Cadeira nº 6 – Márcia Lígia Guidin
TITULAR
MÁRCIA LÍGIA GUIDIN
Cadeira 6
Titular
Márcia Lígia Dias Di Roberto Guidin nasceu em São Paulo, no bairro do Tatuapé, em 22/6/1950. Cursou desde o Jardim da Infância até o Ensino Médio (Curso Clássico) no Instituto de Educação Padre Anchieta no Brás, uma das escolas estaduais- padrão, até aos anos 1970. É graduada também em Música (piano) pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (1969). Cursou um ano de Direito no Largo de S. Francisco, da USP, mas decidiu prestar outro vestibular para Letras na FFLCH da USP, onde cursou a graduação em Letras Anglo-Germânicas até 1971. Licenciou-se pela Faculdade de Educação da USP. Formada, foi dar aulas em Ensino Médio regular, nas escolas do Estado, mas logo passou a lecionar em cursos de Madureza e Supletivo. No curso Santa Inês, trabalhou 8 anos como professora de língua portuguesa e literatura, e foi coordenadora de unidade.
Em 1985, iniciou o mestrado em Literatura Brasileira na FFLCH da USP, sob a orientação de José Miguel Wisnik, tendo produzido uma tese sobre as relações entre feminino e morte em obras de Clarice Lispector, com destaque para a última obra da escritora, A hora da estrela. Em 1990, inicia o doutorado na mesma faculdade, e sob a mesma orientação, tendo então estudado a velhice na obra de Machado de Assis, numa tese chamada Armário de vidro, depois transformada em livro em 2000.
Construiu sua carreira acadêmica como professora de Teoria Literária e Literatura Brasileira, na UNIP, onde se aposentou em 2006, como Professora Titular. Foi professora de graduação e pós-graduação da Universidade são Marcos e Docente Convidada do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, onde lecionou Edição de Texto e Literatura Brasileira (até 2002). Trabalhou também na Folha de S. Paulo (2000), onde foi professora Consultora da Redação. Exerceu simultaneamente a atividade de editora externa para algumas casas editorias paulistas, como Ática e Martins Fontes. Editou, traduziu e várias obras, e coordena algumas coleções de obras paradidáticas no mercado editorial paulistano.
Atualmente é palestrante e editora executiva da Miró Editorial, faz coach para escritores e integra a Comissão Organizadora do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, da qual faz parte sua empresa. Tem um programa da Radio USP-FM “Que tal seu português?”, onde comenta questões de língua portuguesa e literatura brasileira. É crítica literária do Jornal Rascunho. Dentre suas várias publicações, de obras e ensaios e traduções, destacam-se:
A Hora da Estrela, de Clarice Lispector. São Paulo: Editora Ática, 1996
Poesia Indianista de Gonçalves Dias São Paulo, Martins Fontes, 2000
Armário de Vidro – Velhice em Machado de Assis. São Paulo, 2000. Nova Alexandria 2000.
Eram cinco. (trad.) São Paulo, 2005. Cosacnaify. (Prêmio Altamente Recomendável FNLIJ).
Verbos sob Medida, Editora Nova Alexandria, 2006
Machado de Assis – Ensaios da Crítica Contemporânea 2006 (org), Edit. Unesp.
Eva Furnari e seus encantamentos. São Paulo, Moderna, 2010 (Edição especial).
Márcia Lígia Guidin desenvolve há anos um trabalho de preparação e atualização do professora do português para várias entidades. Acredita que sem professores bem formandos não haverá escolas de alta qualidade em qualquer nível.
PATRONO
ROLDÃO LOPES DE BARROS
Cadeira 6
Patrono
Filho de José Lopes de Barros e de D. Gertrudes Ferreira de Souza Barros, Roldão Lopes de Barros nasceu em São Paulo, em 30 de janeiro de 1884 e faleceu em 1951 Ingressou no jornalismo, trabalhando na “Tribuna” de Santos. Bacharel em Ciências Políticas e Sociais. Foi um dos professores do antigo Instituto de Educação da Praça, que foi transferido para o Departamento de Educação (curso de Pedagogia), da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (criada em 1938) da Universidade de São Paulo (criada em 1934).Depois, este departamento tornou-se a Faculdade de Educação da USP.Em 1935, ainda no Instituto de Educação, e convidado para reorganizar várias escolas do Estado, inaugurou os estudos de Administração Escolar.No curso de Pedagogia da USP, exerceu os seguintes cargos: Catedrático de História da Educação (1938-1941);Catedrático de História e Filosofia da Educação (1942-1953); professor interino da cadeira de Administração Escolar e Educação Comparada (1947-1953).
Segundo sua biógrafa, a pesquisadora Hebe Boa-Viagem Costa, o professor viria a destacar-se em sua vida escolar precocemente. Seus professores o admiravam tanto, no Colégio Coração de Jesus, onde estudava, que pensaram encaminhá-lo ao sacerdócio. Para tristeza do estudante, mas sorte de seus futuros alunos, o jovem teve de interromper os estudos formais para trabalhar. Com espírito autodidata, porém, estudou várias línguas, sobretudo o francês, que falava e escrevia perfeitamente.
“Era funcionário da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, mas, graças à sua cultura geral, pôde também dedicar-se ao jornalismo, e passou a escrever para o jornal A Tribuna de Santos, onde morava, e para o Jornal O Correio Paulistano, que, como se sabe, foi o primeiro jornal diário da cidade de São Paulo.
“Mesmo trabalhando em Santos, cursou com esforço o Ensino Médio na Capital, na “Escola Normal da Praça”, que hoje conhecemos como Escola Estadual Caetano de Campos. Roldão, destacado-se novamente aos olhos de seus professores, recebeu um convite para ser docente da cadeira de Pedagogia. Estava lá o começo da nova profissão.”
Em 1919, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo e casou-se. Do casamento teve vários filhos, mas foi advogado apenas por alguns meses, pois a vocação era mesmo o magistério, ao qual passou a se dedicar integralmente. Graças à facilidade com línguas, passou a corresponder-se com especialistas em educação, europeus e norte-americanos. As ideias renovadoras que surgiram desse intercâmbio viriam a ser discutidas também aqui com outros intelectuais brasileiros, os quais desejavam fazer profundas mudanças na educação vigente: era esse o começo das reflexões e estudos para a Escola Nova. Roldão reunia-se com Fernando de Azevedo, Antonio Sampaio Dória, Oscar Freire de Carvalho, Lourenço Filho e outros apurados pesquisadores.
Em 1920, foi convidado pelo Presidente do Estado, Washington Luiz para reorganizar e ampliar a Escola Normal do Brás, ou seja, o Instituto de Educação Padre Anchieta, que, existente desde 1913, veio a se tornar, graças à sua orientação de técnicas modernas de ensino, uma das grandes “Escolas- Padrão” da cidade e do estado. Foi a intervenção certeira de Roldão que criou a possibilidade de muitas gerações terem, nessa escola, uma educação sólida e rigorosa.
Roldão Lopes de Barros lecionava na Caetano de Campos e treinou um grupo de intelectuais a intensificar a luta pela formação do aluno e, especialmente, do professor de crianças, bem formado pelas escolas normais. A escola tinha por objetivo, além do aperfeiçoamento de professores e da divulgação da cultura em geral, também a preparação técnica para inspetores, delegados e diretores de ensino; ou seja para a cadeia pedagógica inteira.
Em 1932, veio à luz, como se sabe, o célebre manifesto, elaborado por Fernando de Azevedo, A Reestruturação Educacional no Brasil. Nesse documento estavam as bases filosóficas doutrinárias da Escola Nova, que já vinham orientando a reestruturação educacional no estado. Entre os signatários desse documento, estava Roldão Lopes de Barros.
O Instituto de Formação e Educação da Praça, acabou, na década de 40, incorporado à USP, e veio a se transformar na Faculdade de Educação que hoje conhecemos. Roldão Lopes de Barros foi o primeiro Titular da Cadeira de História e Filosofia da Educação – cargo que ocupou até sua aposentadoria. E, nessa faculdade eu também tive o privilégio de estudar. Após o bacharelado, foi a Faculdade de Educação da USP que me licenciou para o magistério. Roldão lutava pela educação completa e sobretudo pela educação de professores: seu lema era ensinar a ensinar.
ANTECESSOR
LAURA DE SOUZA CHAUI
Cadeira 6
Antecessor
Em maio de 2010, a biografia de Laura de Souza Chaui foi enviada por e-mail, por Marilena Chaui, sua filha, que a redigiu, à professora Márcia Lígia Guidin, atual titular da Cadeira 6, oferecida para ajudar no discurso de posse da nova titular . Sua publicação integral foi autorizada pela professora Marilena Chauí, e segue ipsis litteris .
“Minha mãe nasceu a 9 de julho de 1914 no Engenho de Açúcar Souza Mattos, de propriedade de sua família, no município de Montes Claros, no Estado da Bahia. Com a idade de 5 anos, veio para o Estado de São Paulo com a família, passando a residir no interior, em Pindorama, onde seu avô, Rogaciano, adquiriu um sítio e seu pai, Sebastião, na qualidade de Juiz de Paz, recebeu o Cartório de Paz da região. Veio, portanto, de família abastada e ligada às letras. A mãe morreu muito cedo e foi criada pelos avós, Rogaciano e Maria Florência (em casa, conhecidos como Padrinho e Dindinha, que a apelidaram de Pombinha).
Dos 7 aos 10 anos, freqüentou o Grupo Escolar de Pindorama, tendo sido a primeira aluna de sua turma do primeiro ao quarto ano escolar. Preparou-se para o exame admissão ao ginásio, passando também em primeiro lugar no Instituto de Educação Barão do Rio Branco, na cidade vizinha a Pindorama, Catanduva. Iniciou o curso ginasial em 1925, aos 11 anos, e foi, como sempre, a primeira aluna de sua turma durante os quatro anos ginasiais, vencendo, assim, um preconceito difuso que identificava os baianos com ignorância. Em seguida, cursou, no mesmo Instituto, a Escola Normal, concluída em 1931, aos 17 anos, também como primeira aluna da turma. Formou-se normalista ou professora primária no Instituto de Educação Barão do Rio Branco, Catanduva.
Por ter sido a primeira aluna da turma durante o ginásio e a Normal, recebeu como prêmio de formatura um lugar como professora no que, na época, se chamava “escola isolada mista”: tratava-se de uma escola primária na Fazenda Santa Olga, no município de Pindorama. A “escola isolada mista” possuía uma única professora, que lecionava para os quatro anos do curso primário. Minha mãe dava aulas para todas as séries, alfabetizou crianças e preparou algumas delas para o exame de admissão ao ginásio (todos os alunos que prestaram o exame foram aprovados). Por esses méritos, minha mãe recebeu, em 1936, sua primeira cadeira numa escola pública estadual, o Grupo Escolar de Pindorama.
Em 1940, minha mãe se casou com meu pai, Alberto Chauí. Este, que havia morado em Pindorama, agora morava na capital e minha mãe solicitou uma licença sem vencimentos, mudando-se com o marido para São Paulo, onde, em 1941, eu nasci. Com a morte de meus avós paternos, meu pai decidiu retornar ao interior do Estado. A família se mudou para Catanduva onde, em 1942, nasceu meu irmão, Alberto Francisco.
Em 1943, regressamos a Pindorama, onde minha reassumiu sua cadeira no Grupo Escolar e, por suas qualidades pedagógicas e didáticas, foi sempre colocada como professora do quarto ano, considerado, na época, o ano escolar mais importante. Dividia suas atividades com o Grupo Escolar, a preparação de alunos para o exame de admissão ao ginásio e os cuidados com a família (além dos dois filhos, cuidava de minha bisavó e de uma irmã caçula). Era muito ativa: recebia a Revista da Educação, iniciada por Sud Mennucci, mantendo-se sempre atualizada nas questões de ensino; era a dirigente do Orfeão Escolar e encarregada das festas cívicas e de diplomação de final do curso primário. Era participante entusiasta das atividades da Igreja local, organizando quermesses e festividades sacras. Foi sócia-fundadora (juntamente com meu pai) do Pindorama Club (ela e meu pai eram chamados de “pé de valsa” porque gostavam muito de dançar e dançavam muito bem), no qual organizou uma biblioteca voltada para obras de ficção e poesia – foi a primeira (e única) biblioteca de Pindorama.
Em 1952, preparou-se para o concurso para Diretoria de Escola, tendo sido aprovada (foi a décima colocada num concurso com 210 candidatos). Escolheu, então, sua primeira diretoria, na pequena cidade de Paraíso, próxima de Pindorama. Em seguida, pela contagem de pontos, conseguiu escolher um Grupo Escolar de maior porte, no vilarejo de Pedranópolis, próximo de Votuporanga e Fernandópolis. Pedranópolis era distante: aos domingos, às 17h, minha mãe tomava um trem que, 12 horas depois, a deixava em Votuporanga; dali, durante a madrugada, tomava um ônibus que a levava, durante 3 horas, a Fernandópolis e, depois, durante 1 hora, por uma precária estrada de terra, chegava a Pedranópolis. Pedranópolis possuía três ruas de terra, uma Prefeitura e o Grupo Escolar. O Grupo Escolar não possuía água encanada nem eletricidade, assim como não possuía o que, na época, se chamava Caixa Escolar, isto é, o atendimento dos alunos mais pobres, que recebiam do governo o material escolar. Em um ano, batalhando junto às prefeituras de Fernandópolis e Votuporanga, minha mãe conseguiu verbas para instalar a água encanada, a eletricidade e a Caixa Escolar e uma pequena biblioteca escolar! Em suma, batalhou seriamente por sua escola junto às prefeituras e à Delegacia de Ensino de Fernandópolis para conseguir benfeitorias que sempre julgou um direito de professores e alunos. Por essas ações, recebeu o título de Cidadã Honorária de Pedranópolis e quando, dois anos depois, deixou o lugar, a cerimônia de despedida teve tantas lágrimas que daria para fazer um lago! Pela contagem de pontos, minha mãe conseguiu escolher uma escola próxima de Pindorama, na cidade de Elisário, onde foi diretora do Grupo Escolar durante três anos e ali também não queriam de jeito nenhum que ela fosse embora. Mas nos mudamos para São Paulo, em 1956.
Com o casamento de sua irmã, a morte de sua bisavó e o convite recebido por meu pai (que era editor-chefe do jornal A Cidade, de Catanduva) para um jornal na capital, minha mãe concordou em que nos mudássemos para São Paulo. Minha mãe escolheu a diretoria do Grupo Escolar de Vila Jacuí, no zona leste da cidade, na região de São Miguel Paulista. Naquele tempo, a Vila Jacuí era o “fim do mundo”. Morávamos no bairro da Liberdade e minha mãe saía de casa, todos os dias, às 5 h. da manhã, tomava um ônibus até a Praça Clóvis Bevilácqua, que a deixava, 2 horas depois, numa encosta de terra por onde subia a pé para chegar ao Grupo Escolar (em dias de chuva, a encosta era própria para esquiar!). O Grupo era parte de uma série de grupos escolares erguidos pelo prefeito Jãnio Quadros: eram barracões cobertos de telhas de lata, tórridos no verão e gelados no inverno, as vozes dos professores ecoando pelas salas dos outros. Você já pode avaliar o que Dona Laura “aprontou”! Na Vila Jacuí estava uma das indústrias da Votorantim, dos irmãos Ermírio de Morais. Minha mãe conseguiu que fizessem doações de tijolos, telhas, areia e cimento e reconstruiu o Grupo Escolar, com a ajuda de pais de alunos, que eram pedreiros, carpinteiros, eletricistas, encanadores! Criou uma pequena biblioteca e conseguiu a Caixa Escolar, evidentemente. Mas o feito mais importante foi o seguinte: região operária muito pobre, na Vila Jacuí viviam famílias com filhos com deficiência mental. Essas crianças ou perambulavam pelas ruas enquanto os pais trabalhavam ou iam para o Grupo Escolar, onde permaneciam anos sem nada aprender. Minha mãe, adepta dos princípios da Escola Nova, conseguiu, com a Delegacia de Ensino, que fosse instituída uma classe especial para essas crianças, com uma professora especializada. Não posso descrever a emoção dos pais quando, um ano depois, num fim de semana, foram convidados a vir à escola para ver os filhos alfabetizados e realizando uma pequena gincana sobre os conhecimentos adquiridos…
Em 1958, minha mãe foi aprovada nos exames para o Curso de Administração Escolar, do Instituto Caetano de Campos (entrou em primeiro lugar e, no final do curso, também obteve o primeiro lugar). Durante dois anos ficou licenciada. Em 1961, escolheu o Grupo Escolar Maria Zélia, no Belém, e, dois anos depois, um Grupo Escolar na Vila Prudente que, na sua gestão, recebeu o nome de Grupo Escolar Zuleika da Costa Aguiar. Finalmente, uma bela escola, com jardim e pomar, salas de aula amplas e arejadas, setor administrativo completo! Merecido.
Era intenção de minha, antes da aposentadoria, prestar concurso para Delegada de Ensino, concluindo a carreira. Mas, então, minha vida atrapalhou a dela. Depois de minha tese de mestrado, fui escolhida como professora do Departamento de Filosofia da USP. Essa escolha implicava em fazer curso de aperfeiçoamento na França (uma tradição de meu Departamento). E eu tinha duas crianças pequenas. Fui para a França com as crianças, mas não era possível seguir cursos, ir a bibliotecas e iniciar a redação de minha tese de doutoramento tendo que cuidar dos filhos pequenos (minha filha ainda usava fraldas!). Minha mãe decidiu aposentar-se e cuidar de meus filhos. Foi à França e trouxe a crianças de volta para o Brasil, cuidando delas durante quase dois anos. Sem minha mãe, eu não teria feito o doutorado, não teria feito minhas outras teses (pois durante a redação de cada uma delas, ela ficou com meus filhos), não teria uma carreira. Ela não concluiu a dela para que eu pudesse ter a minha… Meu irmão e eu sabemos que não teríamos sido nada nem feito coisa alguma se não fosse pela dedicação absoluta de minha mãe. Ela esteve presente em todos os momentos de nossas vidas, nas alegrias e nas tristezas, dificuldades e desesperos. Nada do que, um dia, fizemos por ela (quando adoeceu) se aproxima do que ela fez por nós. Exigente com nossos estudos e nossos costumes, severa quando necessário, desprendida, responsável até o exagero (nunca faltou absolutamente nada para mim e meu irmão, mesmo que fosse às custas de privações para ela e meu pai, privações que desconhecíamos e de que viemos a saber somente quase trinta anos depois), companheira fiel de todas as horas, guia e conselheira, generosa, inteligente, vivaz, cultivada: eis minha mãe.
Depois da sua aposentadoria e de minha volta da França para o Brasil, minha mãe decidiu ocupar-se novamente fora das atividades domésticas. Em companhia de meu pai, passou a trabalhar no jornal Diário de São Paulo, onde possuía uma coluna diária de aconselhamento, chamada Cantinho do Coração. Foi um sucesso. Choviam cartas de toda parte. O jornal queria lhe dar mais espaço, mas ela recusou porque começara uma outra atividade que, aos poucos, iria tomar todo seu tempo e a fez deixar o jornalismo: tornou-se membro do Cursilho da Cristandade e diretora do Encontro de Casais com Cristo, na Igreja de Santa Teresa, organizando, dirigindo e supervisionando os numerosos encontros de casais. Um dos pontos importantes da atividade era a preparação de textos para serem lidos para os participantes; eram textos em que se combinavam questões religiosas e afetivas, para o aconselhamento dos casais – para isso, minha mãe dedicou-se ao estudo da Bíblia e da História Sagrada, bem como de psicologia e filosofia. Minha mãe escreveu inúmeros textos e fez inúmeras conferências (não tenho os papéis porque penso que ela os entregava à direção do Cursilho). Como participante do Cursilho, integrou- se a um grupo de senhoras que, semanalmente, realizava trabalhos na AACD. Essas atividades se combinaram com uma outra, quando se tornou membro da Liga das Professoras Católicas de São Paulo.
Minha mãe sempre foi sócia do Centro do Professorado Paulista, recebendo todo o material produzido ali, e sempre teve grande estima por Sólon Borges dos Reis, mas nunca teve uma atividade no interior do Centro. Ao contrário, quando se tornou membro da Liga das Professoras Católicas, logo passou a participar ativamente da vida da associação, vindo a se tornar sua presidente durante três gestões (e não foi reeleita para uma quarta porque impediu que apresentassem seu nome). Uma das primeiras atividades que realizou foi, em companhia de meu pai, a transformação do Boletim de Notícias da Liga num jornal, O Anchieta. Jornal mensal, trazia um editorial escrito por minha mãe (em geral sobre assuntos de educação), continha artigos e poemas das associadas e de convidados, notícias sobre educação, agenda da programação mensal da associação. Tornou-se uma referência importante para os associados. Em seguida, conseguiu que as anuidades e mensalidades dos sócios pudessem ser usadas para uma reforma e revitalização do edifício da colônia de férias, em São Vicente, que voltou a operar a pleno vapor. Reorganizou ou ampliou a biblioteca da Liga. E instituiu uma forte agenda cultural, com palestras de associados e convidados, mesas-redondas sobre assuntos educacionais polêmicos, saraus musicais e literários, comemoração das datas cívicas. O número de associados aumentou (triplicou) e antigos associados voltaram à Liga, que se tornou um pequeno centro cultural.
Em todas essas atividades, minha mãe sempre foi uma ferrenha defensora da Escola Normal e sempre julgou que a queda da qualidade do ensino primário decorria do fim das normalistas, que, como se sabe, recebiam formação esmerada em língua e literatura brasileira e portuguesa, inglês, francês, sociologia, história universal e do Brasil, geografia geral e do Brasil, psicologia, pedagogia e didática. Minha mãe também foi forte defensora da Escola Nova, cujos princípios procurou aplicar não só como professora, mas também nas escolas em que foi diretora. Eu me lembro de muitos dos discursos que ela fez em festas cívicas e de diplomação de fim de curso em que apresentava reflexões sobre a educação (não tenho os textos e ela não os publicou porque naquele tempo não se publicava quase nada, sobretudo de professoras primárias!).
Além do Centro do Professorado Paulista, do Cursilho da Cristandade e da Liga das Professoras Católicas, minha mãe também foi convidada pelos Cavaleiros e Damas de São Paulo a fazer parte de sua associação, tornando-se uma Dama de São Paulo e usando a longa capa branca nas festividades de 9 de julho (dia de seu aniversário também). (não sei quais eram as atividades da associação).
E, finalmente, tornou-se acadêmica. Para ela, foi a culminância de uma vida dedicada à educação. Para nós, uma honra merecida. Você não pode imaginar a empolgação que ela sentia com as sessões da Academia e como voltava entusiasmada com os novos amigos e cheia de novas ideias.”
Laura de Souza Chauí faleceu em 2008.
FUNDADOR
MARIA DO CARMO DE GODOY RAMOS
Cadeira 6
Fundadora
A professora fundadora da cadeira de número 6 da Academia Paulista de Educação nasceu em 5 de julho de 1903, em Serra Negra, São Paulo. Foi presidente do Movimento de Arregimentação Feminina (MAF) e da Liga do Professorado Católico. Participou de inúmeros congressos e eventos de educação, ressaltado o Congresso Nacional de Educação e Cultura e o Congresso Estadual de Educação. Faleceu no dia 22 de dezembro de 1988, em São Paulo, capital.