque para a exigência da definição de padrões mínimos de qualidade do ensino, nos termos definidos pelo Inciso IX do Art. 4º, “definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. O Conselho Nacional de Educação bem que tentou regulamentar esse dispositivo legal, mas não foi feliz em seu intento. O Parecer CNE/CEB nº 08/2010 jamais foi homologado e o Colegiado não teve condições de concluir uma nova redação ao referido Parecer, mesmo considerando que a estratégia nº 06 da meta nº 20 do atual Plano Nacional de Educação estabelece como prazo para ser “implantado o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), referenciado no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo financiamento será calculado com base nos respectivos insumos indispensáveis ao processo de ensino-aprendizagem e será progressivamente reajustado até a implantação plena do Custo Aluno Qualidade (CAQ)”. O prazo estabelecido pela Lei nº 13.005/2014 era de dois anos e também já venceu durante os festejos do último Dia de São João. Reconheço que esta é uma questão polêmica, pois o § 2º do Art. 208 da Constituição Federal define que “o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”, e o § 4º da LDB, por seu turno, estabelece que “comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade”. Nunca é demais lembrar que “garantia de padrão de qualidade” é um dos princípios fundamentais definidos para Educação Nacional, tanto pela nossa Constituição Federal, quanto pela atual LDB.
Acredito mesmo que os grandes destaques que eu poderia fazer em relação à atual LDB, de um lado, ficam por conta de seu caráter descentralizador, ousado, inovador e valorizador do desenvolvimento da capacidade de aprendizagem dos educandos, a qual deve ser tratada com zelo e determinação por parte dos profissionais da Educação e, por isso mesmo, esse caráter flexível e descentralizador requer o cultivo da cultura permanente da avaliação. Concordo com o Prof. Jamil Cury, no sentido de que a LDB está calcada em dois eixos fundamentais: “a flexibilidade e a avaliação”. Entendo que linha mestra da LDB terá condições de orientar a sociedade brasileira para saldar sua enorme dívida social que lamentavelmente ainda ostenta em relação à educação democrática de seus cidadãos, independentemente da sua idade e, principalmente, de sua condição social. De outro lado, como profissional da área, ainda destaco, com certa dose de otimismo, outra grande alteração promovida pela atual LDB em relação à Educação Profissional, que a situa na confluência dos direitos fundamentais do cidadão à própria vida, à educação e ao trabalho, o que significa dizer, em última instância, voltada para a criação de condições efetivas do cidadão trabalhador, ao desenvolver suas competências profissionais, valorizar o direito ao exercício pleno de sua cidadania com dignidade.
Sou testemunha do quanto este Conselho Estadual de Educação e também o Conselho Nacional de Educação têm trabalhado com muita seriedade e dedicação para implantar efetivamente estas orientações básicas da atual LDB. Novamente, sou obrigado a concordar plenamente com o Prof. Jamil Cury no sentido de que a força do condicionamento cultural promovido pelas recentes reformas da nossa primeira LDB, sob a égide da Lei nº 5.540/1968, em relação à Educação Superior, e da Lei nº 5.692/1971, em relação à Educação Básica, “associadas à inevitável postulação de grupos interessados em alterar aspectos específicos” da atual LDB, “junto com imprecisões terminológicas, reforçaram a necessidade de uma hermenêutica que viabilizasse o novo texto legal”. Esta é uma questão delicada, a qual ainda dará muito trabalho aos Conselhos de Educação, uma vez que não vislumbro a possibilidade de um novo reordenamento legal tranquilo em matéria de Educação definido a curto prazo e que realmente concretize o que está definido no Art. 205 da Constituição Federal: “A Educação, Direito de Todos e Dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da Sociedade, visando ao Pleno Desenvolvimento da Pessoa (LDB: do Educando), seu Preparo para a Cidadania e sua Qualificação para o Trabalho”.
Este condicionamento cultural, entretanto, não é o único gargalo que enfrentamos para dar concretude à atual LDB. Continuamos convivendo também com alguns outros gargalos indesejáveis que ainda nos impedem de conseguir implantar plenamente as melhores Diretrizes e Bases propostas pela atual LDB, debatendo-nos em torno de seus desacertos e imprecisões, reais ou fictícias, que paralisam uma ação educacional com maior ousadia. Por exemplo, a organização da Educação Básica ainda continua obedecendo rigidamente às antigas “grades curriculares”. Realmente, está difícil romper essa “grade” que nos aprisiona. Ainda estamos encontrando dificuldade até mesmo para implantar o ciclo de alfabetização nos três anos iniciais do Ensino Fundamental de Nove Anos, entre os seis e os oito anos de Idade. Não há “pacto nacional pela alfabetização da idade certa” que rompa essa barreira!!!
Outro gargalo sério também está relacionado a uma mudança radical de ordem eminentemente cultural. Não está sendo nada fácil abandonar a cultura da reprovação dos alunos. Esta ainda é, teimosamente, utilizada como corretivo substitutivo da ultrapassada palmatória e demandada como imprescindível arma na mão dos professores, como forma única para controlar os indomáveis e irrequietos estudantes. Precisamos encontrar urgentemente uma forma de total substituição da inútil, ineficiente e ineficaz cultura da reprovação por uma ousada, eficiente e eficaz cultura da progressão contínua, a qual não significa, em hipótese alguma, promoção automática de alunos que não aprendem o que deveriam aprender para adquirir condições efetivas de continuar aprendendo ao longo da vida. Como já disse, a cultura da Progressão Contínua supõe contínua e permanente avaliação das atividades de ensino e dos resultados de aprendizagem para utilizar seus resultados como alavancas para o planejamento de novas atividades de ensino e organização de novas situações de aprendizagem, com vistas à obtenção de novos resultados de aprendizagem, preparando, com isso, nossos educandos para a aprendizagem permanente, que crie condições de enfrentar, no dia a dia da prática social e profissional, a desafios esperados e inusitados, dando-lhes respostas originais e criativas. Este é um grande desafio posto para todos, em especial, aos Educadores.
Existe mais um importante gargalo que merece ser destacado, a despeito do enorme esforço desenvolvido por todos os órgãos normativos e executivos de todos os Sistemas de Ensino para superar essa defasagem. Todos estão empenhados na oferta de bons programas de Educação Continuada para a Formação de Professores da Educação Básica e também, embora em menor escala, da Educação Profissional. Entretanto, a falha maior ainda está na Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e também para a Educação Profissional. As nossas Universidades, Públicas e Privadas, bem como as demais Instituições de Educação Superior, salvo honrosas exceções, as quais só confirmam a regra, infelizmente, ainda não acordaram para a real necessidade de se priorizar efetivamente a Formação Inicial e Continuada de Professores, especialmente para a Educação Básica e também para a Educação Profissional e Tecnológica. Todos nós temos escutado muitas críticas da Academia em relação à qualidade da Educação Básica. Embora verdadeiras, essas críticas são ineficazes, pois escondem a realidade de algo que não querem admitir, que é da própria Instituição de Educação Superior a responsabilidade maior pela formação inicial e continuada dos Professores da Educação Básica, cujos estudantes, mais tarde, elas encontrarão em seus cursos superiores. Julgo que já não basta apenas ficar reclamando da situação atual como se não tivessem nada a ver com isso.
Outra dificuldade, que destaco como importante gargalo, refere-se à autonomia das Instituições Educacionais, de todos os níveis e modalidades de ensino, em relação a assumir o seu próprio Projeto Pedagógico como efetivo instrumento de trabalho para o estabelecimento de ensino como um todo e para suas equipes técnicas e administrativas, de modo especial, para os seus Professores, que devem “elaborar e cumprir plano de trabalho segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”, objetivando “zelar pela aprendizagem dos alunos”. Toda a Comunidade Escolar, aliás, deve se envolver na concepção, elaboração, execução e avaliação da Proposta Pedagógica do Estabelecimento de Ensino, pois ela é a expressão de sua autonomia. É direito dos pais ou responsáveis, no mínimo, conhecer a proposta pedagógica da escola na qual estudam seus filhos e cobrar dela o seu cumprimento e os seus resultados de aprendizagem. Igualmente, é direito e dever de os docentes participarem ativamente da concepção, elaboração, execução, avaliação e replanejamento da proposta pedagógica das Instituições Educacionais onde atuam profissionalmente. Infelizmente, muitas atividades de planejamento no âmbito da Educação Básica ainda são atividades burocráticas, descoladas da realidade diária da comunidade que abriga as próprias escolas e seus estudantes. Muitas delas são destinadas, apenas, ao cumprimento de tabela prevista no calendário escolar, cartorialmente definido. Merece um esforço extra para que essa maldita herança cultural seja definitivamente superada, pois ainda teima em permanecer viva nos ambientes escolares, muitas vezes, até mesmo no inconsciente das pessoas, a prevalência do “faz de conta” burocrático sobre a verdade dos fatos.
III. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste contexto de comemoração dos 55 anos de Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e de vinte anos da atual LDB, encontramos muita gente boa defendendo uma nova LDB, até mesmo por conta de suas “178 mudanças, inclusive com alterações de alterações”, conforme foi muito bem registrado pelo nosso conferencista e sempre Conselheiro, o Prof. Carlos Roberto Jamil Cury. Entretanto, respeitosamente, eu julgo que, substituir a LDB atual por outra, embora a atual já se encontre bastante remendada, ajudaria muito pouco para a real promoção de uma efetiva melhoria na Educação de nossos Cidadãos, em todos os níveis, etapas e modalidades de Educação e Ensino. Sinceramente, até tenho receio de que ainda possa piorar. Prefiro que a atual LDB continue sendo emendada e remendada, se for o caso, mesmo correndo o risco de que uma ou outra emenda que seja aprovada pelo Congresso Nacional acabe sendo contraditória com a própria espinha dorsal da atual LDB. Ainda assim, prefiro mantê-la ativa, porque acredito que, em suas linhas mestras, a atual LDB ainda contemple alguns antídotos que poderão, eventualmente, promover correções de rumo pela firme ação conjugada, em regime de colaboração, dos Conselhos de Educação, no exercício colegiado de suas funções normativas. Assim, julgo que o esforço maior dos Educadores Brasileiros neste momento histórico deva ser no sentido de executá-la efetivamente, juntamente com o nosso Plano Nacional de Educação e correspondentes Planos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, buscando neles instrumentos legais todos os argumentos possíveis para apoiar e agasalhar mudanças mais ousadas e consequentes, que realmente propiciem aos nossos concidadãos uma Educação Democrática de Qualidade para Todos e Cada um dos Brasileiros. Este é um dos nossos grandes desafios educacionais atuais, nos cenários nacional e internacional, e o nosso compromisso para com todos e cada um dos nossos concidadãos, o qual deve ser assumido por todos nós como uma questão de honra e de brio profissional.
São Paulo, 15 de fevereiro de 2017
Francisco Aparecido Cordão
Conselho Estadual de Educação de São Paulo
* Conselheiro do CEE-SP durante 18 anos e da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação durante 16 anos; Diretor da Peabiru Educacional: facordao@uol.com.br