Artigo – Sistema dual de aprendizagem
Por Nacim Walter Chieco, Membro da Academia Paulista de Educação.
Releio o artigo do ciclista Michael França “O Brasil pode aprender com a educação suiça?”, publicado na Folha de S. Paulo, de 12 de novembro de 2024, p. A19. Menciono “ciclista”, pois esse é o início da qualificação do autor, talvez para ressaltar uma rara ocorrência de esportista intelectual. Enfatizo, também, que leio-o sempre, pois aprecio o seu estilo e abordagens.
No citado artigo, porém, resultante de visita à Suiça patrocinada pela Fundação Lemann, pisou na bola (usando uma conhecida figura de linguagem futebolística). Observou e enalteceu o sistema dual de formação profissional naquele país. Desconsidera que o Brasil conhece e pratica tal sistema há cerca de oito décadas.
A interrogação do título do artigo ameniza o provável desconhecimento do autor dos meandros da educação profissional no Brasil, particularmente da aprendizagem profissional. Faço aqui uma brevíssima nota sobre essa importante estratégia formativa.
Desde o início do século passado foram criadas e oficializadas as Escolas de Aprendizes e Artífices em nosso país. Por exemplo, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, o conhecido LAO, tem presença marcante na formação de renomados artesãos e na produção de relevantes obras arquitetônicas e plásticas nesta Capital.
Na década de 40, ainda sob o Estado Novo, foram criados os Serviços Nacionais de Aprendizagem, o Senai da indústria e o Senac do comércio, destinados a formar trabalhadores para os setores produtivos. No caso da indústria, as empresas eram obrigadas a matricular e manter cotas de aprendizes no Senai. Era uma forma de induzir o atendimento à demanda de mão de obra qualificada para a indústria em expansão, em consonância com a política de substituição de importações por ocasião da Segunda Grande Guerra. Nessa época ficaram seriamente prejudicadas a importação de produtos industrializados e a migração de profissionais capacitados, principalmente europeus. Os referidos Serviços cresceram, evoluíram e se consolidaram como relevantes provedores de qualificação profissional de trabalhadores no Brasil. São internacionalmente respeitados e reconhecidos.
O Senai de São Paulo foi estruturado e organizado, não por acaso, pelo engenheiro e professor suíço Roberto Mange. Ele trouxe para o Brasil a experiência e tradição suíças de aprendizagem, sob o pressuposto do “aprender fazendo”. Teoria e prática indissolúveis. E houve, desde o início e até hoje, parcerias de aprendizagem dual, principalmente com empresas suíças e alemãs, com diferentes combinações de dias da semana de aprendizagem na escola e outros dias na empresa. Caracteriza-se, assim, o sistema dual como a aprendizagem desenvolvida na escola durante um período semanal e a prática profissional curricular em outro período em ambiente real de trabalho na empresa. Tal estratégia não se disseminou por razões de políticas de recursos humanos e de custos das empresas no Brasil.
No ano de 2000, a obrigatoriedade de cota de aprendizes, de 5 a 15% do quadro de trabalhadores qualificados de cada estabelecimento, foi legalmente estendida aos demais setores produtivos. Outras entidades e organizações similares passaram a oferecer aprendizagem. Essa modalidade formativa é um um instituto jurídico que associa estruturalmente formação e emprego de jovens de 14 a 24 anos. Atualmente, há projeto de Estatuto do Aprendiz tramitando no Congresso Nacional.
Uma coisa é certa, nossa tradição cultural ainda é fortemente bacharelesca, como muitos estudiosos já demonstraram. Diferente do espírito de valorização das profissões não universitárias nos países europeus. Nisso o mencionado artigo clama e acerta. Temos de mudar radicalmente a forma de encarar as profissões que não requerem o ensino superior. Passo essencial para superarmos a condição de pais predominantemente produtor e fornecedor de comodities primárias sem valor agregado. Não significa que, nesse campo, estão errados o agronegócio e a mineração. Devem continuar e expandir a produção e oferta de produtos mundialmente demandados. A indústria precisa avançar vigorosamente em diversificação, em produtividade e em inovação tecnológica e organizacional. Nessa linha, a educação profissional, incluída a aprendizagem, constitui suporte indispensável das políticas públicas de desenvolvimento econômico e social da nação brasileira.