Artigo – A saga dos Carbonari
O Acadêmico José Renato Nalini, Titular da Cadeira 35, escreve sobre livro recente de outro educador e membro da Academia Paulista de Educação: Francisco José Carbonari, Cadeira 20.
“Iniciei a leitura de ‘Cultivando uvas, sonhos e tradições’, de Francisco José Carbonari e não consegui deixar de ler, até a última das duzentas e vinte páginas do caprichado livro publicado pela Editora In House.
O interesse da publicação ultrapassa o que já seria louvável: eternizar a saga de uma família italiana que influenciou a vocação da “Terra da Uva”, ao aceitar a variação genética de que resultou a Niagara rosada, então desconhecida. Corajoso, o patriarca Antônio Carbonari viu que ali estava o futuro e não hesitou ao empreender sua produção em escala.
Foi esse o início heroico de uma epopeia que converteu Jundiaí na “Terra da Uva” e que a tornou conhecida em todo o Brasil, principalmente a partir de 1934, data de realização da primeira Festa da Uva.
Neto desse corajoso imigrante, Francisco Carbonari evidenciou sua vocação de historiador. Não foi fácil reunir todos os descendentes e recolher deles a memória oral, a mais valiosa, para reconstituir a aventura de Marieta, a matriarca Maria Storani, que se casou com Antonio Pietro Carbonari e, em vinte anos, deu à luz a catorze filhos, tendo dezessete partos. Era, como acontecia em muitas famílias peninsulares, a ecônoma e a controladora da família. Realçar a participação feminina resgata uma dívida muito recorrente entre os descendentes de italianos, onde a primazia é do “fili maschi”.
A trajetória dos Carbonari evidencia a importância da imigração para a verdadeira revolução brasileira pós-abolição. Um país agrícola, baseado no elemento servil, deixou aturdidos os proprietários rurais, muitos deles despreparados para a nova etapa do trabalho remunerado. Foi o empenho e coragem do braço europeu, em grande maioria do norte da Itália, que fez São Paulo e o Brasil crescerem e se industrializarem.
A publicação é um documento expressivo de superação de dificuldades. Seres humanos que deixaram pátria, família, cultura e tradição consolidadas, atravessam o Atlântico em condições de dificuldade extrema e encontram o inóspito numa nação ainda colonizada e provinciana.
Dependiam de seu indômito espírito de luta para vencer. E o resultado é um fabuloso êxito. Passo a passo, na lida diuturna, com sacrifícios que as novas gerações consideram incríveis e excessivos, constroem conglomerado empresarial bem sucedido e com a permanência da família unida. Algo a servir de exemplo à contemporaneidade, onde a obtenção de lucro, não raro, separa irmãos e dissolve os laços familiares.
Legítimo o orgulho dos descendentes do Comendador Antônio Carbonari, cujo nome foi eternizado no recinto da exposição construído pelo visionário arquiteto Vasco Antônio Venchiarutti, palco de todas as Festas da Uva a partir da década de cinquenta, pela odisseia do precursor. Muito além da documentação relativa a todos os descendentes, o livro integra um projeto universal de registro de vidas que restariam anônimas, não fora o tirocínio e talento de alguém aficionado à pesquisa. Essa a verdadeira História que interessa à verdade, mais importante do que a menção a datas e ícones pinçados pelos que se responsabilizam pelo relato oficial, pródigo em enaltecer figuras carimbadas.
Francisco Carbonari já se dispusera a escrever sobre sua família materna. Agora, oferece valiosa recapitulação da História de Jundiaí. Dados muito interessantes foram obtidos e o carinho da elaboração está em todos os detalhes. Principalmente na identificação de cento e dois familiares retratados nas bodas de ouro do casal Marieta-Antonio Carbonari, em 1948. Vale a pena deleitar-se nessa deliciosa leitura. Que Chico Carbonari persista na carreira de escritor!”
José Renato Nalini é reitor de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)