Discurso de Posse da Profa. Sonia Teresinha de Sousa Penin
A Acadêmica Sonia Teresinha Penin tomou posse na Academia Paulista de Educação como Titular da Cadeira Número 11, que tem como Patrono o professor João Baptista Julião, em 16 de dezembro de 2002. Abaixo relembramos o histórico discurso de posse da professora:
“Prezado Prof. Dr. João Gualberto de Carvalho Meneses, Presidente da Academia Paulista de Educação
É com muita honra que venho para esta cerimônia de posse. Ela acontece devido à generosidade daqueles que me indicaram para membro da Academia Paulista de Educação, aos quais agradeço profundamente.
Agradeço, também, de forma intensa, a amabilidade dos amigos, colegas, parentes, funcionários e alunos que aqui vieram para este ato.
A honra se amplia em me saber empossada na cadeira do ilustre professor, maestro e compositor João Baptista Julião, ocupada mais recentemente pela ilustríssima educadora e professora de educação musical, Hercília Castilho Cardoso.
A ambos me refiro em primeiro lugar.
JOÃO BAPTISTA JULIÃO nasceu em Silveiras (SP) em 1886 e faleceu em São Paulo em 1961. Desde cedo dedicou-se à música, participando da banda de sua cidade natal e em Mogi das Cruzes. Em 1912 iniciou seus estudos superiores no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Em 1913 fundou o Instituto Musical de Mogi das Cruzes e, ao concluir seu curso, assumiu a função de mestre-de-capela da igreja matriz da cidade. Regeu, também uma banda local.
Nessa época, começou a compor e escrever revistas para o teatro. Anos depois, especializou-se no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, e obtendo o registro como professor de canto orfeônico.
Foi efetivado como professor da Escola Normal Padre Anchieta. Em 1927 fundou, com outros, o Instituto Musical de São Paulo.
Julião, em 1944, teve a missão de elaborar um plano para o ensino do canto orfeônico. Em 1949 passou a dirigir o curso de canto orfeônico do Instituto de Educação Caetano de Campo, transformado posteriormente em Conservatório Estadual de Canto Orfeônico.
Foi iniciativa sua a fundação do Conservatório de Canto Orfeônico – que tem hoje seu nome -ligado à Universidade Católica de Campinas.
Em suas composições, encontram-se peças para piano e violino assim como música sacra. O professor é fundador da Cadeira no.30 da Academia Brasileira de Música.
A PROFESSORA HERCÍLIA CASTILHO CARDOSO, paulista de Novo Horizonte, nasceu em 1915 e faleceu na década de 90. Formou-se na Escola Normal do Instituto de Educação Padre Anchieta, SP, de 1932 a 1935, e, em nível superior, no curso de Música – piano, e matérias complementares no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, de 1927 a 1934.
Especializou-se em Canto Orfeônico no conservatório Paulista de Canto Orfeônico, São Paulo, sob a direção do Maestro João Baptista Julião, de 1950 a 1951. Realizou também, por dois anos, estudos pós-graduados no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, RJ, sob a direção do Maestro Heitor Villa-Lobos.
Foi aprovada pelo Conselho Estadual de Educação, para o magistério de Didática (professora assistente MS-2) no processo que tratou da transformação do Conservatório Estadual de Canto Orfeônico em Faculdade de Música Maestro Julião, hoje Instituto de Artes do Planalto, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
De 1936 a 1949, trabalhou como professora primária em várias escolas na capital (Grupo Escolar Buenos Aires, entre outros) e no interior (Lucélia, Tupã, entre outras). Em Tupã, foi a primeira professora de piano e a iniciadora do movimento artístico da região.
Trabalhou, de 1950 a 1956, como professora regente de Orfeão Escolar, também compondo a letra e música do hino para a escola Frei Antônio Santana Galvão.
Dirigiu, de 1956 a 1976, o Conservatório Estadual de Canto Orfeônico, transformado, em 1974, na Faculdade de Música Maestro Julião, hoje Instituto de Artes do Planalto, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Dedicou-se também ao magistério de disciplinas musicais em diferentes Conservatórios, em São Paulo e Ribeirão Preto, tais como Etnografia Musical, História da Música, Didática geral e especializada, Didática de Teoria Musical, Organologia e Organografia.
Entre as diversas funções de direção que exerceu, está a de Presidente da Sociedade Guarulhense de Educação, que mantém as Faculdades Integradas de Guarulhos, de 1971 até 1976.
Participou de diversas reformas do ensino de música e foi promotora de atividades culturas e artísticas, como conferências, concertos e aulas-modelo. Destaque deve ser dado para uma apresentação coral no Teatro Municipal de SP, para a Campanha “Mais prédios para as escolas e melhores vencimentos para os professores”, realizada pelo Centro do Professorado Paulista, em junho de 1958, com exortação coral alusiva ao tema da campanha, letra de sua autoria e música e regência de Martin Braunwieser. Em sua biografia consta que, em razão desse movimento do CPP, o governo Jânio Quadros criou o Fundo Estadual de Construção Escolar (FECE).
Entre os vários cursos de extensão que realizou, estão os de experiências artísticas de criatividade, em conjunto com outros professores das áreas de desenho e psicologia, além da música.
Escreveu artigo para diferentes jornais, entre eles O Estado de São Paulo, A Gazeta, a Folha de São Paulo.
Em 1971 apresentou o texto “Mestre, Pai, Artista” uma biografia de João Baptista Julião, à Academia Paulista de Educação, justificando a escolha do maestro para Patrono da Cadeira 11, ocupada por ela.
Por fim, vale ressaltar sua participação como membro da Comissão Organizadora da Semana Villa-Lobos, realizada em São Paulo, em maio de 1957 (Ano Villa-Lobos) pela Secretaria de Educação do Município, sob a presidência do Prof. Gofredo da Silva Teles, então Secretário. A professora Hercília foi a responsável pela procura da extraviada obra “Sumé Pater Patrium” (Apoteose e epopéia dos primórdios do Brasil), que Villa-Lobos compusera, por encomenda do Governo Paulista para o 4º Centenário da cidade, mas que fora desprezada à época. Desagravado, o autor só voltou a São Paulo nessa ocasião, em que a citada obra foi apresentada em gloriosa estréia no Teatro Municipal, sob a regência do maestro João de Souza Lima e tendo como solista a cantora Dalena Lébeis.
SUCEDER A EDUCADORES- ARTISTAS é um privilégio. São pessoas especiais. Conseguem introduzir na rotina, momentos de fruição estética, de espanto, de êxtase.
Educadores que somos, sempre soubemos da importância de uma educação que contemple as diferentes potencialidades humanas: o vir bonus almejado desde a Grécia antiga, que pressupõe uma educação que desenvolva as habilidades cognitivas, expressivas, afetivas e os valores. Ainda que saibamos que razão e sensibilidade devem ser desenvolvidas juntas desde a tenra infância, o tempo em que vivemos teima em valorizar a razão, a ciência e a técnica.
Essa racionalidade, valorizada no nosso mundo ocidental desde o nascimento da ciência moderna no século XVI, muitas vezes tem deixado em segundo plano a vivência, as relações interpessoais, os sentimentos.
Os humanistas de modo geral, os educadores e os artistas tendem a resistir à ênfase do mundo atual. Percebem que muitas práticas sociais, não explicadas pelo rigor científico clássico, têm significativa influência nas relações humanas. Na educação, os educadores sabem: o não explicado, mas vivido, conta muito.
Os artistas, pelo próprio objeto sobre o qual atuam e pela forma de abordagem desse objeto, muitas vezes são levados a prescindir da lógica formal, própria da ciência moderna. O pensamento divergente e não o linear é o mais presente no ato de criação, ainda que planejamento, rigor e técnica também contem no ato de dar forma às idéias. De qualquer maneira, artistas captam e liberam aspectos pouco visíveis na superfície e que demandam sensibilidade. Daí serem pessoas especiais.
A professora Hercília e o maestro Julião, tendo a música, especialmente o cantar, a regência e a composição, como objeto de seu trabalho, divulgaram e ensinaram a arte de se expressar pelo canto nas escolas de educação básica e de formação de professores. Reverencio o trabalho de ambos.
Maestro Julião, viveu, na primeira metade do século XX, o tempo mágico das bandas nas praças públicas do interior, valorizadas por todos e almejadas pelos músicos da época. Igualmente mágico, o tempo de ouro do canto orfeônico, vivido pela professora Hercília, orgulho de tantas escolas e de todas as Escolas Normais.
Cheguei a viver esse tempo. Na escola normal que frequentei no final da década de 50 e início da de 60, o maestro Raab ainda alegrava a muitas de nós. Para mim, era um prazer ir para o amplo auditório do Instituto de Educação Manuel Bento da Cruz, de Araçatuba, que abrigava um imponente piano de calda, cantar músicas folclóricas, clássicas e mesmo o hino nacional. Era um desfrute identificar o tom e o timbre da própria voz; fazer o solo, era um privilégio de poucos. O prazer era tanto que saindo das aulas continuávamos a cantar pelos corredores e mesmo pelas ruas da cidade. A alma vibrava, o auto-conceito se elevava, o bem-estar extravasava, contaminando a tantos.
Entendo que esse período de valorização do canto não foi em vão. É possível observar hoje, em visitas pelas escolas de educação básica, as aulas sendo iniciadas pelo canto dos alunos, coordenado por professores de educação artística, outros professores, ou diretores. Se é possível afirmar que o canto ou coral nas escolas sofreu um esmorecimento no avançar da segunda metade do século XX, de tempos em tempos recrudesce com mais vigor, por obra de professores e comunidades.
No presente, tenho conhecimento de que as escolas da rede estadual estão se apresentando em espaços públicos, seu coral enfocando cânticos de Natal. Parabenizo a Secretaria de Estado da Educação pela iniciativa, especialmente porque soube que incentivou a participação não só dos estudantes, como também dos professores e dos pais de alunos e que, para muitas escolas, tal apresentação tem sido motivo de auto-valorização institucional. A acolhida da iniciativa da Secretaria pelas escolas é um sinal de que ela caiu em terreno fértil, ou seja, o desejo da expressão estava latente e o apelo fez rapidamente aflorar a expressão de todos.
MUITO BEM. A leitura da biografia do Maestro Julião e da Professora Hercília levou-me às considerações até aqui proferidas. Elas contêm a defesa da presença das artes na formação de crianças e jovens e, por conseguinte, na formação dos professores para esse nível de escolarização. Aliás, defendo a necessidade da cultura artística e das humanidades em todos os níveis de ensino, inclusive no superior.
Esse posicionamento não é uma novidade na história da educação, nem da universidade. Desde as primeiras dessas instituições, no século XII, os cursos profissionais, como Direito, Medicina e Teologia, iniciavam-se pelo curso de Belas Artes, propedêutico aos demais. Os objetivos da formação universitária ainda hoje propugnam por esse aspecto na formação dos alunos de todos os cursos.
A USP, por exemplo, com os inúmeros museus, sinfônica e teatros que possui, tem incentivado todos os alunos a deles usufruir. Há uma disciplina já registrada no sistema (Atividades de Cultura e Extensão) permitindo aproveitamento de créditos para os alunos. Esses incentivos devem ser ampliados de modo a corrigir a tendência dominante, seja na universidade, seja na escola básica, de mitigar o desenvolvimento da dimensão artístico cultural. O necessário empenho dessas instituições no sentido de possibilitar o acesso à cultura sistematizada e à fruição artística a todos os seus alunos não contempla, todavia, a sua completa tarefa educacional. As instituições formadoras – educação básica ou universidade – têm como finalidade o pleno desenvolvimento dos seus alunos, preparando-os para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Cumprir com a função social das instituições formadoras, hoje, pressupõe conhecimento, por um lado dos alunos, de outro, das características atuais da sociedade na qual estão inseridas, e ainda, do projeto de sociedade que se quer construir, com a participação de seus alunos cidadãos.
Refletir de maneira ampla a respeito dos fins e objetivos da educação para o desenvolvimento integral das pessoas, e o cumprimento da função social das diversas instituições de ensino, parece-me ser que é objetivo da Academia Paulista de Educação.
Esta Academia, fundada em 1970, reunindo educadores com experiência acumulada em diferentes setores é uma instituição cultural a serviço da educação e definiu como seus fins: debater ideias; incentivar estudos a respeito da educação; manifestar-se a respeito das iniciativas dos poderes públicos relacionados com o ensino; estimular o interesse da comunidade pela educação e pelo cuidado com o educador.
Nesse sentido, sinto-me instigada a encaminhar um breve esboço de análise a respeito das instituições escolares, nos diversos níveis de ensino e algumas de suas iniciativas, tendo em vista a premissa da inclusão de todos os brasileiros no sistema de ensino, assim como da inclusão do Brasil na rota de desenvolvimento autossusustentável. Este segundo tipo de inclusão será considerado, tendo em vista que o ensino que a Universidade oferece constitui-se em um dos níveis de escolarização da população, mas, o ensino que realiza, relaciona-se de maneira indissociável às duas outras funções que cumpre – pesquisa e extensão cultural. As três funções – ensino, pesquisa e extensão – articulam-se na busca da consecução dos objetivos da universidade, e, do que, segundo Karl Jaspers, acabou tornando sua missão eterna, ou seja: cultivar a mais lúcida consciência de uma determinada época.
AO PROCURAR COMPREENDER A ATUAL ÉPOCA, junto-me aos que defendem que o caminhar da vida humana não se dá de forma linear, mas em paradoxos, ganhos e perdas, ascensão e decadência, homogeneidade e ruptura, mal-estar e esplendor. Entender o significado e o sentido das perdas e do mal-estar é importante para melhor antever, desejar e preparar o futuro, o caminho novo, o que parece mais justo, mais digno, mais ameno também. Para isso, muitas vezes há que atravessar os dogmatismos, os ceticismos, as profecias apocalípticas e as nostalgias exageradas que colocam obstáculo no caminhar.
Concebendo o espaço privilegiado das instituições escolares na formação geral da população e no desenvolvimento do país, a questão que me parece central é atender não somente ao aumento da escolarização, nas faixas etárias adequadas, como também à sua qualidade, tendo em vista o lugar central do conhecimento na formação da pessoa, sobretudo nos dias atuais. A análise, para ser fiel ao pressuposto dialético, deve contemplar as diferentes relações entre os aspectos quantitativos e os qualitativos, evitando as generalizações fáceis.
AS REALIZAÇÕES E OS PROBLEMAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR
A análise quantitativa do atendimento escolar conta hoje com o apoio de diferentes indicadores, o que – é importante registrar – já representa um sinal de qualidade da educação brasileira, possibilitando estudos comparativos de séries históricas. A constatação mais geral a ser feita sobre os números é a de que a escolarização do brasileiro aumentou, em todos os níveis de ensino. O último censo indica que hoje quase 54 milhões de brasileiros estão estudando (um em cada três). Vejamos, alguns desses dados, por faixa etária e nível de ensino. No tocante à educação infantil, o aumento foi da ordem de 20% (4 para 4,8 milhões) das matrículas, de 1994 a 2001. Esse número está ainda muito abaixo do necessário, sobretudo se pensarmos na faixa etária que vai do zero a seis anos, como é proposto o atendimento no Plano Nacional de Educação. Tendo em vista não só a significativa grandeza do universo das crianças a serem atendidas – mas também – o fato de a responsabilidade do atendimento ser dos municípios, há que se planejar aumentos gradativos dessa tarefa, priorizando-se as crianças de famílias mais necessitadas em termos sócio-econômicos. Em relação ao ensino fundamental, com uma taxa de atendimento de 97% das crianças de sete a quatorze anos, quase universalizamos esse nível de escolarização obrigatório. A bolsa escola e a do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, para as crianças e suas famílias, constituíram-se em políticas que muito ajudaram a alcançar esse patamar de atendimento da população de alunos.
Contrapondo-se a tal aumento, diferentes tipos de avaliação vêm mostrando um nível baixo de aprendizagem dos alunos. Melhores esclarecimentos a respeito do rendimento escolar têm sido alcançados com a implementação da política de avaliação, proposta da LDB (SAEB, para todo o país e SARESP, para São Paulo). Ações de melhoria da qualidade de ensino para o ensino fundamental foram implantadas em todas as esferas administrativas – federal, estadual e municipal – mas é assumida por todos a necessidade de mais empenho nessa direção. Quanto a esse aspecto, é importante salientar que as ações necessárias devem considerar, prioritariamente: os alunos (suas condições de entrada e de permanência), os professores (formação, salário, carreira e condições de trabalho) e as práticas escolares (gestão, organização do ensino e da aprendizagem).
Sem entrar em detalhes a respeito das ações para a melhoria da qualidade de ensino, julgo importante mencionar duas delas. Uma, em nível federal, o FUNDEF – Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental – que valoriza o professor e já promoveu resultados significativos, sobretudo para os docentes que residem nos estados mais pobres. Outra ação, já iniciada por diversos estados e municípios, refere-se à implantação da progressão continuada, ideia proposta na LDB, juntamente com a obrigatoriedade da recuperação de alunos. A progressão tem como objetivo atender a dois tipos da inclusão: permanência dos alunos na escola e o acesso ao conhecimento. O cumprimento desse objetivo pressupõe medidas de reorganização da escolarização em ciclos e, sobretudo, a difícil tarefa de se reverem práticas pedagógicas tradicionais, de maneira a melhor atender a variedade das condições dos alunos que frequentam a escola, sem prejuízo da qualidade de ensino. Embora as dificuldades de se implantar a progressão continuada sejam inúmeras, esperamos que elas não esmoreçam os educadores em perseguir na luta contra uma escola básica menos seletiva, traço da nossa história da educação que sempre nos envergonhou.
Vale lembrar, ainda, a meta inscrita no Plano Nacional de Educação, nessa direção de construção de uma escola inclusiva, compromissada não apenas com a permanência das crianças nas escolas, mas com o seu aprendizado, qual seja: atender em tempo integral as crianças das camadas sociais mais necessitadas. Essa meta reveste-se em desafio para todas as secretarias municipais e estaduais de Educação.
No que diz respeito aos jovens de 15 a 17 anos, passamos de um atendimento de 48% no começo da década de 90, para 78% em 1999 e hoje, provavelmente, em volta de 85%. Ainda que se saiba que parcela dos jovens dessa faixa etária estejam em nível mais baixo de escolaridade, é significativo o aumento das matrículas no ensino médio: 3,500 milhões em 1991 e 7,700 milhões em 1999; aumento de 120%. O número de alunos dessa faixa etária frequentando o ensino fundamental ou programas de educação de adultos teve um aumento de 194% entre 1944 e 2001.
Este fato, ou seja, que parcela significativa dos alunos da faixa etária entre 15 e 19 estão matriculados em cursos diversos do ensino médio, indica a necessidade de colocar esse nível de ensino na prioridade de atendimento nacional. Aqui, lutar pelo aumento quantitativo já é uma política de qualidade da educação. Entretanto, é possível, e altamente necessário, concomitantemente, trabalhar para a melhoria da qualidade de ensino para os alunos que frequentam esse nível de ensino, hoje, parcela significativa das camadas menos privilegiadas.
Felizmente, já há esforços concretos na direção dessa melhoria. As Diretrizes Curriculares, ressaltando a Indicação aprovada pelo Conselho Estadual de Educação, são balizas para um caminho promissor de melhor qualidade. Contudo, políticas complementares são necessárias. Entre as muitas que poderão ainda ser definidas, destaco: subsídios para transporte e alimentação dos jovens (bolsa-escola) e aumento de horas de estudo diário para os alunos, trazendo também para esse nível de ensino a meta que está posta para o ensino fundamental no Plano Nacional de Educação. Tal medida significaria, ainda, uma ação afirmativa na direção do aumento das chances para alunos da escola pública ingressarem nas universidades públicas.
Permeando as questões relativas a toda escola básica, está a valorização do professor, sujeito fundamental para a melhoria do ensino, necessariamente presente numa política educacional. Além da sempre necessária melhoria dos salários (já registrei a importância do FUNDEF como um exemplo nesse sentido), a valorização pode se dar por meio de outras iniciativas, como a formação em nível mais elevado e a formação em serviço. Governos em nível estadual e municipal têm proporcionado medidas nessa direção, tomando como parceiras as universidades. No momento, a USP, juntamente com a UNESP e a PUC desenvolvem programas de formação em nível superior para professores que só têm o curso Normal. Nessa semana cerca de 7000 professores da rede estadual receberão seus diplomas de licenciandos em nível superior, e já teve início o novo curso de graduação para mais 8000 professores das redes municipais. Necessário lembrar que o atendimento de um número tão elevado de professores é possível devido à iniciativa da Secretaria de Educação em realizá-lo por meio de mídias interativas.
Há, também, vários cursos de formação em serviço acontecendo, em parceria entre diferentes Secretarias Municipais de Educação e as universidades paulistas. Um deles, realizado pela USP no momento, também utiliza mídias interativas, de modo a ampliar o alcance da capacitação. São importantes, da mesma forma, incentivos das próprias Secretarias de Educação, computando créditos para iniciativas espontâneas dos próprios professores. Esses estímulos devem, entretanto, ter a contrapartida dos professores, com esforços constantes na melhoria de sua didática, na apreciação do aprendizado de seus alunos e, principalmente, na redução do nível de absenteísmo.
Quanto aos jovens de 18 a 24 anos, os avanços de escolarização ocorridos também são significativos, pois saltamos de 22% do total de atendimento no início dos anos 90 para 33% em 1999 (aumento de 50%). Todavia, igualmente ao que ocorre com a faixa etária anterior, uma grande parte dos jovens desta faixa de idade não está no ensino superior, mas em níveis anteriores de ensino.
Os cursos técnicos e tecnológicos recebem parte dessa população. Entretanto, necessitam de melhor equacionamento para atender a demanda, sobretudo numa época em que os jovens se constituem na faixa etária mais numerosa e mais crítica em termos sociais (dados recentes mostram que o maior número de pessoas que morrem de forma violenta ou que violentam são jovens de 16 a 21 anos). Eis mais uma razão, além das já citadas, para afirmar a importância da função social da escola na difusão dos valores humanísticos.
A expansão acentuada dos cursos técnicos ou tecnológicos superiores, entre os quais a FATEC, representa um excelente exemplo, para permitir uma acentuada melhoria em nível operacional do sistema produtivo nacional, preservando a universidade para formar pessoal com mais ênfase na criação e organização desse sistema produtivo nacional, assim como na geração de novas tecnologias.
No ensino superior cresceu de forma espetacular o número de matrículas: de 1.661.034 em 1944 para 3.030.754 em 2001 (82,46%) de acordo com o último Censo do Ensino Superior. Os números mostram que temos hoje um ensino superior de massa no país, ainda que numa proporção muito menor do que em outros países de nível semelhante de desenvolvimento.
Observando os dados, constata-se a forte presença das instituições particulares na matrícula dos alunos. Por outro lado, as avaliações das condições dos cursos e de rendimento dos alunos (provão), têm mostrado a baixa qualidade de muitos deles.
Torna-se necessário ampliar o debate relativo ao crescimento do ensino superior privado, especialmente com relação aos procedimentos devidos aos casos de má qualidade. Argumentos consistentes e livres de ideologias paralisantes devem orientar esses debates, contribuindo na definição de políticas públicas menos excludentes.
Há que se considerar os movimentos aparente ou concretamente contraditórios. O aumento do número de alunos terminando o ensino médio, criando demanda – fato altamente positivo para a nação – e a quase estagnação da oferta de vagas nas universidades públicas nas últimas décadas, criou o terreno fértil para o crescimento do ensino superior privado. A parcela mais pobre dos alunos egressos do ensino médio, ou os mais velhos, já empregados, compõem a grande parte dos matriculados nas instituições privadas.
Nos últimos anos, as universidades públicas têm realizado esforços para ampliar vagas. Entre outras, a USP tem aumentado o número de alunos nos cursos, criado novos e há hoje proposta de um novo campus em São Carlos, e outro, na zona Leste da capital.
Também deve ser objeto de análises cuidadosas as indicações de que a maior parte das matrículas são do período noturno, de mulheres e uma grande parcela de pessoas mais velhas. Naturalmente, é promissor o fato de que as pessoas mais velhas estejam estudando – indica que está se entranhando na cultura a ideia de educação permanente, tão necessária para enfrentar as rápidas e profundas mudanças no mundo contemporâneo.
Em relação ao nível superior, o último Censo mostra outros dados promissores para a melhoria de sua qualidade: em 1995, 60% dos professores tinham apenas curso de especialização, 24% haviam feito mestrado e 16% tinham doutorado; em 2001, a proporção de docentes apenas com especialização diminuiu para 46%, aumentaram-se os mestres e doutores, trinta e dois por cento e 22%, respectivamente.
As universidades públicas, se estão perdendo espaço no tocante ao número de alunos formados na graduação, certamente constituem-se paradigmas de qualidade da formação. Do mesmo modo, são elas que: formam alunos de pós-graduação em quantidade e qualidade; que fornecem uma quantidade altamente significativa de serviços e atividades culturais e que desenvolvem praticamente toda a criação científica no país. A qualidade de uma das funções ocorre em grande parte pela perfeita articulação entre as demais: ensino, pesquisa e prestação de serviço à comunidade.
UNIVERSIDADE: A FORMADORA DE RECURSOS HUMANOS PARA OS OUTROS NÍVEIS DE ENSINO E SUAS OUTRAS FUNÇÕES (PAPEL DAS UNIVERSIDADES NOS ESFORÇOS DE NOSSOS PAÍSES NA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA)
Cumprir com a função social da universidade, hoje – observando o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão – e desenvolver sua missão, pressupõem profundo conhecimento, e sensibilidade das modificações e atuais características tanto da sociedade na qual cada universidade está inserida, quanto da própria contemporaneidade. A mais arguta compreensão dessa realidade local e global melhor assegurará o nível das propostas de cursos para a formação profissional das novas gerações, em cursos de graduação e de pós-graduação assim como a qualidade da pesquisa gerada.
Presenciamos, atualmente, acentuarem-se dramaticamente as diferenças entre os países centrais e os periféricos, assim como entre os diversos segmentos sociais em um mesmo país. As diferenças referem-se cada vez mais a aspectos relacionados à posse de conhecimentos do que à posse das matérias primas. Os produtos gerados pelas matérias primas de forma crescente agregam mais conhecimentos de natureza tecnológica, que fazem a diferença do seu sucesso.
Análises mostram que tem havido uma reprodução perversa de dependência: nossa incapacidade de investir em inovação tecnológica estimula-nos na direção da venda de produtos com menor volume de agregados e, em contrapartida, à aquisição de produtos mais elaborados.
Nesse complexo cenário, firma-se a indagação: deve, a universidade, privilegiar exclusivamente a criação científica, deixando para os institutos científico-tecnológicos e para as empresas a responsabilidade da inovação tecnológica?
A atuação da Universidade, no caso do Brasil, tem privilegiado a ciência básica, aliás condição necessária para a alavancagem tecnológica. É sabido e motivo de orgulho nacional o fato de o país ter aumentado consideravelmente a participação nas publicações científicas mundiais de reconhecida qualidade, com a expressiva participação de mais de 1,4% atualmente. Entretanto, é também conhecido o fato de tal sucesso não ter sido verificado no campo da inovação tecnológica, onde o nosso número de patentes apresenta um desempenho menos brilhante.
Nos países avançados, as empresas são o principal locus de geração de novas tecnologias. Entretanto, em nosso país, as maiores empresas, as que possuem maior capacidade de investimentos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), são multinacionais e é nos países de suas sedes que se concentram as maiores verbas para pesquisa e desenvolvimento.
É nesse cenário que a pergunta feita em parágrafo um pouco acima neste texto emerge, acrescentando se a riqueza dos recursos humanos existentes no interior das Universidades não poderia compensar essa desvantagem, ou alavancar, de alguma forma, os avanços tecnológicos.
Na USP, e em muitas outras Universidades brasileiras, já existem parcerias com outras instituições na criação das chamadas incubadoras tecnológicas, que têm como objetivo central a utilização, por parte de empreendedores privados, dos vastos recursos laboratoriais e humanos da Universidade. Por outro lado, as novas Agências Reguladoras, que objetivam regular, fiscalizar e orientar as concessionárias dos serviços públicos privatizados, obrigam contratualmente as empresas a aplicar de um a dois por cento do seu faturamento em P&D. Esses excelentes recursos têm estimulado as concessionárias a procurar parcerias com as Universidades, criando-se aí um vínculo de inegável sucesso. Essas e outras iniciativas, como as desenvolvidas no campo da genômica, da proteômica e da vacina contra o câncer, realizadas no país, com a colaboração direta de cientistas da universidade, sugerem um caminho já experimentado com sucesso. Percebe-se, assim, que a universidade é lugar onde estão os recursos humanos mais capacitados (diferentemente de outras nações, por exemplo, os EUA, onde 79% dos cientistas estão nas empresas). Assim, é natural e talvez necessário incentivar essas incursões dos cientistas da universidade no campo da inovação tecnológica, alavancando a produção desse tipo de bem, tão necessário ao desenvolvimento da nação.
Termino minha manifestação nesta cerimônia, desejando que o esboço apresentado, de análise das instituições escolares e do papel específico da universidade entre elas, possa contribuir com a agenda de trabalho da Academia Paulista de Educação, em debater e encaminhar propostas que possam fundamentar com consistência, políticas públicas que atendam os objetivos de inclusão, tanto de todos os brasileiros no sistema de ensino, quanto do Brasil no conjunto de países que mantêm um desenvolvimento autossustentável.
Muito obrigada pela atenção de todos e, mais uma vez, agradeço profundamente a presença de cada um.”
Sonia Teresinha de Sousa Penin