Educação brasileira sob o olhar da OCDE
Por Nacim Walter Chieco, Membro da Academia Paulista de Educação.
Em setembro último foi publicado o valioso e aguardado relatório Education at a Glance 2024 (EaG 2024), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esse título foi traduzido para Educação em resumo e Educação em foco. Fico com a sigla EaG 2024. Constitui análise comparativa de indicadores educacionais de 49 países membros e parceiros da OCDE. O Brasil é parceiro convidado e busca qualificar-se para se tornar membro efetivo.
A Folha de S. Paulo, edição de 11 de setembro de 2024, publicou artigo sobre a matéria, assinado por Isabela Palhares. Destaca três sofríveis indicadores do Brasil. A grande maioria dos países teve aumento de gastos públicos em educação entre 2015 e 2021. O Brasil apresenta a segunda maior redução: 2,5%, só superada pela Argentina com redução de 5,2%. A média desse conjunto de países foi de aumento de 2%. Também na segunda pior colocação, o Brasil investe 3.670 dólares anuais por aluno nos anos iniciais do ensino fundamental. A média dos países em análise é de 11.914 dólares por aluno. Outro indicador apresentado em gráfico no artigo, sem comentário, é a remuneração anual inicial dos professores em tempo integral nos anos finais do ensino fundamental. O Brasil remunera seus professores com 23 mil dólares, o quinto mais baixo da relação, diante da média de 43 mil. Tais dados me fizeram lembrar de outras misérias da educação brasileira apontadas pela educadora Maria J. G. Werebe em Grandezas e misérias do ensino no Brasil, publicado em 1963.
Achei que faltava algo no citado artigo sobre investimentos em educação. Fui à Nota do INEP, órgão do MEC provedor de informações à OCDE. Constatei que no gasto médio anual em instituições públicas de 2018 a 2021, o Brasil praticamente estacionou de 3.748 a 3.668 dólares por aluno. A média da OCDE nesse período cresceu de 10.101 a 11.914 dólares. A variação dos gastos públicos educacionais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de 2.015 a 2.021 no Brasil foi de 4,1 a 4,2% enquanto a média da OCDE sofreu queda de 5,0 para 4,4%.
A seguir, consultei o Relatório completo EaG 2024 no site https://www.oecd.org. Os países que mais investem por aluno são Luxemburgo com 26.559 dólares anuais e Suiça com 19.679. O gasto médio em educação dos países da OCDE é de 4,9% do PIB. Duas conclusões: 1ª o Brasil está longe de um investimento decente por aluno; não seria o caso de almejar o status de Luxemburgo, mas ao menos aproximar-se da média da OCDE; 2ª o indicador do percentual do PIB em educação não reflete, necessariamente, a eficiência dos sistemas de ensino.
O Relatório completo é um rico manancial de dados e análises. Focaliza a equidade na educação e descreve as seguintes vertentes: parte A: A produção de instituições educacionais e o impacto da aprendizagem; parte B: Acesso à educação, participação e progressão; parte C: Recursos financeiros investidos em educação; e parte D: Professores, o ambiente de aprendizagem e a organização das escolas. Constitui relevante fonte para estudos acadêmicos de educação comparada e instrumento para formulação de políticas públicas baseadas em evidências.
O olhar da OCDE sobre a educação brasileira não é benevolente. É realista e contundente. Há muito a fazer no combate ao triste quadro de misérias.
Nesta nota meu foco é a dimensão financeira da educação. A esse respeito abro um parênteses para mencionar e homenagear cinco renomados educadores – com os quais estudei, trabalhei e convivi – do prestigioso Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação (EDA) da Faculdade de Educação da USP. Da vasta produção e atuação deles, cito apenas fatos que presenciei e de que participei. São eles:
- José Carlos de Araújo Melchior, fui seu aluno. Em economia da educação, insistia na tecla de que a avaliação do desempenho financeiro dos sistemas públicos de ensino deveria se pautar pela análise das contas e não, como muitos faziam, pelos orçamentos. Contribuiu sobremaneira para a definição legal das despesas públicas de manutenção e desenvolvimento do ensino.
- José Augusto Dias, fui seu aluno. Iniciou o emprego da computação na pesquisa e estudos educacionais. Foi meu parceiro e colaborador nos Conselhos Estadual (CEE) e Municipal (CME) de Educação de São Paulo e na Academia Paulista de Educação (APE).
- Roberto Moreira, parceiro e colaborador no CEE. Em meados da década de 90, trabalhou incansavelmente na definição de despesas públicas de manutenção e desenvolvimento do ensino, baixadas por Deliberação do CEE. Norma essa que passou a nortear os Tribunais de Contas e, em boa medida, influenciou o projeto do Senador Darcy Ribeiro que se tornou a Lei nº 9.394/1996 de diretrizes e bases da educação nacional.
- Jair Militão da Silva, confrade na APE. Organizador da documentação e parceiro designado pelo atual Presidente, Hubert Alquéres, para elaborarmos proposta de reforma do Estatuto da entidade.
- João Gualberto de Carvalho Menezes. Percorreu praticamente todos os postos da docência e da administração educacional no Estado e no Município de São Paulo. Formou inúmeras gerações de educadores. Fui seu parceiro e colaborador no CEE, no CME e na APE. Dos cinco, é o único que continua nos dando lições de vida e de educação.
Aos cinco diletos mestres, parceiros e amigos, meus agradecimentos pelas luzes e pela incansável luta em prol da educação nacional.
Por fim, voltando ao tema inicial, tenho algo a dizer sobre a persistente pretensão de elevar os gastos públicos em educação para 10% do PIB. Meta alardeada e não cumprida no Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 e reiterada no PNE 2024-2034. Trata-se de boa intenção de pouca viabilidade prática.
O sistema brasileiro de financiamento público de educação, após renhida luta política, passou a ser constitucionalmente vinculado, conforme disposto no art. 212 da Constituição Federal (CF). No mínimo, a União é obrigada a aplicar dezoito e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento da receita de impostos em educação. O art. 212-A estabelece uma sub-vinculação por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Em decorrência de tais disposições, há um vasto conjunto de leis e normas de regulação desse sistema. Na prática, tal ordenamento gera um delicado equilíbrio das políticas públicas entre a educação e outras áreas igualmente relevantes, tais como saúde, habitação, mobilidade, segurança e emprego.
Ora, a vã ideia de atrelar o financiamento da educação ao PIB demandaria uma engenharia fantástica de mudanças no sistema atual. Podemos simular algumas hipóteses:
- Alterar a CF, desmontando o sistema em vigor e introduzindo o novo sistema, gradual que seja, de obrigar os entes federativos a aplicar 10% do PIB em educação. Resultaria em praticamente dobrar a aplicação atual. Tal mudança encontraria fortíssimas resistências, principalmente dos Estados e Municípios, pois redundaria em quebra fatal do mencionado equilíbrio. Inadvertida ou sabiamente, essa meta presente nos recentes PNEs não vem acompanhada de proposta de emenda constitucional.
- Manter o sistema atual e obrigar, também por meio de emenda constitucional, os entes federativos a complementar o financiamento da educação até atingir os 10% do PIB. Ocorreriam as mesmas resistências já mencionadas.
- Manter a meta indefinidamente nos PNEs, sem obrigatoriedade e sem penalidade pelo descumprimento. Continuará sendo, impavidamente, “letra morta”.
O desejado avanço no investimento por aluno poderia acontecer pela combinação de duas variáveis: crescimento econômico com consequente aumento da arrecadação de impostos e política pública estável de gradual e continua superação dos mínimos constitucionais. Não basta, porém, investir mais em educação sem garantia de resultados de melhoria permanente da aprendizagem para toda a população escolar.
Resta observar que a relação de gastos em educação e PIB precisa ser contextualizada e, sobretudo, acompanhada dos indicadores de investimento por aluno e de remuneração de professores. Cada indicador precisa ser escrutinado de forma a revelar quanto, de fato, chega às salas de aula, aos professores e aos alunos.
Não me canso de dizer que as mudanças curriculares, conquanto necessárias e oportunas, requerem constantes e vigorosas ações de melhoria das bases humanas, físicas e tecnológicas das redes de ensino, associadas a estratégias de apoio aos alunos. Tudo para assegurar o acesso, a permanência e a conclusão de estudos escolares na idade apropriada.