Discurso de posse de Guiomar Namo de Mello, proferido pela confreira Rose Neubauer 23 jun 2016
Discurso de posse de Guiomar Namo de Mello, proferido pela confreira Rose Neubauer ( cadeira 13) , que a recepcionou em 23 06 2016 em solenidade no Teatro do CIEE
( São Paulo)
Cumprimento os membros da Academia pela escolha e inclusão de tão brilhante educadora em sua prestigiosa Instituição
Quero agradecer aos membros da Academia por terem dando-me a honra de saudá-la
Tarefa difícil para mim. Grande emoção e alegria de aqui estar. Misturam-se, de um lado, o respeito e admiração à grande educadora, de outro, o carinho e a cumplicidade pela companheira e amiga de tantas jornadas pela educação a fora.
Conheci Guiomar na Facudade de Educação da USP. Eu caloura, ela em meio do curso. E desde então naqueles idos de 1964 os nossos caminhos sempre se entrecruzariam. Logo no início descobrimos algumas características comuns: éramos duas alpinistas surpreendendo nossas famílias por ousar aquilo que antes nelas nunca fora ousado: ir à universidade.
Por coincidência, naquele ano de 1964, ambas eram professoras primárias, experimentando as alegrais e vicissitudes do labor pedagógico, que marcaria para sempre nossas existências.
Na Universidade, acompanhava com admiração seu desempenho no Colégio de Aplicação, no departamento de orientação educacional com Maria José Werebe, Celso Beisegel, e outros, um trabalho incrível bruscamente interrompido pelos desmandos da Ditadura. Segui, como boa discípula, sua trajetória pelo mestrado e doutorado na educação da PUC – à época reduto que agregava vários educadores críticos com o descaso da política educacional brasileira.
Mas, aonde nossa trajetória profissional iria se cruzar definitivamente seria na Fundação Carlos Chagas. Celeiro de formação em pesquisa de vários educadores eminentes, Guiomar iria se destacar em diferentes áreas mas se revelaria nas excelentes pesquisas e reflexões como uma batalhadora ferrenha, fervorosa à causa da educação pública e principalmente do direito a uma educação de qualidade às crianças e jovens das classes desfavorecidas.
Essa seria a característica que a tornaria uma profissional incrível e que revela até hoje seu compromisso inegociável. Essa é chama e o elo que une tantos a essa personalidade forte e aguerrida e marcou sua imensa produção e atuação nos seus 50 anos profissionais.
Aqueles que a conhecem, e eu acredito que é o caso da maioria dos que aqui estão, sabem da verdade de minhas afirmações.
Na enorme quantidade de publicações – pesquisas, teses, livros, artigos – seus compromissos encontram-se claramente refletidos. Quanta querela resultou da publicação do livro “Magistério de Primeiro Grau: da competência técnica ao compromisso político” onde afirmava que não basta ao professor ter compromisso político se o compromisso não for acompanhado de uma prática pedagógica bem fundamentada e instrumentalizada que lhe possibilite levar seus alunos ao sucesso, isto é, a dominar os conteúdos universais e competências q são privilégio dos filhos das elites.
A preocupação em garantir ao docente essa possibilidade de uma boa transposição didática, que assegure aprendizagem do aluno, foi fundamental para a sua atuação como Secretária de Educação do Governo Mario Covas na prefeitura da capital quando, num período de três anos, ela fez uma revolução no currículo, carreira docente, avaliação pedagógica, regimento escolar assim como na melhoria da qualidade dos serviços com diminuição de custos – merenda, construção escolar, livro didático.
Sua atuação na Secretaria Municipal de Educação iria inspirar a mim quando Secretaria Estadual assim como inspirou vários outros administradores. Além disso, sempre olhando para a escola, para aquele aluno pobre cuja perspectiva única, herança de um futuro melhor é a educação ou a educação, ela inspirou e colaborou na produção acadêmica dos seus vários alunos de mestrado e doutorado na PUC, Federal de São Carlos, UNICAMP e mesmo no Institute of Education da Universidade de Londres, aonde atuou por alguns anos.
Nesse sentido, foi uma orientadora muito generosa, doando seu tempo, avaliações e observações, mesmo para aqueles alunos da pós graduação abandonados à própria sorte, como foi meu caso, cuja orientadora oficial teve uma crise de depressão amorosa e mais precisou de apoio do que conseguiu apoiar, como ela mesma declarou no dia da minha defesa.
Sua atuação destacada como educadora levou-a a Deputada Estadual que possibilitou a ela atuar no Congresso para garantir na Constituição Federal a inclusão de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação e recursos compulsórios para a educação pública.
Sua luta na Assembleia para a abertura de cursos noturnos nas Universidades públicas estaduais, para ampliar a oportunidade de jovens trabalhadores menos abastados, custou-lhe sérios percalços mas não fez com que desistisse dos seus princípios, mesmo pondo em risco o seu mandato.
Com a mesma determinação iria se dedicar, desde o final dos anos 90, à discussão, elaboração e construção de publicações voltadas a apresentar ao professor propostas de trabalho enriquecedoras e facilitadoras da sua prática pedagógica. Sua atuação frente à Fundação Victor Civita mais do que revela sua veia criadora e ousada. A Revista Escola trouxe para o cotidiano do professor uma riqueza incrível e um apoio didático excelente e inspirou várias publicações do gênero. A concepção de materiais como o Ofício do Professor foi inovadora e desafiadora.
Mas não se pode deixar de agregar aqui sua destacada participação, na década de 2000, no Conselho Nacional de Educação, discutindo, elaborando e divulgando as DCNs, principalmente na área de formação de professores.
Como uma abelha laboriosa foi e continua destilando o mel da educação nos mais diferentes espaços de discussão de políticas públicas, da qual se tornou especialista, principalmente no que se refere à formação docente.
O número de órgãos nacionais e internacionais dos quais têm participado para discutindo e assessorando sobre esse tema – CNPQ, UNESCO, OREALC, entre outros, e as numerosas publicações nessa área alongaria a minha apresentação por cerca de uma hora.
Nos últimos anos ela tem se dedicado incansavelmente à tarefa de elaborar materiais, propostas curriculares, projetos de residência escolar, que possam garantir aos nossos futuros alunos que seus professores sejam capazes de lhes transmitir os conhecimentos a serem propostos na Base Nacional Comum pela qual ela está tão empenhada e sinceramente envolvida.
Depois de uma longa jornada é no CEE que nossos caminhos profissionais se cruzam atualmente. Ousando propor uma Deliberação sobre diretrizes complementares à formação de professores, que deixou várias instituições enfurecidas, temos retomado muitas das experiências e vivências que marcaram nossa vida nas quais tive o privilégio de participar, USP, FCC, PUC, Secretaria de Educação, Assembleia, Conselho Nacional, Secretaria Estadual de Educação, CEE, mas principalmente o de observar e acompanhar sua coerência, ética e compromisso com a construção de uma escola pública de qualidade para todos.
Sei que essa escola não será fruto da nossa geração e não estamos fadados a conhecê-la, mas certamente seu comportamento firme e seguro, suas decisões, mesmo nos momentos mais críticos, de nunca trair o interesse das crianças e jovens das classes populares, será um exemplo, um farol para futuras gerações de educadores na construção dessa nova escola.Benvinda à nossa Academia prezada educadora. Sua presença enriquece a nossa casa.