Educar na era do saber
Doutor em educação e membro das Academias Brasileiras de Educação e Filosofia.
No mundo contemporâneo não há mais lugar para os despreparados intelectualmente. Vivemos a era do conhecimento, em que a informação passou a ser a ferramenta básica da sobrevivência dos indivíduos e das nações. A “Powershift” – mudança do poder – como diagnostica Toffler, o moderno guru da cultura tecnologizada, conduz hoje, em toda parte, as novas relações econômicas, sóciopolíticas e culturais. “O mundo só”, de que falava Wilkie, há mais de meio século, acabou se convertendo no mundo mínimo, que pela ação de computadores e satélites de comunicação se integra, em tempo real, através das informações, que circulam pelo espaço, na forma de bytes, zumbidos e telas luminescentes. Daí a inevitável globalização dos procedimentos econômicos e culturais, que afetam a organização política e social dos povos, além de destruir, ou, pelo menos, tornar obsoletos, procedimentos seculares e crenças tidas por inabaláveis. Abundam nas livrarias obras, que buscam entender e testemunhar o que vem acontecendo, e sua titulação insiste na palavra fim, como se realmente toda uma era estivesse chegando a seu ocaso: fim do emprego, fim dos impérios, fim das verdades absolutas, fim da História, fim das riquezas tangíveis, fim da moeda-papel ou metálica, e predomínio da escritural, fim das soberanias nacionais na ordem política, e assim por diante. Estamos vivendo muitos fins e isso nos trás insegurança e temor. A saída está no conhecimento e na sua correta aplicação para a solução dos nossos problemas.
Adquirir saber e ter capacidade para aplicá-lo no dia a dia, passa a ser o desafio do nosso tempo. Não se trata de uma questão quantitativa como a de ensacar conhecimentos nos cérebros, até porque isso seria não só impossível, como também inútil. Afinal, com o velocíssimo desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido a partir do fim da segunda guerra mundial do século XX, não há mais cérebro humano capaz de conter esse crescente armazenamento de sabedoria global. Se Aristóteles sabia tudo o que se codificou filosófica e cientificamente naqueles remotos anos antes de Cristo em que viveu, não há, hoje, possibilidade de existirem novos Aristóteles.
A questão do acúmulo de saber por pessoa é qualitativa, passa por uma seleção de necessidade e conveniência, ficando o quantitativo armazenado, codificado e classificado nas bibliotecas e, sobretudo, nos computadores. Não é por acaso que o ser humano veio a dispor do recurso da digitalização, cuja ilimitada capacidade de estocagem a transforma em inesgotáveis depósitos universais do conhecimento acumulado. Se esse conhecimento levava séculos para dobrar de volume, hoje demanda apenas meses para acontecer. Não há, pois, como pretender, que a inteligência humana absorva a incalculável massa desse saber em permanente processo de multiplicação. Há, sim, que educar o intelecto de cada indivíduo para, competentemente, ensiná-lo a apossar-se do saber capaz de ampará-lo na luta pela vida e de estimulá-lo na progressividade do seu sucesso. É essa seletividade intelectual que vai caracterizar o homem educado do século 21, ajuda-lo a navegar no mar de mudanças, que o cercará pela vida toda, e ampará-lo para a intensa competitividade a que estará sujeito daqui para frente. E fundamentar novas pedagogias para os sistemas educativos.
E aqui, tocamos no próprio fulcro da crise que, desde sempre, vem acometendo a educação brasileira, de molde a colocá-la entre as menos eficazes do mundo contemporâneo. Nas seguidas avaliações internas e externas, sabe-se que o analfabetismo não decresce para índices razoáveis, se é que existe alguma razoabilidade na fixação de cotas para o analfabetismo, a aprendizagem básica da língua oral e escrita não alcança taxas aceitáveis de sucesso, e milhões de crianças e jovens engrossam a cada ano, a multidão dos chamados analfabetos funcionais, pessoas que passam pela escola e pouco ou nada aprendem. Tem havido, é inegável, ganhos quantitativos nas estatísticas de matricula em todos os graus de ensino. Ocorre que no Brasil esqueceu-se da qualidade, isto é, da capacidade de os jovens escolarizados adquirirem o domínio mínimo de uma cultura geral, que combine a Paidéia com Tecné, bem como da capacitação da mente coletiva para a compreensão das mudanças ocorrentes na civilização moderna e suas repercussões no destino do futuro nacional. Essa é a raiz da crise educacional, que nos engolfou neste túnel sem fim da incapacidade das escolas para bem educar.