Aquela frase é de Darwin ou Galileu? Cuidado com citações equivocadas – site UOL – 09 jun 2015
Artigo Reinaldo Polito – site UOL – 09/06/2015
Um ótimo recurso, tanto na comunicação oral quanto na comunicação escrita, é lançar mão, de vez em quando, de uma boa frase como citação, especialmente se for de um autor renomado. A credibilidade do autor em determinado tema ajuda a reforçar a autoridade do orador ou do escritor.
O ideal seria ler a obra toda do autor e pinçarmos a frase do seu livro. Teríamos certeza de que foi ele mesmo quem a produziu. Como não será possível sempre recorrermos a essa estratégia, pois seria impraticável ler todas as obras de todos os autores, de vez em quando lançamos mão de uma boa frase acreditando que seja mesmo de sua autoria.
Aí é que está o risco. Algumas frases são creditadas a pessoas que nunca as pronunciaram nem as escreveram. O objetivo de quem muda a autoria é o de dar à frase ainda mais credibilidade. Outras são distribuídas a diversos autores, principalmente na comunicação oral, quando o orador se esquece quem é o autor, ou se confunde ao falar de improviso.
Se afirmarmos que a frase é de um ou outro autor, e os ouvintes ou leitores tiverem informação distinta, podemos enfraquecer nossa credibilidade. No caso de dúvida, uma boa saída é dizer que a frase é atribuída a determinado autor. O fato de dizermos que é “atribuída” deixa uma porta aberta para não nos comprometermos.
Eu me lembro de quando escrevi o livro “Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas”. No início de cada capítulo incluí uma frase que fosse uma espécie de essência do conteúdo que seria abordado. Fiz uma pesquisa profunda e abrangente para que cada citação se encaixasse perfeitamente no capítulo do livro.
Um deles trata sobre o comportamento nas mudanças. Não tive dúvida em pôr ali uma frase do Darwin, por se tratar de uma das mais citadas em todo o mundo: “Não é o mais forte que sobrevive, mas o que mais se adapta às mudanças”. Perfeita. Em determinado momento pensei – como posso ter certeza de que é mesmo de sua autoria?
Resolvi pesquisar. Para minha surpresa, outro pensador surgiu como sendo o autor da frase, Leon G. Megginson. Embora eu ainda não tenha certeza, tudo indica que a frase não é mesmo do Darwin.
Outra frase cantada em verso e prosa é de Abraham Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos por todo o tempo”. Parece que essa também não é dele.
Algumas frases são repetidas com muita frequência. São verdadeiras pérolas. Tiradas tão geniais que acabam sendo creditadas a diferentes autores. Por isso, em muitos casos, não dá para cravar sua origem. Nesse caso, é necessário dizer pelo menos, até em tom de brincadeira, que não são de nossa autoria. Duas delas estão relacionadas ao medo de falar em público.
A primeira afirma: “O cérebro humano é algo maravilhoso. Começa a funcionar no instante em que nascemos — e só para na hora em que precisamos falar em público”. A segunda diz: “Quando vou para frente da plateia fazer um discurso, só Deus sabe o que vou falar. Quando começo a falar, nem Deus sabe mais”.
Já vi essas frases creditadas pelo menos a três ou quatro autores diferentes.
E por aí vai. Como os casos clássicos de Galileu Galilei, que nunca teria dito no tribunal da inquisição: “E pur si muove” (e, no entanto, ela se move). Do texto “Instantes”, colado nas paredes de inúmeras casas comerciais no Brasil e no mundo, atribuído indevidamente a Jorge Luis Borges. Só para lembrar do comecinho:
Se eu pudesse novamente viver a minha vida,
Na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito,
Relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido.
Nessa linha de atribuições, nem a Bíblia escapou. Há pouco tempo o Vaticano divulgou uma Bíblia de 1700 anos. Pois bem, segundo especialistas que pesquisaram a relíquia, não há ali menção à famosa frase: “Atire a primeira pedra quem não tiver pecado”.
O uso das frases e das citações é, portanto, um excelente recurso de comunicação. Ajuda a esclarecer a mensagem, dá credibilidade, torna a comunicação mais arejada e atraente. Devemos, entretanto, tomar alguns cuidados para evitarmos equívocos que podem ser comprometedores.