Habilidades básicas na educação profissional – Nacim Chieco
Nacim Chieco
Membro da Academia Paulista de Educação
A.E.I.O.U
Dabliú, dabliú
Na cartilha da Juju,Juju
Noel Rosa e Lamartine Babo
Contexto
A atual situação de pandemia, em 2020, vem requerendo mudanças drásticas em todos os níveis e modalidades de educação. Como medida de proteção sanitária, as escolas paralisaram as aulas presenciais. Nessa linha, as instituições de educação profissional passaram a adotar a aprendizagem remota como estratégia de substituição, recuperação e compensação das atividades presenciais.
Nesse contexto, vem à tona uma iniciativa propagada no Brasil, na década de 80 do século passado, principalmente pelos especialistas de larga experiência em organismos internacionais Claudio de Moura Castro e João Batista Araújo e Oliveira. A ideia seria a identificação e desenvolvimento de habilidades básicas (basic skills) transversais, tanto na educação básica quanto na formação profissional. Esse movimento surgiu na Europa, talvez por conta das carências e dificuldades educacionais dos povos migrantes.
Pois bem, o problema atual faz com que retomemos essa ideia, pois a educação a distância passa a depender fortemente de tais habilidades, tanto aquelas típicas de uma formação de base quanto as específicas do mundo das profissões. Dentre um vasto conjunto, vale destacar cinco dessas habilidades, três delas – a leitura, a escrita e o cálculo – mais do âmbito da educação básica e duas – embora possam ser desenvolvidas na educação básica, são próprias da profissionalizante – o desenho e a informática. Aquelas, quando insuficientes, precisam ser compensadas ou reforçadas pela educação profissional. Todas, entretanto, são imprescindíveis para a vida produtiva e social.
Não se trata, aqui, de reducionismo em relação ao propósito principal de formação plena do trabalhador e do cidadão. Trata-se de algo considerado relevante como suporte para o desenvolvimento das competências do perfil profissional a ser alcançado. Assim como as habilidades básicas, outras capacidades igualmente transversais são cada vez mais requeridas no trabalho e na vida, tais como: pensamento crítico, criatividade, responsabilidade, autonomia, trabalho em equipe e empreendedorismo.
Leitura
A leitura, um dos pilares da alfabetização, juntamente com a escrita é responsável pela criação e transmissão da cultura letrada. Agregada às habilidades da fala e compreensão, adquiridas sobretudo no meio familiar e social, formam o bloco primordial da comunicação humana.
Na formação e no exercício profissional, é requerida em vários graus de exigência. Desde os mais simples, como por exemplo a leitura das placas dos ambientes e dos rótulos dos materiais de limpeza. Ou, um pouco mais complexos, os títulos e legendas de gráficos e tabelas. Ou os manuais de equipamentos (aliás, nem sempre claros e completos) e relatórios. Chegando, em estágio avançado, às pesquisas científicas e tecnológicas para melhorias e invenções.
Adquirido o hábito, o leitor consome compulsivamente jornais, revistas e literatura em geral. O que se torna altamente salutar.
Tanto na aprendizagem presencial quanto na remota, ainda que esta seja fortemente estruturada em imagens e sons, sempre haverá texto a ser lido e interpretado. Sem falar nos casos em que, improvisadamente, o material auto-instrucional não passa de transposição e adaptação de livro didático produzido originalmente para uso presencial.
Escrita
A escrita e a leitura caminham praticamente juntas no processo de letramento. E não importa a concepção pedagógica e o método de ensino adotados para alfabetizar. Não se observa diferença substantiva nos estágios avançados de elaboração mental em função da forma como o indivíduo aprendeu a ler e escrever. A mente humana separa e junta os símbolos independentemente do modo como foram assimilados. Nós, veteranos de hoje, aprendemos muito bem com as populares cartilhas “b” com “a” “ba”. Mais os inesquecíveis cadernos de linguagem e de caligrafia e a memorável tabuada.
Além da necessidade social, a escrita é igualmente demandada no mundo do trabalho, também em graus diversos. Na simples assinatura e preenchimento de formulários de pedido de emprego e de registro de rotinas. Na redação de mensagens e relatórios, cada vez mais frequentes por meio eletrônico. Na elaboração de pareceres técnicos, planos e documentos norteadores de análises e decisões gerenciais e estratégicas.
A escrita constitui habilidade indispensável na interação entre alunos e tutores, bem como na avaliação da aprendizagem na estratégia formativa a distância.
Cálculo
A tradição escolar manteve esse termo que, na verdade, significa todo o campo da ciência matemática. No ensino fundamental são desenvolvidas as operações básicas, as frações, o sistema métrico, fundamentos de álgebra e “Pitágoras”. Na educação profissional, além disso tudo, entram outros sistemas de medidas, representação gráfica e bases de trigonometria, com apoio de estatística e geometria.
Na formação e no exercício profissional são requisitos indispensáveis os domínios de projeto, tempos e movimentos (antigamente havia uma técnica chamada MTM – Métodos, Tempos e Movimentos, hoje superada por novas formas de organização e controle da produção), medidas, tolerâncias, qualidade e custos, tudo por meio de representação numérica e gráfica.
É absolutamente claro, portanto, que os conhecimentos de matemática básica devem estar presentes em todas as estratégias de educação profissional. Embora o ábaco, a régua de cálculo e similares tenham se tornado objetos de museu, superados pelos meios digitais, a habilidade de cálculo mental adquirida com a tabuada continua sendo necessária e útil na vida em geral.
As vídeo-aulas, entre outros recursos, constituem eficiente meio de aprendizagem remota de matemática básica.
Desenho
É voz corrente que o desenho é a linguagem primordial da formação profissional, sobretudo no setor industrial. Tudo, de fato, começa com o traçado de um projeto, que, para ser executado, precisa ser lido e interpretado. Desenhar, ler e interpretar projetos e figuras representativas são, pois, habilidades necessárias ao desempenho profissional. Sem esquecer que o desenho constitui uma das importantes formas de expressão humana, seja nas simples e ingênuas, seja nas mais elevadas produções artísticas.
Atualmente, as pranchetas, esquadros e outros instrumentos são inteiramente substituídos por programas de computação muito mais precisos e ágeis.
O desenho, portanto, constitui habilidade básica transversal para todos os cursos de educação profissional. Pode ser desenvolvido presencialmente e a distância.
Informática
Atualmente, o computador está presente, em maior ou menor grau, em todas as atividades humanas. E a tendência é que essa presença se acentue cada vez mais com novos avanços, destacando-se a robotização e a inteligência artificial. Não há como, então, prescindir dos recursos das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) na formação e no trabalho de qualquer natureza.
Em qualquer curso ou atividade profissional são requeridos conhecimentos e habilidades básicas de informática. Assim, os alunos em geral precisam adquirir os conhecimentos e práticas elementares dessa área, tanto para o aprendizado contínuo quanto para o desempenho profissional.
Em educação cabe distinguir as TICs enquanto conteúdo curricular daquelas incorporadas como recurso didático. Aliás, são amplas as possibilidades de tais recursos, desde a produção de material impresso auto-instrucional até formas sofisticadas de vídeo-aulas utilizando realidade ampliada e holografia. A internet é, praticamente, uma biblioteca universal inteiramente à disposição de todos, sem qualquer distinção. O mundo digital é, portanto, um vasto universo a ser explorado e desenvolvido para mudar radicalmente os padrões da educação e da escola tradicional.
Afinal
Em termos operacionais, é recomendável que as instituições formadoras:
- ofereçam cursos ou programas específicos de recuperação e fortalecimento das habilidades básicas; e
- proporcionem apoio individualizado nos cursos profissionalizantes para sanar eventuais lacunas e deficiências dessas habilidades.
A finalidade desse tipo de atendimento é a inclusão de todos em patamar mínimo transversal para a almejada excelência do aprendizado profissional.
Na falta ou insuficiência das referidas habilidades básicas pode ocorrer uma conhecida e indesejável novela educacional: “o professor faz de conta que ensina e o aluno finge que aprende”.
As apontadas habilidades básicas podem ser representadas metaforicamente por um edifício. A leitura, a escrita, o cálculo e o desenho integram o alicerce e a informática abrange os sistemas elétrico e lógico. As demais partes da construção ficam por conta das competências do perfil profissional de cada ocupação.
Em suma, as habilidades básicas são absolutamente indispensáveis para a aprendizagem presencial ou remota, para o trabalho de qualquer natureza e para a vida social do aluno, do trabalhador e do cidadão.
São Paulo, julho de 2020