Artigo – Como nasceu a Academia Brasileira de Letras
Por Renato Nalini
A gloriosa ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS não nasceu grande. Mas nasceu sob as bençãos de alguém gigante: MACHADO DE ASSIS. Ele a presidiu desde o nascimento, corporificou-a, emprestou a ela a sua circunspecção e prestígio.
Ele entendia e reiterava que a Academia deveria ser uma casa de boa companhia. O critério das boas maneiras, da absoluta respeitabilidade pessoal não podia ser abstraído dos requisitos essenciais para que ali se pudesse entrar. Por isso é que, diante da insistência de alguns colegas para que nela tivesse acesso um poeta, de notório talento, mas de temperamento desabusado, Machado se fazia de desentendido. Diante da teimosia dos companheiros em patrocinar esse nome, o bruxo levou o grupo até uma cervejaria onde estava um quadro, meio-retrato, meia caricatura, do pretenso candidato a segurar uma caneca de cerveja. Foi assim que, durante o restante da vida de Machado, não mais se falou em candidatura de Emilio de Menezes.
O prestígio e sucesso da Academia Brasileira de Letras eram a preocupação do Mestre. Ele não era sociável. Ao contrário, de difícil familiaridade. Polido, atencioso para com todos, tinha muito limitado círculo de relações de visita. E mesmo estas, confinadas ao seu bairro, dentro do pequeno raio da casa em que viveu.
Em 1887, dez anos antes do surgimento da Academia, fundou-se no Rio o Grêmio de Letras e Artes. Machado foi eleito seu presidente. Declinou da honra, alegando, em carta de 28.3.1887, que pertencia à Diretoria do Clube Beethoven, cujos Estatutos não permitiam que seus diretores fizessem parte da Diretoria de outras associações.
O Clube Beethoven foi uma sociedade musical integrada por meia dúzia de amadores executantes de música de câmara. Reuniam-se para palestras e realização de concertos de música, para seu exclusivo regalo.
Não havia no Rio sociedades literárias. Aquela que se quis formar, chamada Grêmio, não contou com a participação de Machado. Entretanto, era ele que congregava os escritores nas conversas informais de fim de tarde. Em 1897 funda-se a ABL. Veio com prognósticos de estabilidade e permanência. Contrariamente à sua índole, Machado não recusou coisa alguma do que se lhe pediu para a nova agremiação. Tomou parte efetiva e eficiente nas reuniões preparatórias. Contribuiu para a elaboração dos Estatutos e do Regimento Interno. Aceitou com boa vontade a presidência que se lhe destinou. Nessa primeira diretoria, coube a Joaquim Nabuco o posto de Secretário-Geral e de Rodrigo Octávio se fez o 1º Secretário.
Foi um início de modéstia. Não havia patrimônio de espécie alguma. Carecedora de tudo, não tinha casa que desse abrigo a uma existência meramente espiritual. Machado de Assis não arrefeceu em sua confiança. Não desanimou. Acompanhou-a em sua pobreza franciscana e na peregrinação em busca de um pouco. Morreu sem ter a satisfação de ver a Academia enriquecida pela generosa doação do Livreiro Francisco Alves.
Francisco Alves era homem de poucas palavras. Brusco, mas sincero, leal e profundamente honesto. Sem herdeiros necessários, preocupava-se com o destino de seus bens, que aliás, não haviam tomado o vulto final.
Em 1917, faleceu em virtude das consequências para um diabético de uma fatídica queda. Na descrição de Rodrigo Octávio, “o velho trabalhador paciente e incansável, modesto e sóbrio, que vira correrem-lhe os dias todos da sua vida, sem exceção de um só, na monotonia da mesma luz mortiça, sem revérberos e sem clarões, debruçado à mesa simples de trabalho, no fundo abarrotado do seu armazém ou num despido quarto de hotel, que jamais se permitiria o desperdício de uma festa ou o luxo de uma gravata de cor, afundava na morte num inimaginável esplendor de prodigalidade”.
Herdeira de enorme acervo, bibliográfico e de recursos financeiros, a Academia pode dar prumo à sua vida e, ainda por outro bafejo da sorte, viu avolumar-lhe o patrimônio a doação do Governo Francês do verdadeiro palácio de sua sede, o “Petit Trianon”.
Antes disso, a Academia peregrinou pela pequena sala da Revista Brasileira, na rua Nova do Ouvidor, depois pelo “Pedagogium”, velho casarão da antiga Secretaria da Justiça, em seguida esteve na Biblioteca Fluminense e o escritório de advocacia de Rodrigo Octávio, à rua da Quitanda, 47. Começo bastante diverso do esplendor que hoje glamouriza a poderosa Academia Brasileira de Letras, cujo anjo tutelar continua sendo José Maria Machado de Assis.
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Renato Nalini é membro da Academia Paulista de Educação, foi Secretário Estadual de educação em SP e atualmente ocupa o cargo de secretário executivo de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo.