Discurso de Posse do Acadêmico Pedro Salomão Kassab.
Discurso de Posse do Acadêmico Titular
PEDRO SALOMÃO JOSÉ KASSAB
20/9/2004
Senhor Presidente da Academia Paulista de Educação
Senhores Acadêmicos
Senhoras e Senhores
Poucas distinções são comparáveis à de ser trazido a este fórum, de aprimoramento humano, pelo dignificante apreço dos que o integram. Concebem-se, nesta Academia, caminhos para aprofundamento dos conhecimentos, construção do bom caráter e definição de harmonia na sociedade, condicionados pelo dever e pela vontade de cumprimento dessa missão.
A leitura do histórico feito por Aquiles Archero Jr., primeiro titular da cadeira nº 1 e autor principal da iniciativa, registra sua responsabilidade de contribuição para os estudos educacionais, concebida com caráter perpétuo, integrantes vitalícios e perene preservação da memória de seus trabalhos.
Assim tem sido ao longo dos anos.
Expresso profunda gratidão ao acadêmico Joaquim Pedro Villaça de Souza Campos, por sua saudação generosa, em que o excesso de méritos descritos emana de sua interpretação fraterna. Parodiando Sacha Guitry, em homenagem que lhe prestava o mundo da arte teatral parisiense, peço-lhes que não creiam em tudo que disse, pois é um amigo.
Imenso agradecimento aos acadêmicos João Gualberto de Carvalho Meneses, presidente deste sodalício, e José Augusto Dias, integrante de sua diretoria, pela deferência de me terem oferecido a medalha, o colar e o diploma institucionais. Expoentes constantes e respeitados que são, em São Paulo e no Brasil, habituamo-nos às qualidades que demonstram nas elevadas ações que realizam, como presenças obrigatórias, nos estudos das múltiplas questões educacionais.
Devotamento pleno à educação foi traço predominante na vida de Zoraide Rocha de Freitas, a quem sucederei na cadeira nº 35 desta Academia.
Nascida em Ribeirão Preto, aos 13 de fevereiro de 1899, filha do Sr. Herculano Carlos de Freitas e da Sra. Maria Rocha de Freitas, teve toda sua vida estreitamente apegada à educação, à cultura e ao bem dos estudantes e da sociedade.
Após seus cursos primário, na Escola Dr. J. A. Guimarães Jr., e ginasial, no Ginásio do Estado de Ribeirão Preto, estudou na Escola Normal de Casa Branca, recebendo seu diploma de professora aos dezessete anos.
De volta à cidade natal, iniciou-se imediatamente no magistério do Estado, em que foi, sucessivamente, substituta, adjunta e professora, sempre ampliando sua atividade. Já naquela época, ministrando às crianças e aos jovens muito mais do que fazia parte de suas atribuições formais, a que acrescentava ensino teórico-prático de botânica, canto, educação física, formação cívica e iniciação do escotismo na escola.
Desde sua atividade inicial e, especialmente, de 1927 a 1937, acentuaram-se dois aspectos de sua carreira, que se fortaleceriam ao longo da vida: passou a ensinar Português e Educação Moral e Cívica – depois, somente Português –, na Escola Profissional Secundária de Ribeirão Preto, então instalada. Seu cultivo da língua materna e sua dedicação ao ensino profissionalizante, com a competência que demonstrava, fizeram-na sucessivamente mais acatada e solicitada em ambos.
Em 1937, foi nomeada diretora da Escola Profissional de Jaboticabal, cargo em que foi efetivada em 1939, após ter sido classificada em primeiro lugar, dentre onze candidatos, em concurso de provas realizado durante cinco dias consecutivos na capital do Estado. Permaneceu naquela direção até 1946 e, de sua atuação, falam com eloquência as manifestações que lhe foram dedicadas, lamentando sua perda, a par da satisfação havido com o motivo, que foi sua promoção.
Naquele período, participou de todas as reuniões de diretores. Em 1943, teve a incumbência de organizar os novos programas der Português para as escolas estaduais de ensino profissional, que foram integralmente aprovados e publicados.
Disposições legais fizeram-na, em 1946, sucessivamente, Técnica de Ensino Industrial e Técnica de Educação e, naquele ano, foi nomeada vice-diretora da Escola Industrial Carlos de Campos, em São Paulo. Teve sob sua responsabilidade o conjunto de atribuições que incluíam direção e orientação da cultura geral e atividades extracurriculares, em ação caracteristicamente formadora, a par do encargo de exatora da escola. Destacou-se em seu trabalho de apoio às alunas que demonstravam menor aproveitamento – preocupação constante na educação e tema de grande relevância, hoje como sempre –, que realizou racionalmente e com boa organização, obtendo raro e admirável êxito: das dez estudantes com péssimo desempenho inicial, nove tiveram as melhores notas da classe (uma, por motivo de saúde, estivera afastada da escola por algum tempo).
No Departamento de Ensino Profissional, em 1956, prosseguiu sua carreira como responsável pela Educação Extracurricular e, em 1957, como chefe do Setor de Cultura Geral, cumulativamente com as funções precedentes. Visitou continuamente as escolas, na capital e no interior, para orientação e fiscalização, participou de bancas examinadoras, e as presidiu, em concursos para ingresso no Magistério.
Aposentou-se em 1957, após ter sido funcionária efetiva desde 1921 e ter trabalhado no ensino público desde 1917.
Em toda sua existência, procurou alargar seu saber.
Em Ribeirão Preto, depois de formada, estudou latim e italiano, pintura a óleo e música. Depois, em Jaboticabal, fez curso rápido de enfermagem; em São Paulo, fez cursos de inglês, de Sagrada Escritura, com três anos de duração e certificado de aproveitamento, de Biblioteca e Museus Escolares, promovidos pelo Departamento de Educação, e Seminário de Aeronáutica, no Instituto Histórico e Geográfico, com certificado de aproveitamento. Depois de aposentada, em Ribeirão Preto, fez por correspondência cursos básico e superior de esperanto, com dois anos de duração. Aos 77 anos, dedicava-se ao alemão. Foi estudiosa da grafologia. Cursou os quatro primeiros anos de Direito, que não concluiu, pois as funções de direção educacional, que então exercia, já não lhe ensejavam a necessária compatibilidade de tempo.
Sua participação em eventos educacionais, culturais, cívicos e históricos, antes e depois de se retirar do serviço público, foi frequente e significativa.
Representou o Departamento do Ensino Profissional do Estado na Comissão Educativa do Ano de Santo Dumont, em 1954, na Campanha Educativa de Trânsito e na das Torres da Catedral de São Paulo. Em 1961, foi designada para a Comissão de Honra do Cinquentenário do Ensino Profissional do Estado.
Colaborou em órgãos de imprensa, às vezes sob pseudônimo, em Ribeirão Preto e Jaboticabal, de que há documentação até o último decênio do século, após ter atingido a idade de 92 anos.
Escreveu obra sobre Análise Lógica, merecedora de competentes apreciações elogiosas e várias vezes reeditada.
À época do IV Centenário da Cidade de São Paulo, após longas pesquisas, escreveu estudo sobre História do Ensino Profissional no Brasil, que suscitou comentários enaltecedores de personalidades como Sud Mennucci, Agripino Grieco e Cândido Motta Filho, ministro da Educação e Cultura. Um ano depois, a obra foi distinguida com o Prêmio Larragoiti Jr., da Academia Brasileira de Letras. Foi a primeira premiação da ABL a autor de Ribeirão Preto.
A Presidência da República, em 1957, outorgou-lhe a Medalha e o Diploma do Mérito Santos Dumont. O Ministério da Aeronáutica a distinguiu com a Medalha Comemorativa e o Certificado do Ano Santos Dumont. Análoga honraria lhe concedeu o Governo do Estado do Paraná. Medalha de Honra ao Mérito Jornalístico foi-lhe conferida pelo Estado de São Paulo. Da Prefeitura de Ribeirão Preto, recebeu o Certificado de Honra ao Mérito, por sua colaboração no concurso sobre D. Pedro II.
Manteve atividade social contínua, intensa e profícua, em Ribeirão Preto e Jaboticabal, dirigindo, colaborando e participando para o êxito de eventos, campanhas, iniciativas e entidades. Em todas essas ações foram admiradas suas convicções, capacidade e generosidade do trabalho.
Na Academia Ribeirão-pretana de Letras, como assinalou Fábio Leite Vichi, membro daquela instituição, foi pioneira e titular da cadeira nº 19, tendo Vicente de Carvalho como patrono. Integrou a Sociedade de Homens de Letras do Brasil e, tendo como patrono Santos Dumont, a Sala do Poeta, do Rio de Janeiro. Foi membro da Ordem dos Velhos Jornalistas de São Paulo.
Numerosas entidades de cunho cultural e social a tiveram como associada e dirigente.
Sócia do Centro do Professorado Paulista e do Centro do Professorado Católico de Ribeirão Preto, manteve sempre inalteráveis sua vocação e seu vínculo com o Magistério.
Em 19 de dezembro de 1977, tornou-se titular da cadeira nº 35 da Academia Paulista de Educação.
Morreu em São Paulo, aos 25 de agosto de 1999, ultrapassando os cem anos de idade.[1]
Esta Cadeira tem como patrono Newton de Almeida Mello.
Nascido em Piracicaba, aos 21 de janeiro de 1905, filho do Sr. Pedro de Mello e da Sra. Sophia Diehl de Mello, Newton de Almeida Mello foi casado com a Sra. Jacyra Martins Peixoto. Teve dois filhos, Atanásio e Luzia.
Foi professor, como seu pai, escritor, poeta, músico, violinista, conferencista e colaborador em órgãos de imprensa.
Dentre suas obras, estão os livros Carrilhões e O Pranto de Praga. Sua poesia, em parte, foi escrita em Campos do Jordão, quando lá permaneceu por motivo de doença.
Morreu em Araraquara, onde estava hospitalizado, em 12 de junho de 1965. Trasladado para a cidade natal, foi velado na Câmara Municipal e, depois de cerimônia religiosa na Catedral, conduzido ao Cemitério da Saudade, com a presença, o respeito e a tristeza da população, entidades e poderes públicos.
Sua profunda sensibilidade, impregnada pela nostalgia e grande amor à cidade, inspirou-lhe em 9 de setembro de 1931 a canção Piracicaba, de que é autor da música e dos versos. Lembrando-o, conta Hugo Pedro Carradore que, segundo depoimento de amigos, Newton de Almeida Mello compôs a letra em cinco minutos.[2]
Por lei municipal de 30 de dezembro de 1975 – dez anos depois de sua morte e passados 44 anos de existência da canção –, esta se tornou oficialmente o Hino de Piracicaba. A grandeza dos piracicabanos, seus vereadores e prefeito, não deixou que o tempo decorrido fizesse esquecidas as imagens do autor, de sua obra e de sua vida. Ao contrário, desse modo, seus conterrâneos souberam enaltecê-las ainda mais e para sempre.
No sepultamento, sob forte emoção, a canção – hoje hino da cidade – foi entoada, como ora se faz, em homenagem que é eco dos sentimentos do próprio autor.[3]
Numa saudade que punge e mata
Que sorte ingrata! Longe daqui,
Em um suspiro triste e sem termo,
Vivo no ermo, dês que parti.
(Estribilho)]
Piracicaba que eu adoro tanto,
Cheia de flores,
Cheia de encanto…
Ninguém compreende a grande dor que sente
O filho ausente a suspirar por ti.
Em outras plagas, que vale a sorte?
Prefiro a morte junto de ti.
Amo teus prados, os horizontes,
O céu e os montes que vejo aqui.
Só vejo estranhos, meu berço amado,
Tendo ao teu lado o que perdi…
Pouco se importam com teu canto,
Que eu amo tanto, dês que nasci…
Lembrando Zoraide Rocha de Freitas e Newton de Almeida Mello, natural e necessariamente, o pensamento de todos é levado a Ribeirão Preto, Casa
Branca – do estimadíssimo líder do Magistério Sólon Borges dos Reis –, Jaboticabal e Piracicaba.
Não é por acaso que, ao se falar sobre personalidades de nosso mundo educacional, destacam-se, tanto em número como em qualidade, as cidades do interior de nosso Estado, fonte inesgotável da energia moral e física paulista.
O espírito bandeirante construiu grande parte da espinha dorsal de nossa educação no interior e seus belos resultados são bem conhecidos.
É uma das muitas expressões do caráter paulista.
Educar é, acima de tudo, formar o caráter. Não se pode supor, sobretudo em nossa época, que isto se faça apenas nos anos ou decênios iniciais da vida. A formação e a preservação do caráter merecem ações na infância, na juventude e sempre. Sua essência vincula-se à verdade no pensar, no dizer e no fazer.
Não é admissível o conceito de educação apenas como processo para conquista de destaque, posses ou ambas as coisas. Menos ainda com a banal simplificação, fundada na falsa alternativa, supostamente forçosa, de objetivos reciprocamente excludentes de ser e de ter, pois ambos podem ser determinantes tanto de virtudes como de vícios e, portanto, suportes de boas realizações e alegrias, nenhum deles sistematicamente associado à insaciabilidade de bens ou de vaidades. A emulação desejável insere-se nas dimensões saudáveis do ser e do ter, como incentivadores de criatividade e geradores de belas iniciativas, não motivadas por inclinações narcisistas ou egoístas.
A mente, o dom de expressão e compreensão de ideias e a habilidade manual são atributos especiais do ser humano. Cultivados, ensejam o bom uso da inteligência, da sensibilidade e da imaginação, potencializadas pelo processo educacional. O exercício da confiança, da disposição de edificar melhor o futuro e da solidariedade humana, assim valorizadas pela educação, constituem indicadores marcantes do caráter tem formado.
A busca incessante do saber, que justifica a existência humana, como bem conclui Charles Richet, inclui-se nesse comportamento. A partir do eterno propósito de evoluir, o homem consegue conhecer sempre mais sobre si próprio e os semelhantes, a vida e a natureza, enfim, sobre o universo, desde partículas elementares até a crescente penetração no cosmos, e a ciência adentra cada vez mais as inter-relações entre matéria e energia.
Séculos atrás, a genialidade de Blaise Pascal já delineava a estrutura íntima da matéria, à semelhança da que existe no espaço sideral. A cada dia, sentimos que se acrescentam razões para imaginar ou supor o Universo infinito, em sua extensão e no tempo.
Mergulha-se nas minúcias de unicelulares de extrema simplicidade, ao mesmo tempo em que se identificam peculiaridades de seres da maior complexidade, não só os da vida atual como fósseis dos que já não vivem. Os ácidos ribonucleico e desoxirribonucleico, a estrutura cromossômica, os genomas e a hereditariedade, sobretudo nos últimos trinta anos, são cada vez mais esmiuçados e dão origem a sérias questões éticas, Debatidas nos meios mais qualificados. Há cerca de meio século, em sua lúcida obra O Homem Modificado pelo Homem, Jean Bernard fazia considerações, projeções e prognósticos que se têm concretizado.
O “sopro” que diferencia um ser vivo muito simples e a matéria bruta quimicamente assemelhada constitui, porém, algo que transcende a ciência, abomina a jactância e convida à humildade. A educação deve mostrar que a expansão do saber e o alargamento do campo científico que proporciona, bem como a tecnologia, nem sempre se acompanham de noção clara e consistente de seus limites e da consideração que se deve ter pelo significado da vida.
O desenvolvimento científico e a tecnologia têm frequentemente corolários desumanizantes. Os êxitos nas descobertas e invenções acompanham-se, não raramente, da admissão ou proposição de ações que chegam a ser opostas à vida ou são, pelo menos, de consequências insuficientemente avaliadas. Temas como direito ao genoma, clonagem, eugenia, abortamento e eutanásia exemplificam justas preocupações e reações. Basta lembrar-se que um dos mais notáveis cientistas contemporâneos chegou a aventar a hipótese de somente ser reconhecida para registro a existência do nascituro, isto é, do novo ser humano, 48 horas após o parto e com a certeza de nele não haver imperfeições.
É verdade que a técnica é geradora de progresso. A civilização resulta, porém, da cultura e do respeito aos valores nela acumulados. Na ação educacional, o deslumbramento com a técnica não pode ofuscar nem admitir que se esqueçam esses valores.
A capacidade de discernimento quanto aos grandes problemas da humanidade é característica da civilização, de que faz parte a cuidadosa preservação da lei natural. Falar disso é lembrar a educação como orientadora da conduta humana, o que leva à tácita evocação da importância da escola e, especialmente, do professor, cabendo lembrar, como disse Gibran, que o verdadeiro mestre não é aquele que dá algo de si ao aluno e, sim, o que é capaz de conduzir o discípulo ao limiar da própria mente.
A família e, especialmente, os pais estão na origem do processo educacional. As pressões da vida atual levam às vezes à ideia equivocada de que compete à escola ocupar-se plena e suficientemente da orientação dos alunos. Não se pode prescindir, no entanto, do que é inerente ao ambiente da família, das responsabilidades e prerrogativas dos pais, dos respectivos fatores de ordem afetiva e outros, em que a família é normalmente insubstituível. Isto já se demonstrou em situações em que o Estado, em alguns lugares do mundo, tentou ocupar ou usurpar o lugar dos pais e da família.
Dialogando com o admirável presidente Castelo Branco sobre direitos da família quanto à saúde, especialmente o de escolher médico – visando a evitar problemas que, afinal, vieram a ocorrer –, justificamos em atenção ao seu interesse, ser a família a espontânea e melhor modalidade de organização para o ser humano, não destruída nem superada por nenhuma outra, por ser autêntica expressão da lei natural e, portanto, ter forçoso reconhecimento como direito natural; a família não foi inventada por constituições, leis, decretos ou portarias.
Quando se considera o direito natural, fica aberto o caminho às aberrações e aos conflitos. Por outras palavras, a lei positiva, os contratos estabelecidos pelas sociedades humanas, que, afinal, resultam do caráter e do saber dos que os elaboram, não devem ser lesivos ao direito de cada pessoa, para serem aceitáveis. Assim como a família, as comunidades, em seus diversos âmbitos e naturezas, devem ter respeitadas suas justas convicções e aspirações, que não podem ser desprezadas por volúpias centralizadoras. Formulações que não respeitam esse princípio geram inevitáveis desequilíbrios e todos os seus desdobramentos. Não são admissíveis atos deformadores nem elasticidade na aplicação desse preceito.
O mundo já teve dolorosos exemplos de “eugenia”, com pretextos ridículos e injustos. Doentes, idosos, eficientes, inativos são vítimas frequentes de mal disfarçada conceituação, que os coloca injustamente na condição de “peso” para a sociedade ou ônus social. Genocídios brutais existiram e continuam a existir nessa mesma linha, assim como tácitas compulsões de eliminar, ainda que por meios indiretos, tudo que não se ajuste a pretensões hedonistas e epicuristas de conforto pessoal ou o que possa aliviar despesas, ensejando com isso impressão – mera aparência – de bom desempenho da economia e boa administração.
Nesse paradoxo evidente, o Poder Público serve-se do Homem, descartando-o quando não mais o considere proveitoso para a máquina estatal. Em lugar de a economia ser concebida para oferecer, com o desenvolvimento, apoio aos mais fragilizados, estes são esmagados, quase sempre com palavras doces, por não terem condições de contribuir positivamente para essa economia.
Isto já ocorreu muitas vezes e continua a repetir-se bastante.
Assinalou Clausewitz que a guerra é o prosseguimento da política por outros meios. Pode-se acrescentar que as pressões financeiras insuportáveis e o terrorismo substituem a guerra por outros meios. Contra esse fato, a missão política bem realizada, inspirada na educação, no saber, no caráter, empenha-se no estabelecimento de equilíbrio de direitos e deveres, independentemente de partidos ou facções. É correto o desempenho das funções do Estado quando, assim inspiradas, são efetivamente voltadas para a qualidade e defesa da vida, preenchimento das necessidades fundamentais, equidade de oportunidades e proteção contra os infortúnios, o que implica defender a saúde e a segurança, isto é, a vida, de todas as pessoas.
Para que esse estágio seja alcançado, é essencial que a educação conduza à forte e generalizada exigência de integridade, independência e harmonia na elaboração das leis, no provimento de direitos e na gestão governamental, como concebeu Montesquieu, há vários séculos. O processo educacional deve, ininterruptamente, demonstrar a falsidade de veleidades messiânicas, a que se associam o absolutismo e a pretensão da exclusividade de poder.
Para ressaltar a precedência da missão educacional, não deveria ser preciso apelar para seu uso preventivo, diante de crescimento da criminalidade, terrorismo e outros desajustes sociais. É necessário pensar a educação como educação mesmo, no sentido precipuamente construtivo, e realizá-la corretamente.
A precedência de que ora se fala significa vigorosa prioridade de recursos para a educação, pois seus efeitos multiplicadores serão intensos desde o início. O benefício proveniente do custo da educação é o amplo resultado geral, em todas as atividades, não avaliável com critério idêntico ao das habituais apreciações de relação custo/benefício. O que se aplica corretamente em educação irriga e desenvolve todas as formas de produção, em todas as suas fases.
Pela educação, consolida-se o cultivo da sensibilidade moral, que pode assegurar situação de real liberdade, em que os direitos sejam respeitados e exista solidariedade humana.
Fator essencial da construção, transmissão e aplicação do saber, a capacidade de comunicação depende do domínio da língua materna – nisso compreendida a linguagem específica da Matemática –, o conhecimento de outros idiomas, com estímulo ao plurilinguismo, e suficiência quanto às técnicas eletrônicas. Esse conjunto dá apoio ao conhecimento dos conteúdos, em todas as áreas, e merece especial concentração dos esforços educacionais. Trata-se, afinal, da utilização do maravilhoso dom da palavra, para expressar e compreender o pensamento. É o grande instrumento para a harmonia, sempre que fiel à verdade; ao afastar-se desta, pode semear desconfiança, inibir a criatividade, motivar egocentrismo ou, pelo menos, apatia.
Em expressiva poesia, Charles Péguy comparou fé, esperança e caridade a três mulheres, mãe, esposa e irmão, dizendo-se surpreso de ainda existir a esperança. Não tão cético, mas melancólico, disse Raimundo Corrêa, nos seus versos, que só a leve esperança, em toda a vida, disfarça a pena de viver; mais nada. A educação brasileira, em seu passado e no presente, e, portanto, esta Academia, identificam-se muito mais com a antevisão de nosso futuro por Victor Hugo, no poema que dedicou ao Brasil, há cerca de 120 anos, e que temos procurado difundir, em que se disse tomado de alegria, cheio de otimismo quanto ao nosso país, ao nos ver como primavera do mundo.
Também penso o mesmo.
[1] Os dados e as informações referentes à Zoraide Rocha de Freitas foram coligidos com amável colaboração do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto, por gentileza do Sr. Mauro da Silva Porto, que se acrescentou ao que consta dos arquivos da Academia Paulista de Educação.
[2] Esta evocação do patrono fundamentou-se em colaboração prestada, amavelmente, por Elisa Pantaleão e Enil Franco da Cruz, do jornal Gazeta de Piracicaba, e obtidas na Biblioteca Pública Municipal Ricardo Ferraz de Arruda Pinto, da mesma cidade.
[3] Cantado e acompanhado ao violão, no ato, por Nilo Sérgio Sanchez, professor de Arte Musical no Liceu Pasteur.