Artigo – Educação na disputa política
“A aprendizagem do aluno deveria ser a única “ideologia” existente na Educação”
Por Hubert Alquéres
Por quatro anos a educação foi palco de uma guerra cultural intensa. Prioridades distorcidas das gestões do MEC, no governo Bolsonaro, trouxeram inúmeros prejuízos ao processo de aprendizagem dos alunos.
Com a posse da nova gestão no Ministério da Educação, imaginava-se que esse tempo ficaria para traz. Reconhecia-se a qualificação do novo ministro e de sua secretária executiva para focar na verdadeira agenda educacional: ensino integral, novo ensino médio, alfabetização na idade certa, formação dos professores e ensino profissionalizante articulado com o ensino médio.
O fantasma da politização, porém, voltou a rondar a educação. Há o risco real do debate no parlamento sobre o novo Plano Nacional da Educação, para o período 2024/2034, ser contaminado pela disputa ideológica entre esquerda e direita.
O sinal foi aceso pela Conferência Nacional da Educação, cujo documento base para a discussão finalizou eivado de viés ideológico e propostas demagógicas. O texto investe – por pura provocação – contra uma agenda já superada e pede a “contraposição efetiva do Estado” a políticas chamadas de “ultraconservadoras”.
Ao investir na polarização, os radicais interditam o debate que realmente pode fazer diferença para o futuro de nossas crianças e jovens.
E a reação da direita tem sido imediata. As bancadas ruralista e evangélica se organizaram e conseguiram arregimentar o apoio de dez partidos, num indicativo do quanto será difícil a tramitação e aprovação de um novo Plano Nacional de Educação, se vier contaminado por diatribes ideológicas.
O ministro Camilo Santana pode amargar uma nova derrota no Legislativo, similar à que sofreu na tramitação de sua proposta para o Novo Ensino Médio, quando ficou evidenciada sua dificuldade na interlocução com o Congresso Nacional.
Em um parlamento onde o conservadorismo é majoritário, também é provocação propugnar, como fez a Conae, a revogação do Novo Ensino Médio e da Base Nacional Curricular Comum, elementos estratégicos para as necessárias reformas educacionais estruturantes.
A educação já sofreu muito por conta do revanchismo e com a descontinuidade de políticas públicas dos governos de plantão. E o motivo da base corporativa ligada ao PT e ao PSOL propor a revogação da BNCC e do Novo EM é o seu “pecado de origem”: foram medidas editadas no governo de Michel Temer; ainda que se saiba que elas estavam em discussão desde 2011 sob a liderança do PT e que todos os estados e municípios estão implementando a BNCC, assim como todas as escolas de ensino médio começaram a implementar o Novo EM em 2022.
Além do assembleísmo, que levou o MEC à paralisia na tramitação de seu projeto para o Novo Ensino Médio, agora querem o fim dos dois últimos grandes avanços na Educação por uma questão meramente ideológica.
Para além da necessária descontaminação ideológica do debate sobre o novo Plano Nacional da Educação, impõe-se uma avaliação técnica sobre a execução do PNE aprovado em 2014, para saber se suas metas foram alcançadas. Ainda que o censo escolar de 2023 apresente evoluções positivas em alguns indicadores, como o crescimento do atendimento das crianças de 3 a 4 anos nas pré-escolas e expansão do ensino profissionalizante, os dados indicam que muitas das metas não foram cumpridas e tiveram baixa execução.
Em relação ao último indicador se impõe uma ressalva. A expansão do ensino profissionalizante ainda está longe do ideal e continua sendo realizada de forma desarticulada com o ensino neste ciclo. O ensino médio continua descolado das necessidades dos alunos. Essa realidade contribui para a evasão escolar e para a formação de um imenso contingente de jovens que nem estudam nem trabalham.
Metas do presente plano não foram alcançadas por diversos fatores. Certamente contribuíram em muito os três anos de pandemia e cortes de verbas da educação, no governo passado. A prioridade dada para a agenda ideológica por Jair Bolsonaro e seus ministros da educação também agiu negativamente para a perda de foco e a baixa execução do plano no decênio 2014-2024. A inoperância no 1º ano do governo Lula é outro fator de atraso.
Por todos os motivos expostos, educadores de diversos matizes defendem a extensão do prazo. A ex-secretária Executiva do MEC, Maria Helena Guimarães, propõe uma prorrogação do plano atual por mais dois anos. A senadora Dorinha Seabra protocolou projeto de lei que visa prorrogar a vigência do atual PNE até 31 de dezembro de 2028. Sem fixar prazo, o professor da USP, Daniel Cara, também defende a extensão da vigência.
A prorrogação teria duas vantagens. De um lado, perseguir metas não alcançadas no último decênio; de outro, possibilitar um debate despolarizado sobre um novo plano focado na real agenda educacional. Na atual correlação de forças do parlamento, a hipótese mais provável é de retrocessos, com o retorno de uma agenda ideológica anacrônica.
Se houver a descontaminação política, torna-se possível gerar um PNE baseado no consenso. Há dois pré-requisitos para isso: tempo para amadurecer uma alternativa de comum acordo e disposição dos agentes políticos para costurar uma proposta unitária.
A despeito de divergências ideológicas, é possível encontrar um terreno comum entre conservadores e progressistas, entre esquerda e direita, desde que o foco seja a aprendizagem do aluno, única “ideologia” que deveria existir na Educação.
Idealmente, caberia a Camilo Santana liderar a construção de um pacto consensual da Educação e focar, neste ano, em tirar do papel o Novo Ensino Médio. Dele espera-se abertura para ouvir educadores das mais variadas correntes e interlocução com parlamentares dos mais diversos espectros políticos.