Eliana Amaral toma posse na Academia Paulista de Educação
Ao ocupar a Cadeira de número 23 na Academia Paulista de Educação, a professora, Dra Eliana Amaral homenageou o fundador e o patrono da cadeira, Professores Rita de Freitas e Roberto Mange. Eliana Amaral também contou sobre suas experiências profissionais na cerimônia que ocorreu em 22 de novembro de 2023, na sala de reuniões do Conselho Universitário da Unicamp com a presença do Magnífico Reitor da Universidade e do Presidente do Conselho Estadual de Educação:
Leia a íntegra do discurso:
“Boa tarde ao presidente da Academia Paulista de Educação, Acadêmico Hubert Alquéres, ao Reitor Prof. Antonio Meirelles, ao presidente do CEE Roque Theophilo, à vice-presidente do CEE, Prof. Maria Helena Castro, e todas as pessoas aqui presentes,
É uma grande alegria ter reunidos, nesta que é a minha casa profissional, os amigos da Academia Paulista, do CEE, da Unicamp, meus familiares e amigos de muitos lados.
Tomar posse da cadeira 23 da Academia Paulista de Educação na sala do Conselho Universitário é um privilégio e uma responsabilidade. Reforça o meu compromisso com a formação de pessoas, apoiado na qualidade acadêmico-científica, com responsabilidade perante as necessidades da sociedade onde estamos inseridos. Espero, com minha atuação, fazer jus aos votos dos demais 39 membros, agora meus “colegas” confreiras e confrades. Esta distinção representa o reconhecimento da educação como alicerce e homenageia também aqueles com quem aprendi muito, colegas, estudantes, pacientes, familiares e amigos.
Meu especial agradecimento ao presidente Hubert Alquéres, que apresentou meu nome para os demais acadêmicos. Acreditou que eu poderia contribuir com este seleto grupo. Aos poucos, vou conhecendo melhor cada um, pessoas singulares em vastas experiências, que são trazidas para refletir sobre os caminhos, ou descaminhos, da Educação.
A cadeira 23 tem Roberto Mange como seu patrono, um engenheiro mecânico nascido na Suiça no final do século XIX, onde se formou. Foi catedrático na Escola Politécnica da USP, e criou, em 1924, o curso de Mecânica Prática no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Também com a sua colaboração foram criados os Centros de Ensino Profissional das companhias férreas, em tempos agitados da industrialização e forte contribuição do transporte ferroviário no estado. Com base no sucesso destas iniciativas, idealizou e fundou o SENAI, em 1942. Entendia a importância da formação profissionalizante, de preparar os indivíduos para a busca de soluções, de forma inovadora e se alinhava com os pensamentos de Anísio Teixeira. Era, acima de tudo, um propulsor de mudanças. Encontro, então, aproximações com a minha origem e caminhos profissionais. Há intersecção com a trajetória do meu pai, advogado dos ferroviários, o que o levou para a carreira política. E me identifico com esta energia de ação para avançar.
Assumir uma cadeira ocupada primeiramente por uma mulher tem especial significado. Rita de Freitas foi uma das 10 mulheres entre os primeiros acadêmicos da APE, em 1970. Hoje somos 15 mulheres entre os 40 confreiras e confrades. Como tenho atuado no desenvolvimento de lideranças femininas, tornar-me a nova ocupante da cadeira 23 faz sentido. Os astros nos céus se alinharam, como diria Mariana Amaral.
Meu antecessor nesta posição foi José Cláudio Correra, professor de Marketing na PUC/SP e no Senac, que apostou nos jovens e abraçou a inovação tecnológica. Também me reconheço na vontade de utilizar o conhecimento para buscar o melhor no que é novo.
E descobri que a cadeira vizinha, 24, foi ocupada inicialmente por Sylvio Carvalhal, professor-médico que teve proeminente papel na FCM/Unicamp, tendo sido seu segundo diretor nos anos de 1969-70. Incrível como tudo se conecta.
Tudo junto e misturado, minha carreira tem a saúde, a educação e as políticas públicas como eixos estruturantes. Mais recentemente, ainda pude agregar as experiências de gestão universitária e regulação do ES, sempre buscando unir teoria e prática. Decidi ser obstetra e, por consequência, médica quando me encantei, na adolescência, com a mágica do desenvolvimento de um novo ser e seu nascimento. Estar junto e apoiar este momento é a missão do obstetra (obstare = observar). Tem algo em comum com formar pessoas… Mas o amor pela educação veio de vivenciar uma formação de qualidade, com bons professores.
Encontrei inspiração tendo sido estudante em diferentes tipos de instituições. Primeiro estudei numa escola primária privada, religiosa, o Colégio Dom Barreto. Depois, fui para o tradicional Ginásio Estadual Culto à Ciência. Finalizei o ensino secundário no Colégio de Aplicação Pio XII, da PUCC. Cursei a graduação na Faculdade de Medicina de Jundiaí, municipal. E depois fui aluna de pós-graduação e fiz carreira na Unicamp, onde estou há 38 anos. Isso me ajuda a compreender as diferentes culturas e os papéis que cada tipo de instituição pode e deve cumprir num sistema educacional potente e plural, como o do Estado de São Paulo.
É orgânico, para mim, entender o poder da integração entre as IES, a sociedade onde estão inseridas e o poder público. Isso tem raízes na minha infância e adolescência, quando acompanhava meus pais em inaugurações de creches, escolas de educação infantil e postos de saúde. Vivenciei a materialização de políticas públicas em Campinas nos anos 80-70. Muitas delas foram elaboradas e conduzidas por professores da Unicamp. Hoje entendo que isto se constitui numa das mais relevantes ações da extensão universitária: contribuir para elaborar, implantar e avaliar políticas públicas.
Na Unicamp, ajudei a formar 4400 médicos, 350 pós-graduandos em saúde da mulher e outros 400 em educação médica. Mas sempre rompi os muros da academia. Primeiro, como “obstetra-educadora”, em conferências e na implementação de programas de saúde em temas como a infecção pelo HIV/Aids e infecções de transmissão sexual e posteriormente, assistência ao parto e pré-natal de qualidade. Nos últimos 20 anos, muito da minha energia e entusiasmo se voltaram para a formação do docente para o ensino superior, especialmente nas profissões da saúde, com temas como carreira, currículo, avaliação, permanência, acreditação e licenciamento profissional.
Este conjunto de vivências me obriga a compartilhar algumas reflexões. Apenas um quarto da população de 25-34 anos cursou ensino superior, quando esta proporção é de 47% nos países da OCDE, 57% no Reino Unido e 66% no Canadá. Houve uma queda importante nos interessados em realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Estes dados exigem reflexão e ação dos que compreendem o papel da formação superior sólida, que busca preparar um profissional qualificado e reflexivo-crítico, que contribua com a construção de uma sociedade cidadã.
Há diferentes razões para a não-adesão dos jovens ao ensino superior. Elas incluem do desconhecimento das possibilidades de acesso até a dificuldade de se manter nos cursos. Pode refletir percepção de pouco alinhamento do ensino superior atual com as oportunidades do mundo do trabalho. Ou pode decorrer da necessidade de contribuir com o orçamento doméstico, impedindo a opção pelo ensino superior. Ainda, há a dificuldade financeira de pagamento de mensalidades e despesas de subsistência, mesmo que o ES seja gratuito. Para os que ingressam, pode haver dificuldade de acompanhar as demandas acadêmicas, muitas vezes pouco alinhadas com os princípios de aprendizagem mais atuais e pertinentes para esta geração.
Também sabemos que cerca de 80% dos estudantes no ensino superior estão em instituições privadas e dois terços dos ingressantes optaram por cursos de educação a distância, uma modalidade que responde por 80% dos cursos de pedagogia. Não é o caso de se rejeitar a contribuição que a EAD pode oferecer para uma formação mais autogerenciada, como tem sido observado entre os que estudam e trabalham. Também é preciso não resistir à contribuição dos recursos digitais ao ensino presencial. Modelos “misturados”, ou híbrido, tem embasamento na ciência da cognição e qualificam o processo de aprendizagem. Importa a qualidade do processo educacional. Há que se evitar a superficialidade da aprendizagem por consumo de informação, sem estimular a reflexão mais profunda, a aplicação do conhecimento e as oportunidades de variadas experiências formativas. Isso vale para qualquer modalidade.
Há também que se entender a complexa questão da conclusão dos cursos superiores. Segundo o INEP/ME, no setor privado, a taxa de desistência acumulada no curso de ingresso é de 56,5% (presencial) e de 63,3% (EAD). No setor público a taxa é menor, 40,3%, em cursos essencialmente presenciais. Estas taxas e tendências não diferem de forma significativa das taxas internacionais, variam por área de conhecimento e tem as questões financeiras como seu grande determinante, segundo a literatura.
Será que as decisões sobre cursar o ES e a opção pela modalidade tem sido suficientemente informadas? Como os jovens e suas famílias tem feito suas escolhas? A descontinuação de um curso é reflexo de insucesso? Ou das buscas das novas gerações? Como otimizar a permanência, considerando o conjunto de determinantes possíveis, como motivação, aspectos psicológicos, sociológicos, pedagógicos e financeiros? E o que define sucesso da formação? É preciso compreender as muitas facetas do ensino superior e sua interrelação com o mercado de trabalho para responder a estas questões com responsabilidade civilizatória perante as novas gerações. Este sentimento me acompanhava nas inúmeras sessões de colação de grau como pró-reitora. Via ali a abertura de muitas portas e janelas para cada estudante recebendo seu diploma (E chorava muito).
Não poderia deixar de mencionar enfocar a qualidade de formação nos cursos de Medicina, e dos especialistas. O Brasil tornou-se vice-campeão mundial de escolas médicas (perde para a Índia, 392 x 336 escolas, 3000 hab/escola x 600hab/escolas). Como tantos outros países, tem profissionais concentrados nos grandes centros. Garantir a boa formação num curso que exige aprendizagem tutorial, com baixa relação estudante-professor para a necessária aprendizagem em serviço, nos cenários da futura prática profissional, é um imenso desafio. O ecossistema formativo deve estar sob estrito acompanhamento e avaliação, responsabilizando todas as instâncias que deveriam garantir qualidade.
Então, programas que reconheçam e estimulem a qualidade e regulação consistentes do ES, incluindo as especializações e a educação continuada, são uma emergência no Brasil. A sociedade brasileira, e paulista em especial, precisam entender estes aspectos para evitarmos “falsos e fáceis remédios” para problemas complexos. Na APE, podemos refletir sobre como as instituições, seus professores, os estudantes e a sociedade podem se unir para garantir formação profissional sólida e de qualidade, na saúde e outros campos.
Mas também me entusiasma contribuir com reflexões e propostas de ação para os desafios da educação básica. Dados recentes mostram a urgência de aumentar a adesão e desenvolver maior senso de pertencimento dos jovens aos anos finais do ensino fundamental e ao ensino médio. Isso amplia suas possibilidades de escolhas. Como garantir que cada estudante desenvolva seu melhor potencial e atinja seus objetivos de formação? Como o papel dos professores no sucesso de cada estudante é inquestionável, é necessário oferecer apoio efetivo e valorizar a atuação cotidiana dos que se dedicam a formar pessoas. Estes desafios exigem uma perspectiva intersetorial para políticas de estado, não de governo.
Estar no Conselho Estadual de Educação, de forma concomitante com a intensa, mas prazerosa participação na gestão da Universidade foi uma oportunidade ímpar. A convivência com os educadores do CEE, hoje amigos, é enriquecedora e permitiu ampliar meu olhar, da educação infantil até a pós-graduação. Junto aos acadêmicos, vou ganhar novas perspectivas para contribuir com reflexões e propostas de ação.
Reafirmo minha disposição e energia para continuar minha jornada no campo da educação, entendendo-a como estruturante da sociedade, das pessoas e suas famílias. Sua oferta com garantia de qualidade e o acesso de todos que desejam, são um bem maior pelo qual lutar. A formação de pessoas orienta minhas atividades, inclusive como médica num plantão de fim-de-semana, feriado ou noturno. Aliás, minha identidade profissional docente está registrada até na declaração de imposto de renda!
Desta forma, espero honrar esta cadeira 23. Para isso trago entusiasmo, energia, sólida formação e valores acadêmicos e uma incorrigível “mania” de buscar o diálogo, o consenso e a boa convivência. Muito obrigada a todos que puderam estar aqui hoje comigo, e com meu colega de “bancada” na APE, nosso ex-reitor, Carlos Vogt, a quem também cumprimento. “