Discurso de Saudação à Acadêmica Rachel Gevertz
DISCURSO DE SAUDAÇÃO À ACADÊMICA TITULAR
RACHEL GEVERTZ
8/10/2004
Foi com muito prazer que recebi a incumbência de saudar, em nome da Academia Paulista de Educação, a Professora Rachel Gevertz, que hoje toma posse da cadeira nº 29 desta Instituição. Não somente por razões de amizade, mas porque, desde que eu a conheci – e isso faz muito tempo -, algumas características da personalidade de Rachel Gevertz, me impressionaram. Refiro-me, pelo menos, a três dessas qualidades que a tornam uma pessoa muito especial. São as seguintes:
– um entusiasmo sem limites pelo ensino de ciências, baseado num sério discernimento de seus valores éticos e sociais;
– uma audácia intelectual que a levou a inúmeras iniciativas inovadoras, pelas quais lutou sem trégua;
– a coragem para enfrentar dificuldades e levar avante seus propósitos.
Essas condições se revelam em seu longo currículo. Seria, no entanto, impossível, nas circunstâncias, enumerar todos os seus itens, motivo pelo qual prefiro reunir, dentro de alguns tópicos, as atividades que considero os principais marcos de sua trajetória intelectual.
Destaco, em primeiro lugar, o processo de autoformação de uma cientista, que após os cursos de graduação realizados no Brasil, procura e obtém aperfeiçoamento e ampliação do campo em cursos realizados no exterior, especialmente Estados Unidos e França. Vai se revelando, nessa expansão, o projeto de multiplicar seu cabedal científico, ensinando e preparando professores, e assim indo alem das atividades de pesquisa. O Mestrado em Harvard prolonga-se em cursos avançados cumpridos em outras universidades americanas, e a estadia em Sèvres, onde eram feitas experiências educacionais de vanguarda nas ”classes nouvelles“ francesas, revela seu interesse por um ensino mais afinado à qualidade da cultura científica que procura difundir.
Outros estudos especializados foram realizados no Brasil, em nível de pós-graduação abrindo novos campos de pesquisa, ao mesmo tempo em que a professora continua redirecionando as ideias vigentes no ensino de ciências.
Ampliando constantemente seu conhecimento em diversas direções do pensamento científico, nossa homenageada revela uma notável coerência intelectual, como se verá, em seguida. Pois, na verdade, há no trabalho da Rachel uma centração de propósitos, que me pareceu proveniente da intenção de valorizar a divulgação adequada de uma cultura científica , já que esta se torna cada vez mais decisiva para os destinos do país e de seus cidadãos. Por outro lado, coloca-se ao lado daqueles que entendem ser o desenvolvimento científico importante para o país, como fator de desenvolvimento tecnológico e de progresso industrial, agrícola e comercial, considerando-o também fator de bem-estar coletivo e individual, contribuindo para o alcance de valores, não só culturais mas éticos. Todos esses aspectos só podem ser alcançados, repito, pela divulgação adequada de uma cultura científica, e entende-se que tal adequação abrange não só o conteúdo ministrado, mas os meios e modos de fazê-lo accessível aos jovens, num esforço educativo visando desenvolver neles as qualidades intelectuais e morais que o trabalho científico exige, tais como a honestidade na investigação, a persistência, a inteligência lógica, o respeito à vida em todas as suas modalidades, aí incluída a preservação da natureza.
Sendo muitos os desafios do mundo atual, Rachel dedicou-se a tirar os cientistas de sua torre de marfim, fazê-los conhecidos das crianças, adolescentes e jovens e conseguir que voltassem os olhos para eles.
Assim a encontramos lecionando em escolas que hoje diríamos de nível fundamental e médio, pois foi professora por concurso do ensino oficial do Estado, ao mesmo tempo em que iniciava sua participação nos grupos que promoviam uma renovação do ensino científico. Logo foi chamada ao ensino superior, na Universidade de São Paulo e Universidade Mackenzie, distinguindo-se em sua tarefa de formação de professores de ciências.
Onde se situava um grupo renovador e divulgador, um grupo pioneiro, desbravador de novas metodologias, novos materiais, diferentes modalidades de organização do tempo, do espaço ou do material, aí estava Rachel, criando , discutindo, participando, em suma, realizando. Foram múltiplas essas atividades, das quais só posso selecionar algumas.
Destaco, especialmente, sua atuação como coordenadora do CECINE, centro de ensino de ciências do Nordeste, sediado em Recife, entidade irmã daquela na qual tive o prazer de participar, em São Paulo, o CECISP. Os chamados CECIS, que foram ao todo seis, distribuídos em diferentes regiões do Brasil, davam relevo ao aperfeiçoamento de professores de ciências, por meio de cursos, estágios e produção de material didático, com muita ênfase na participação ativa dos alunos-mestres.
Outra instituição, à qual Rachel emprestou sua colaboração docente foi o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, em sua unidade de São Paulo. O IBECC, fundado nos anos de após segunda guerra, produziu livros e material de laboratório, contando com a colaboração da Universidade de São Paulo e de organizações internacionais. Sua mais conhecida iniciativa foi o concurso Cientistas de Amanhã. Não se pode esquecer, quanto a essa iniciativa marcante, a atuação inspiradora do professor Isaias Raw.
Além dessas, outras instituições contaram com a dedicação de Rachel. Por exemplo, o CENAFOR, a TV universitária de Pernambuco, o projeto Telescola da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, o Laboratório de Informática e Educação da FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), da Secretaria da Educação de São Paulo e muitas outras.
Talvez a mais original de todas essas frentes de batalha no campo da educação científica de que participou a cientista e professora Rachel, seja a Estação Ciência, instituição que me impressionou por sua amplitude e pela diversidade de modos pelos quais captava a atenção dos jovens e fazia convergir suas atividades, em diferentes setores da pesquisa e das aplicações práticas das ciências.
Fiquei fascinada com a visão de uma fecunda convivência entre as diferentes ciências, harmonicamente entrosadas e a vida cotidiana. Rachel foi chefe do Departamento de Educação Científica dessa instituição, que tive o privilégio de conhecer- a seu convite – desde os seus primórdios, quando foi instalada nos grandes galpões da Rua Guaicurus, no bairro da Lapa. O imóvel foi cedido pelo Governo do Estado em 1986, ao CNPq, então sob a presidência de nosso confrade, o Acadêmico Crodowaldo Pavan, e, posteriormente, sua administração foi assumida pela USP. Consta que o nome revela a ideia de viagens ao mundo científico, constantemente renovado pela pesquisa. As viagens, segundo me lembro, assumem a forma de exposições, oficinas, explorações, experimentos, eventos, e cursos, entre outras inventivas maneiras de fazer crianças e jovens viverem a ciência.
Continuando este breve sumário de um notável percurso intelectual, lembro que muitas foram as distinções que Rachel recebeu, desde quando foi eleita representante dos 10.000 alunos estrangeiros de Harvard. Recebeu medalhas de Honra ao Mérito, entre elas as do Instituto Mackensie e da Fundação Joaquim Nabuco de Recife. Mereceu ainda, a honrosa homenagem do Projeto Rondon, tornando-se membro da Ordem do Mérito Rondonmack.
Entre as diversas publicações que divulgam suas pesquisas e reflexões, dirigidas a alunos e professores, encontram-se obras sobre Educação, Ecologia e Ciências. Gosto especialmente do livro intitulado “Como Ensinar Ciências”, escrito em colaboração com os professores Frota Pessoa e Gonçalves da Silva, no qual os aspectos teóricos dialogam com propostas práticas e discussões provocantes.
Enfrentou também a difícil tarefa de tradução e adaptação, ao estudante brasileiro, de material vindo de grupos de pesquisa estrangeiros
*********
Como disse, não me cumpre, nas circunstâncias, demorar mais sobre o currículo brilhante da Acadêmica Rachel Gevertz. Para finalizar, entretanto, peço licença para me referir a problemas que vem preocupando professores e alunos.
Trata-se da expansão da ciência nos meios de comunicação. Abrimos o jornal ou algumas revistas, e vemos que muitas dessas publicações têm secções ou artigos nos quais são discutidos temas científicos, novas descobertas, sobretudo as mais sensacionais. No momento, clonagem, desequilíbrio ambiental, problemas de genética, doenças e epidemias, arqueologia e viagens ao espaço, o cérebro humano e o de animais, biotecnologia, nanotecnologia e muito mais.
Essas informações não podem ser ignoradas pelo professor de Ciências, deixando seus alunos sem apoio. Mas para trazer tais temas à sala de aula e orientar critica e discussão, o professor necessita de uma contínua reciclagem, de um contacto constante com as fontes da investigação e de circulação do saber. Reconhecer que o preparo de professores é um processo permanente, acreditar que necessitam da renovação contínua de seu capital de conhecimentos e dar-lhes os meios de alcançar essa constante reciclagem, é um dos aspectos mais notáveis da atuação de Rachel, que , como se viu, assume múltiplas formas.
Por outro lado, transparece dos trabalhos de nossa nova acadêmica, a sua sintonia com as necessidades do ensino científico, em sua relação com as necessidades da sociedade. Ora, no mundo atual temos um duplo desafio. De um lado as epidemias, as novas doenças, as guerras sem fim, a miséria e a fome. Por outro lado, avanços tecnológicos nunca vistos, seja na área das comunicações e dos transportes, que ultrapassam o âmbito do nosso planeta, seja na das maquinas extraordinárias, para a produção de bens, revolucionando a técnica. É necessário que as novas gerações estejam preparadas para assumir riscos e atender desafios, fazendo valer a ciência para a resolução de seus problemas sociais, e para o fomento da paz entre os homens e as nações. O mundo precisa, sobretudo, de pessoas e países capazes de compreensão, capazes de entender-se e de colaborar. Para tanto é preciso pensar conjuntamente nas sociedades humanas e na ciência que produzem, e fazer com que esta seja analisada em termos dos resultados sociais de suas aplicações. Estes são problemas máximos no campo da educação, hoje.
Sabendo do entusiasmo, da audácia e da coragem da Rachel, tenho certeza que sua presença enriquece a Academia Paulista de Educação, e vem trazer novos reforços à batalha, nunca concluída, pelo aperfeiçoamento da educação em nosso país.
Receba, Rachel, nosso caloroso abraço de boas vindas.
Amélia Domingues de Castro