Discurso de Posse do Acadêmico Reinaldo Polito.
Discurso de Posse do Acadêmico
REINALDO POLITO
24/6/2004
Dr. João Gualberto de Carvalho Meneses – Presidente da Academia Paulista de Educação.
Senhores acadêmicos
Senhoras e Senhores
De todas as honras que já recebi, ser eleito para participar de uma academia composta por personalidades tão importantes no campo da educação paulista e brasileira talvez seja a maior e a mais imerecida. E não uso essas palavras como modéstia retórica apenas com o objetivo de conquistar a benevolência dos ouvintes. Se analisarmos a vida de cada um dos acadêmicos e de seus antecessores dedicada à educação, será fácil deduzir que minha chegada a esta academia se deve principalmente à bondade, à amizade e à generosidade dos meus novos colegas acadêmicos, que levaram em conta, provavelmente, muito mais a crença que vislumbram no meu potencial de realizações do que nos meus feitos na área educacional.
Se tenho consciência desses motivos que me trouxeram a esta casa, que leviandade é essa que me cega de orgulho e me deixa envolver pela vaidade de ser puxado por mãos tão generosas? Que fraqueza de espírito é essa que me acovarda, me aprisiona e me impede de recusar um convite tão amável e carinhoso?
Ao conhecer a biografia de cada um dos meus novos colegas acadêmicos, de um fato posso me assegurar: nenhum deles pode ser acusado de ingenuidade. Se é certo de que não são ingênuos, é evidente também que nada fariam para macular a imagem de uma academia pela qual têm tanto apreço, tanto amor e tanta consideração. Por isso, quero acreditar que minha suposição de que possuem crença no meu potencial de realizações seja verdadeira. Assim, ao aceitar esse convite tão honroso e que fala tão alto ao meu coração, assumo comigo mesmo e com todos os membros desta academia o compromisso de trabalhar e me dedicar à causa da educação de São Paulo e do Brasil.
Ao nos depararmos com os resultados dos últimos estudos realizados pelo MEC, nos conscientizamos de que, na história brasileira, a educação nunca esteve tão combalida nem precisou tanto de ajuda como nos dias atuais. Só como exemplo, basta dizer que os alunos frequentadores das escolas públicas e privadas que estão cursando a 4ª série não sabem interpretar textos, e que ao concluírem o curso somente 7% possuem conhecimento aceitável de matemática. Por isso, em vez de apenas nos envergonharmos e criticarmos, precisamos perguntar qual é a nossa participação nesse resultado deplorável e que atitudes podemos tomar para que as próximas gerações possam usufruir melhores condições educacionais. Se à primeira vista essa incumbência que me imponho parece ser pretensiosa e um fardo pesado para minhas forças e competência, para não me abater refugio-me nas palavras de Terêncio: “Eu sou homem e nada do que é humano me é estranho”. Agradeço, portanto, a todos os acadêmicos, indistintamente, por me receberem nesta casa e pela oportunidade que me oferecem de realizar um sonho que jamais tive e de receber uma honraria que nunca ousei aspirar.
Entro para esta Academia para ocupar a cadeira número 3, que tem por patrono o maestro Fabiano Rodrigues Lozano, por primeira titular a Professora Mathilde Brasiliense de Almeida Bessa e por último ocupante, a quem sucedo, o Padre Hélio Abranches Viotti.
Antes de falar sobre o patrono e de cada um dos ocupantes desta cadeira, gostaria de destacar alguns acadêmicos que conheci e que foram os responsáveis para que eu estivesse hoje aqui.
Oswaldo Melantonio
Agradeço especialmente o padrinho desta causa, o maior e mais importante professor que tive em toda a minha vida, Oswaldo Melantonio. Permitam-me falar um pouco desse professor que influenciou minha vida e que foi o responsável pela minha carreira profissional. Foi ele quem me ensinou a falar em público e também quem me ensinou a ensinar. Meu encontro com o querido mestre ocorreu por acaso em meados da década de 70. Julgo ser oportuno reproduzir alguns trechos do que escrevi no meu livro “Fale muito melhor” a respeito desse nosso encontro e da nossa convivência:
Naquela época eu tinha um amigo que era extremamente tímido – ficava ruborizado só pelo fato de ser apresentado a alguém. Ele sofria muito por ser assim e me confidenciou que gostaria de mudar, de ser diferente, mais desembaraçado e comunicativo.
Soube por intermédio do Rogério Pecoli que na Rua Bela Cintra , em São Paulo, havia o Curso de Comunicação Verbal do Professor Oswaldo Melantonio. Eu nunca ouvira falar desse tal professor nem no seu curso, mas disse-me o Rogério que ele era muito competente e que poderia ajudar o meu amigo a combater a timidez.
Uma quarta-feira à noite fomos assistir a uma aula de apresentação do curso para saber qual era a proposta do professor. Meu amigo gostou da aula, mas não teve coragem de continuar. Entretanto, eu, que não tinha a mínima intenção de participar de um curso que ensinava a falar em público, fiquei maravilhado com o que presenciei. Nunca na minha vida vira nada igual.
Naquela noite não conseguia dormir, ficava repassando mentalmente cada detalhe daquela experiência – os temas que foram abordados, a atmosfera daquela sala de aula tão simples, mas ao mesmo tempo tão envolvente, a inteligência, a cultura, a competência e o carisma daquele professor desconhecido para mim.
Foi uma noite que mudou minha vida. Durante muitos anos frequentei aquela escola como aluno, depois como assistente e posteriormente como professor do curso.
Quando penso no Professor Oswaldo Melantonio, a primeira imagem que me vem à cabeça é a da sua figura sorridente, esfregando as mãos ao entrar pela porta da frente da sala de aula. Barba sempre benfeita, terno impecavelmente passado, camisa branca de colarinho engomado, sapatos lustrosos e bochechas rosadas, reluzentes. Diante da sua figura, ninguém mais continuava falando: os alunos emudeciam em uma espécie de reverência àquele que tanto admiravam.
Sua figura sempre foi eloquente, e às vezes chego a pensar que muito desse magnetismo é produzido pelas suas bochechas rosadas, que sobressaem e dão mais vida ainda à sua expressiva fisionomia. Posso afirmar que o Professor Melantonio é eloquente o tempo todo – desde os momentos de maior arrebatamento, quando os temas viajam entre a história, a política e a filosofia, passando pelos momentos mais plácidos (se é que placidez alguma vez esteve presente no seu comportamento), até os instantes em que fica em silêncio, apenas querendo ouvir e observar.
Mário Gonçalves Viana diz em sua obra A arte de falar em público que “eloquência é a arte de falar com alma e com beleza, é a arte de expor com vivacidade e com justeza”.
Esse é um traço marcante do Professor Oswaldo Melantonio. Se falar com alma significa falar com as palavras que saem das profundezas do ser, como se a vida dependesse daquela mensagem, ele se expressa com alma; se falar com beleza pressupõe a linguagem correta, sem afetação, usando naturalmente o estilo elevado, ele fala com beleza; e, se expor com vivacidade e com justeza define a comunicação envolvente, disposta, energizada e ao mesmo tempo própria, pertinente e reta de princípios, ele se comunica com vivacidade e justeza.
Mas o mestre não é eloquente apenas por esses aspectos, pois quando fala, é possível ver o quadro que está em sua mente. Pascal, também citado nessa obra de Viana, afirma que “a eloquência é a pintura do pensamento”.
Quando o Professor Melantonio, por exemplo, toca em temas políticos, que é uma de suas paixões, e descreve um debate de Carlos Lacerda, suas palavras e gestos dão contornos tão precisos à cena que os ouvintes têm a impressão de que estão sendo transportados para o local da discussão.
Mais dois conceitos ajudam, pelo menos em parte, a compreender a eloquência deste que foi o maior professor de comunicação verbal nos 50 anos em que esteve atuando. Um é o de La Bruyère, que defende ser a “a eloquência o dom que nos torna senhores do coração e do espírito dos outros”; o outro é o de Barboux, que argumenta que “a eloquência é um produto maravilhoso da cultura” e esclarece: “As belas letras, a história e a filosofia são materiais que o orador acumula para futuros discursos”.
Quanto a ter o dom para se tornar o senhor do coração e do espírito dos outros, estas minhas palavras hoje aqui nesta solenidade é uma prova do poder do mestre, pois agora, após quase 30 anos daquele nosso primeiro encontro, estou falando com reverência dessa pessoa que me inspirou tanto. Já Barboux parece ter assistido às suas aulas para fazer esse comentário, pois, além de ser excelente professor de história e escritor destacado, o Professor Melantonio é um apaixonado pela filosofia e, quando fala, toda essa cultura faz seu discurso se impregnar de citações, ilustrações e exemplos, nascidos no momento, diante dos ouvintes maravilhados com seu conhecimento.
Passei muitos anos ouvindo o Professor Melantonio falar como professor de sempre e como amigo, e nunca o vi tratar de um tema pelo qual não estivesse apaixonado. Fala com paixão da esposa Margot, dos quatro filhos, dos netos, dos pais já falecidos, dos alunos, do Corinthians, do socialismo, da maçonaria, da Academia Paulista de Educação e de sua inseparável amante, a oratória.
Nascido em São Paulo, neto de italianos e portugueses, dedicou a vida à educação, lecionando e dirigindo escolas primárias, secundárias e superiores. Entre suas múltiplas atividades foi jornalista, escritor, radialista e produtor de TV. Possui extensa e eclética formação em diferentes áreas, como História, Direito e Filosofia. Escritor renomado e autor principalmente de obras paradidáticas. Ainda nos idos dos anos 1970 tive a oportunidade de comparecer ao lançamento do seu livro Da necessidade do General Rui Barbosa, e ainda hoje guardo na memória o maior sucesso de público em noite de autógrafos que já presenciei, com as pessoas lotando todas as dependências da União Brasileira de Escritores.
Para ler seu currículo completo talvez uma outra seção como esta não seria suficiente. Portanto, vou apenas me referir rapidamente a alguns de seus feitos:
Foi Presidente da União Cultural Latino-americana, com sede no México. Lecionou História das Américas na Universidade de Havana. Foi Diretor da União Brasileira dos Escritores e do Sindicato de Escritores do Estado de São Paulo. Foi Presidente do Sindicato e da Federação dos Professores do Estado de São Paulo e Fundador da Academia Paulista de Educação.
Professor Melantonio, muito obrigado pela maneira gentil com que sempre me tratou, pela amizade sincera que me dedica há tantos anos, por ter me ensinado, por ter prefaciado a edição internacional do meu livro e por me trazer a esta Academia.
Sólon Borges dos Reis
No início dos anos 80 comentei com meu saudoso amigo Fernando Mauro Pires Rocha, líder do PTB em São Paulo, que iria convidar o Professor Sólon Borges dos Reis para ser o paraninfo das nossas turmas do Curso de Expressão Verbal. O experiente médico abriu um sorriso de alegria e me disse: Polito, você vai conquistar um amigo eterno. A partir daquele nosso primeiro encontro o Professor Sólon participou de inúmeras solenidades em nossa escola, ora como paraninfo das turmas, ora como convidado de honra. Em todos esses momentos de convivência, nos seus memoráveis discursos, comportou-se sempre como educador excepcional, deixando aos nossos alunos, professores e convidados mensagens importantes para a formação e a orientação de vida de cada um deles.
Falar do Professor Sólon Borges dos Reis é falar da história política e da educação do nosso país. Só para compreendermos sua importância na vida brasileira, basta citar alguns de seus feitos:
Foi Vice-Prefeito de São Paulo de 1994 a 1997, exercendo o cargo de Prefeito de 13 de abril a 07 de maio de 1995, em substituição ao titular;Eleito cinco vezes seguidas deputado estadual de 1959 a 1979;Exerceu três mandatos como deputado federal;Foi secretário de educação no Governo Carvalho Pinto;
Ocupou o cargo de Diretor Geral do Departamento de Educação no Governo Jânio Quadros;Foi Presidente do Centro do Professorado Paulista de 1957 a 1997;
Foi Presidente da Academia Paulista de Educação de 1998 a 2002;Participou da redação final da Constituição de 1988.
Portanto, dizer que conheço o Professor Sólon Borges dos Reis há tantos anos, que me considero seu amigo e que agora passo a ser seu colega nesta Academia é uma grande honra e um enorme privilégio. E como sei que ele foi um dos mais obstinados advogados para minha entrada nesta casa, quero mais uma vez agradecer o prestígio que sempre me conferiu.
João Gualberto de Carvalho Meneses
Na última Bienal do Livro em São Paulo me encontrei com o Doutor João Gualberto no estande da Editora Saraiva. Como meu nome já havia sido aprovado para participar desta Academia, nos cumprimentamos como velhos companheiros, embora fosse a primeira vez que nos encontrássemos e conversássemos pessoalmente.
Depois de algum tempo, com a voz firme de quem dirige uma entidade importante e, ao mesmo tempo, com a suavidade de um amigo que pede ajuda e companheirismo, ele me disse: Polito, conto muito com sua ajuda na Academia. Semanas atrás, quando participamos de uma reunião aqui mesmo no prédio do Centro do Professorado Paulista, para marcarmos a data e os detalhes para minha posse, ao me acompanhar gentilmente até o elevador, voltou a fazer o mesmo comentário. Mais recentemente, quando conversamos novamente pelo telefone para tratarmos desta solenidade, pouco antes de desligar suas palavras foram as mesmas. E acrescentou dizendo que tinha certeza de que eu contribuiria muito para o desenvolvimento da Academia.
O que dizer a um homem que foi Secretário de Educação de São Paulo, preside esta importante instituição, atua como professor na Universidade de São Paulo, é autor de relevantes obras na área da educação e gentilmente revela contar com minha colaboração? Só posso dar uma única e rápida resposta: Presidente, conte sempre comigo. Farei tudo para corresponder a sua expectativa.
Academia Paulista de Educação
A fundação da Academia Paulista de Educação ocorreu na mesma época em que cheguei à Capital, vindo de Araraquara no interior deste Estado. Nessa época, princípio dos anos 70, eu era apenas um jovem que lutava para estudar e trabalhar nesta cidade tão desafiadora. Enquanto dava os primeiros passos profissionais durante o dia, à noite empenhava-me para aprender na Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo.
Nunca podia supor que nesse mesmo período um grupo de experientes educadores se reuniam para se dedicar à causa da educação. Sem nos conhecermos, crescemos juntos nesta cidade, a Academia com suas realizações e eu com minhas conquistas acadêmicas e profissionais. Hoje, maduros, nos encontramos. Eu, para participar com outros acadêmicos, homens e mulheres, todos educadores que se dedicaram e se dedicam à liderança, à administração do ensino, ou a esse verdadeiro sacerdócio do magistério.
A Academia, para cumprir seu papel perene de encontrar caminhos e soluções para as questões educacionais, mostrar às novas gerações quem foram esses educadores e qual o trabalho que realizaram em benefício da educação.
No discurso de saudação ao Padre Hélio Abranches Viotti, o Professor Antônio D’Ávila fez um verdadeiro desabafo em favor dos educadores, ao mesmo tempo em que destacava este importante objetivo da Academia: “A um só tempo, visa a Academia ao culto do passado de nossa escola, na memoração das figuras e fatos que urdiram a trama de nosso renome nos campos da educação e do ensino.
Atentemos aqui para uma triste realidade. Por um desses estranhos paradoxos que se insinuaram em nossos tempos, de querer anular a presença do passado no presente, pouco se tem cuidado da história da nossa educação. E não será exagero afirmar que os grandes educadores falecidos ficam definitivamente mortos na memória das gerações, apenas lembrados quando seus nomes se gravam na fachada dos edifícios escolares, o que lhes assegura relativa e incerta popularidade. O mais, o que viveram, o que escreveram, o que idealizaram e executaram, as reformas que levaram a cabo, tudo se esquece, se apaga e se dilui no tumulto das preocupações de hoje “. Observemos que essas palavras foram proferidas em 1976, há quase 30 anos.
Hoje, a situação está ainda muito mais agravada com a sociedade sendo idealizada em bases efêmeras, ou descartáveis, como diz Alvin Tofler.
Mantenho uma coluna semanal na Tribuna Impressa de Araraquara. É uma boa forma de manter contato com meus conterrâneos da nova e das velhas gerações. De vez em quando escrevo sobre histórias dos nossos antigos professores. Conto como eram suas aulas, comento sobre suas características e idiossincrasias. Os alunos dos velhos mestres me telefonam, me escrevem, e falam da emoção que sentiram ao recordar as histórias narradas nos meus textos.
Era uma época em que os professores tinham identidade, importância cultural e projeção social. Infelizmente hoje os alunos, talvez na maioria dos casos, já não sabem mais quem são seus professores e os descartam da memória como se fossem embalagens de produtos usados.
Embora já se prenunciasse na época em que a Academia foi concebida a necessidade de uma educação permanente, hoje não se admite mais que uma pessoa interrompa seu processo educacional, sob o risco de perecer no mercado de trabalho e se frustrar na busca de suas realizações pessoais. Paulo Freire, na sua obra Educação e mudança, afirma: “a educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados. Estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não são absolutos. O homem, por ser inacabado, incompleto, não sabe de maneira absoluta. Somente Deus sabe de maneira absoluta”.
Talvez esse seja um papel importante desta Academia, entender e debater novas necessidades de educar; aproveitar a experiência desses educadores excepcionais que compõem seu quadro e mostrar à sociedade como a educação permanente deve estar presente na vida de todos nós.
O patrono e a primeira ocupante da cadeira número 3
O patrono da cadeira número 3 da Academia Paulista de Educação é o Maestro Fabiano Rodrigues Lozano, considerado um dos maiores expoentes da interpretação do canto orfeônico da história brasileira. O Maestro exerceu suas atividades por longos 45 anos, sendo ovacionado em todos os cantos do país e no exterior. Por isso, ao ocupar esta cadeira e analisar a vida desse patrono tão ilustre, constato que, ao menos na música, estamos em posições totalmente opostas. Confesso que não tenho nenhuma aptidão musical. Não que nunca tivesse tentado. A banda do Colégio São Bento de Araraquara era excepcional, tanto que vivia vencendo concursos em todo território brasileiro. Tocar nessa banda era o sonho de quase todos os jovens araraquarenses, inclusive o meu.
Certa vez procurei o maestro responsável pela banda para ver se eu poderia tocar qualquer instrumento. Depois de uma rápida avaliação inicial ele concluiu que como eu não tocava pífaro, nem flauta escocesa e nenhum dos inúmeros instrumentos usados pela banda, como espécie de prêmio de consolação me disse que o ideal para mim seria tocar pratos. Como era a única chance de eu participar da banda, aceitei. Depois de uma semana de ensaios eu ainda não sabia bem como agir. Ficava de olho no companheiro que se postava ao meu lado, e toda vez que ele levantava o braço para bater os pratos eu o acompanhava. Mesmo que às vezes o resultado não fosse tão bom, não importava muito, pois eram só ensaios. Ocorre que naquela mesma semana a banda participou da inauguração de um viaduto e a cidade toda estava lá para comemorar.
Com receio de passar vexame, redobrei minha observação em cima dos movimentos do meu companheiro tocador de pratos. Quando estávamos bem em frente às autoridades ele levantou o braço e eu o acompanhei como uma sombra. Entretanto, para minha surpresa, desta vez ele apenas queria coçar a cabeça. Só se ouviu o barulho ensurdecedor dos meus pratos e as gargalhadas dos colegas de banda e de toda população presente àquele evento. O único que não gostou da história foi o Maestro, que gentilmente me convidou a me retirar do grupo. Durou pouco, portanto, minha experiência como intérprete musical. Mas, nem tudo foi assim tão diferente na nossa vida. Ao estudar sua biografia descobri uma feliz coincidência. No momento em que meu livro Como falar corretamente e sem inibições está sendo publicado na Espanha, descubro que o Maestro Fabiano Rodrigues Lozano é de origem espanhola, tendo nascido naquele país em 1886. Foi também no Real Conservatório de Madrid que o Maestro, com apenas 22 anos de idade, aprimorou seus estudos musicais. E como se fosse uma prova da teoria da sincronicidade jungiana, há pouco mais de um ano precisei escolher uma cidade do interior de São Paulo para desenvolver uma campanha de divulgação da nossa Escola de Expressão Verbal. Como sempre fui muito bem recebido na cidade de Piracicaba, onde ministrei cursos a diversas empresas, decidi pela “Noiva da Colina”. Verifico agora, que depois de completar seus estudos musicais em Madrid, ao retornar ao Brasil, o Maestro atuou como professor de música na Escola Normal de Piracicaba durante 16 anos, de 1914 a 1930, a mesma escola onde havia concluído o Curso Normal.
Com seu trabalho competente em São Paulo chefiou o Serviço de Música e Canto Coral do Departamento de Educação do Estado, e em Pernambuco atuou como orientador do ensino da música e do canto coral nas escolas públicas do Estado. Entre as dezenas de obras que publicou a mais conhecida é Alegria nas Escolas, uma inspirada coletânea de 123 melodias, introduzida por uma apresentação de 16 páginas, explicando o funcionamento do seu método para orientar as noções iniciais no ensino da música, que atingiu mais de 50 edições.
Organizou importantes grupos que conquistaram extraordinário sucesso.
Entre eles estão a Orquestra Piracicabana, a Sociedade de Cultura Artística de Piracicaba e o Centro de Folclore.Um ano antes de se aposentar o maestro elaborou um de seus projetos mais importantes, o Orfeão do Professorado Paulista. Era um plano ambicioso, pois contava com a participação de professores rigorosamente selecionados por concurso. Os aprovados ficavam à disposição do departamento que chefiava. Pouco antes de se retirar da vida ativa, no dia 13 de novembro de 1952, viu seu sonho definitivamente realizado ao reger a primeira audição pública. A exibição foi coroada de êxito, como espécie de homenagem à sua obstinada dedicação.
O trabalho do Maestro foi reconhecido pelos excelentes trabalhos e iniciativa musical dedicados às escolas, Fabiano Rodrigues Lozano foi agraciado com o título de Servidor Emérito, concedido pelo Governo do Estado em 30 de abril de 1964. Os argumentos que justificaram essa distinção mencionam “brilhante obra desenvolvida em seus longos anos de labuta em prol da iniciativa musical em nossas escolas”; e o caracterizam como “um exemplo de dedicação e competência pela sua vida sempre voltada à prática do trabalho educativo”. Essas palavras definem com justiça seu brilhante desempenho como músico e educador.
Mesmo depois de ter se aposentado, em 12 de junho de 1953, continuou exercendo suas atividades à frente do Orfeão participando de inúmeros eventos importantes na capital e no interior do estado.
Jamais nos esqueceremos da obra desse extraordinário maestro, que vindo da Espanha, radicou-se em Piracicaba, no interior de São Paulo e se projetou com sua música por todo o Brasil. Entre suas principais composições orfeônicas estão musicas da qualidade de Bandinha da Roça, Sabiá da Mata e Cascata de risos.
Fabiano Rodrigues Lozano faleceu muito cedo, aos sessenta e nove anos, no mês de abril de 1955. Para homenageá-lo, o grupo escolar de Vila Mariana passou a ter o seu nome “Maestro Fabiano Rodrigues Lozano”. Ele é o patrono da cadeira número 3 desta Academia Paulista de Educação, que foi ocupada por nomes que dignificaram sua memória.
Mathilde Brasiliense de Almeida Bessa
A Professora Mathilde Brasiliense de Almeida Bessa foi a primeira ocupante da cadeira número 3 desta Academia. Também piracicabana, foi aluna do Maestro Fabiano Rodrigues Lozano, que teve influência determinante na sua carreira profissional. Assim, ao participar da fundação da academia foi natural que escolhesse o querido mestre como patrono da cadeira que ocupou.
Sua atividade como professora voltou-se principalmente à pedagogia e à psicologia aplicadas ao ensino da música.
Sua vida, antes e depois de se aposentar, foi dedicada à música. Ou seja, uma existência inteira a serviço de uma arte que influenciaria muitas gerações de jovens estudantes.
Os estudos de Mathilde Brasiliense estiveram sempre no campo da educação. Em 1918 formou-se como professora pela Escola Normal de Piracicaba. Era uma turma numerosa, com setenta e nove alunas, que seriam responsáveis pela educação escolar de muitos brasileiros. A exemplo do nosso patrono, Mathilde Brasiliense também se dedicou a elaborar programas de ensino musical, conquistando reconhecimento justo por suas realizações. Graças a sua contribuição, o Conselho de Orientação Artística do Estado de São Paulo confeccionou o Programa de Pedagogia Musical, que foi adotado pelos estabelecimentos de ensino artístico e serviu de guia de aprendizado e inspiração a muitas gerações de jovens estudantes.
Após 34 anos dedicados à educação aposentou-se do magistério oficial em 15 de agosto de 1956.
Mathilde Brasiliense teve sólida formação cultural, licenciando-se pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Entre as matérias que lecionou em diversas escolas públicas e particulares, na Capital e no Interior, destaca-se Metodologia da Educação. Todo o conhecimento que acumulou ao longo de sua carreira profissional pôde ser utilizado também como diretora de algumas escolas, onde pôde pôr em prática sua iniciativa e sua capacidade de realização.
Mulher corajosa, teve participação heroica, como enfermeira, nas cidades de Cruzeiro e Guaratinguetá, onde se localizava o setor norte da Revolução de 32. Com a família empenhada nas causas revolucionárias, seu esposo, Emilio de Almeida Bessa, caiu ferido por uma rajada de metralhadora, na Praça da República em 23 de maio de 1932.
Por todos os seus feitos, Mathilde Brasiliense foi condecorada com a medalha e o diploma da “Constituição”, outorgados pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.São esses alguns poucos detalhes da vida da Professora Mathilde Brasiliense de Almeida Bessa que demonstram como ela honrou e deixou marcas de exemplo e de realizações por onde passou.
Hélio Abranches Viotti
Meu antecessor na cadeira número 3 nesta Academia foi o Padre Hélio Abranches Viotti, uma das personagens mais extraordinárias da história de São Paulo e do Brasil.Há poucos dias, voltando de uma palestra que proferi em Joinville, no Estado de Santa Catarina, encontrei-me no aeroporto com o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Como eu estava com a preocupação de elaborar este discurso de posse, perguntei-lhe se conhecera o Padre Viotti. Sua resposta veio firme em apenas três palavras, que talvez definam toda a trajetória de vida do meu antecessor nesta Academia: uma pessoa maravilhosa!
As palavras do Cardeal foram pronunciadas com a autoridade de quem possui profundo conhecimento da afirmação que fez, pois o Padre Viotti foi Diretor do Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo e atuou como seu secretário por mais de 10 anos.
Nascido em São Paulo, a 15 de outubro de 1906, veio a falecer aos 94 anos de idade, no dia 28 de novembro de 2000, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Portanto, permaneceu como titular da cadeira número 3 desta academia durante 24 anos, já que sua posse ocorrera no ano de 1976. Antes de relatar um pouco da sua extensa biografia, gostaria de destacar dois itens que falam ao meu coração e ao do professor Oswaldo Melantonio. Logo após seu noviciado, o Padre Viotti dedicou-se ao estudo de humanidades e retórica.
Assim, adestrou-se na arte de falar em público e a exemplo de outros padres que o antecederam, pregando com brilhantismo e eloquência admirável, como Antonio Vieira e Frei Francisco de Monte Alverne, teve como uma de suas características mais marcantes o fato de ser, até o final de sua avantajada idade, um orador vivo, veemente e muito entusiasmado, que se impunha pela força de sua argumentação e expressividade de seus gestos.
Por ser um intelectual de larga e profunda formação acadêmica, seus discursos, além de possuir conteúdo de elevado nível cultural, seduziam e encantavam as plateias que o ouviam pela beleza estética de suas perorações.
De todas as suas inúmeras conquistas nos mais diversos campos de atividades, algumas perpetuarão seu nome para todas as gerações: foi Diretor do Colégio São Luís, em São Paulo, de 1946 a 1949; Fundador e primeiro Diretor da Faculdade São Luís, em 1948; Diretor da Casa de Anchieta – Monumento Histórico da Fundação de São Paulo, desde 1969; Vale dizer que seus estudos sobre a vida de Anchieta foram tão intensos que Padre Viotti se transformou na maior autoridade sobre o Padre Jesuíta.
Seu livro “Anchieta, o Apóstolo do Brasil”, publicado em 1980 pelas Edições Loyola, serviu de base para o Vaticano glorificar Anchieta como Beato; Foi, ainda, Capelão Militar na Força Expedicionária Brasileira na Itália, enfrentando ao lado dos nossos pracinhas o constante perigo da morte.Somente esses dados, que correspondem apenas a uma ponta da sua extensa e vitoriosa biografia, justificaria sua inscrição permanente na lista dos maiores realizadores brasileiros.
Sua vocação religiosa surgiu bem cedo.
Menino ainda, aos 15 anos de idade entrou para o Noviciado. Depois de concluir o Magistério no Colégio Santo Inácio, onde lecionou diversas disciplinas, especialmente história do Brasil, foi fazer Teologia na Argentina, em 1934, ordenando-se sacerdote em 19 de dezembro de 1936, em Buenos Aires. Completados os estudos teológicos, em 1938, ainda fora do Brasil, fez a Terceira Provação em Montevidéu e, de volta ao Rio de Janeiro fez os Últimos Votos, em 15 de agosto de 1939.
Além do seu destacado trabalho à frente do Colégio e da Faculdade São Luís, foi Reitor do Colégio Antonio Vieira , em Salvador, Bahia, de 1958 a 1959.
Por sua participação na Segunda Guerra tinha direito a um soldo de militar da reserva, que sempre utilizou para ajudar as pessoas mais necessitadas.
A autoria de sete livros o conduziu à Academia Paulista de Letras, onde ocupou a cadeira número 9. E cabe aqui ressaltar que enquanto esteve bem de saúde foi assíduo frequentador da Academia Paulista de Educação. Como seu sucessor nesta academia, e agora conhecedor da sua história e de suas realizações ao longo dos seus bem vividos 94 anos de idade, passo a ser mais um dos divulgadores e enaltecedores dos seus feitos, para que as novas gerações o tenham sempre como um exemplo a ser admirado e ser seguido.
Palavras finais
Ao encerrar este discurso de posse quero agradecer a numerosa presença de todos os meus amigos, que gentilmente vieram me prestigiar nesta noite de quinta feira, deixando seus afazeres e momentos de lazer para testemunhar um dos momentos mais significativos da minha vida.
Quero também agradecer a minha mulher Marlene, que desde a notícia da minha eleição para ocupar esta cadeira tem comemorado intensamente esta conquista; a minha mãe Lúcia, que contribuiu sempre para minha formação de educador; aos meus filhos Roberta, Rachel, Rebeca e Reinaldinho, pelo apoio e incentivo que deram a todas as minhas iniciativas; a minha neta Letícia, que hoje aos cinco anos de idade não compreende muito bem o que está presenciando, mas que no futuro, espero que se orgulhe deste feito do seu avô; ao meu irmão Geraldo, que desde os primeiros anos de vida tem participado de todos os meus momentos importantes. Preciso ainda agradecer mais uma vez à generosa hospitalidade com que fui recebido nesta Academia e reafirmar o orgulho que sinto de pertencer a uma instituição formada por tão ilustres educadores.
Passo a pertencer a este quadro como o mais novo de todos os acadêmicos, e espero que além do aprendizado que terei na convivência com os mais experientes, também possa colaborar com meu trabalho, esforço dedicação e iniciativa para elevar e projetar cada vez mais alto o nome da Academia Paulista de Educação.
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