Artigo – Hora de pôr em prática mudanças no ensino médio
Não há tempo a perder. Nossos jovens não são ‘nem nem’. Estão ‘sem sem’: sem boa escola e sem oportunidades de vida
Por Maria Helena Guimarães, Katia Smole e Mendonça Filho
Sancionada a lei que institui a política nacional do Novo Ensino Médio, alcançamos um formato que, com ajustes, atende aos anseios e às necessidades dos jovens que estão ou ingressarão na etapa final da educação básica, bem como respeita o trabalho iniciado em 2019, a revisão dos currículos pelos estados. Agora, o ensino médio terá conexão e integração com a formação técnica profissional, que articula o desenvolvimento integral, competências para o trabalho e flexibilidade curricular, valorizando o protagonismo do jovem na escolha dos itinerários formativos, com a Base Nacional Comum Curricular.
A tarefa não é simples, tem múltiplas facetas para alcançar um objetivo maior: a implementação e o sucesso esperado. Sim, porque o sucesso é ter o estudante matriculado e aprendendo na escola, superando o fracasso histórico que, com raras exceções, é a marca registrada dessa etapa. Temos de tornar as mudanças realidade. Haverá dúvidas, mas temos bagagem e empenho para trabalhar de forma coletiva e colaborativa — esferas do poder público e organizações da sociedade civil.
Para que os alunos vivenciem logo as mudanças, as novidades começam para as turmas que chegam à 1ª série em 2025 (e, em 2026 e 2027, para as 2ª e 3ª séries, respectivamente), até que todos tenham carga horária de formação geral de 2.400 horas, contemplando as quatro áreas do conhecimento, e possam optar entre quatro itinerários formativos. Para os jovens da educação técnica profissional, a lei assegura 2.100 horas de formação geral e 300 flexíveis e vale o mesmo: mudanças a partir de 2025 para a 1ª série.
De saída, a implementação dos ajustes na lei exige rever as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e, a seguir, as orientações que apoiam as revisões dos referenciais curriculares estaduais. O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem um trabalho intenso pela frente, bem como os conselhos estaduais e distrital de educação. E também as secretarias e escolas, que terão, usando como base o que for definido pelo CNE, de adequar as normas regionais, referenciais e matrizes curriculares, reformular os itinerários, orientar a escolha pelos jovens, organizar processos de formação para professores e rever os materiais didáticos, de modo integrado para que as adequações sejam feitas de forma coerente e consistente. Ao Ministério da Educação, cabe estabelecer diretrizes para os itinerários formativos e apoiar as unidades da Federação técnica e financeiramente.
A definição da matriz e formato do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que entra em vigor em 2027, precisa ser concluída até o fim de 2025 para que as escolas preparem bem os estudantes. É um ponto nevrálgico. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) será um dos responsáveis por colocar o Novo Ensino Médio em pé de verdade. O veto ao artigo que possibilitava ao Enem avaliar os itinerários formativos poderá estimular a manutenção de vestibulares tradicionais focados na formação geral. Com isso, a possibilidade de escolha de itinerários de educação profissional e tecnológica é prejudicada, e as escolas poderão priorizar só a formação geral, mantendo a lógica do ensino médio tradicional.
Estão em curso ações do MEC para apoiar os estudantes, com programas de incentivo de permanência na educação básica, incentivo às políticas de tempo integral e propostas para o ensino médio noturno. Mas é preciso um sólido regime de colaboração entre e com os entes federados e um bom plano de ações. Não há tempo a perder. Nossos jovens não são “nem nem”. Estão “sem sem”: sem boa escola e sem oportunidades de vida. Fazê-los ter um projeto é a principal aposta desse ensino médio. Não é possível falharmos nisso, não mais.
*Katia Smole, diretora executiva do Instituto Reúna, foi secretária da Educação Básica do MEC, Maria Helena Guimarães é titular da cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação e Avaliação Educacional, Mendonça Filho, deputado federal, foi ministro da Educação.
Artigo publicado originalmente no jornal O Globo. Leia aqui.