Artigo – Ouvir Alunos
Nacim Walter Chieco é Membro da Academia Paulista de Educação e ex-Presidente dos Conselhos Estadual e Municipal de Educação de São Paulo
“Direis agora: ‘Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?’”
(Olavo Bilac, in Via-Láctea – XIII)
“O novo ensino médio em implantação no Brasil desde 2021 vem apresentando graves problemas. Há inúmeros depoimentos e relatos de precariedade das condições operacionais e, mais grave, de profunda insatisfação dos principais afetados pelas mudanças que são os alunos. Em recente medida, o MEC determinou uma parada geral para também ouvir os alunos e produzir um relatório conclusivo sobre a continuidade, eventuais ajustes ou alguma solução mais radical sobre o novo ensino médio.
Diante disso e de algo que já me preocupava, faço algumas considerações
sobre a prática de ouvir alunos.
Ouvir alunos, obviamente não é o mesmo que “ouvir estrelas”, do conhecido poema parnasiano-romântico de Olavo Bilac. É fato muito real e pé no chão, condizente com uma educação verdadeiramente democrática.
Podemos identificar, pelo menos, cinco situações em que a prática de ouvir
alunos é absolutamente necessária. Abordo-as brevemente, apenas com o
intuito de provocar reflexão e debate. São situações distintas e interligadas,
não necessariamente sequenciais.
Ao pisar na escola, por ocasião da matrícula inicial, o novo aluno precisa ser ouvido sobre a bagagem que traz, o chamado currículo oculto, e sobre o que espera dessa nova jornada. Não se trata de procedimento meramente
protocolar e relegado ao arquivo. É valiosa informação que, juntamente com o estudo da comunidade e com a base comum curricular, deve subsidiar, na fundação, a proposta pedagógica da escola e, periodicamente, o planejamento do ensino.
Uma situação comum é justamente a que está ocorrendo agora. Mudanças de variadas naturezas são introduzidas nas escolas com reflexos diretos na vida dos alunos. Mudanças técnicas no currículo, como o novo ensino médio, com ou sem alteração de cargas horárias. Mudanças na prática pedagógica, como um novo método de alfabetização. Mudanças no apoio didático, como a escolha de novos livros ou mídias diversificadas. Mudanças de regime de funcionamento, horário, transporte, alimentação. Mudanças de regras disciplinares. E muitas outras inerentes à cultura escolar.
Pois bem, tais mudanças uma vez decididas e implantadas precisam vir acompanhadas, desde o início e em momentos críticos, da rotina de ouvir os alunos. Somente eles podem dizer onde a calo aperta. Não adianta tentar supor e adivinhar os efeitos da mudança na vida escolar. Por mais articulado e convincente que seja um discurso construído por especialista sobre determinada mudança, será frágil e vazio sem o depoimento dos alunos. Infelizmente, essa prática não tem sido adequadamente planejada e adotada, principalmente nas redes públicas de ensino. A mencionada medida do MEC, com certo atraso e tomada sob pressão, vem preencher essa grave lacuna de ouvir os alunos.
O desafio é ouvir dos alunos até que ponto seus desejos e escolhas estão sendo efetivamente atendidos.
Uma terceira situação é a de ouvir alunos durante o processo educativo. É uma indispensável forma de envolver e motivar os alunos. De estimular a troca de experiências. De desenvolver a comunicação e expressão. De trazer para o cotidiano pedagógico a vivência e a realidade circundantes ao ambiente escolar. De abrir a via permanente de influências mútuas entre a sala de aula e o mundo real.
Outra situação corriqueira, esta sim normalmente praticada, é a de ouvir os alunos com referência ao nível de aprendizagem alcançado. As avaliações, internas e externas, constituem relevante fonte de informações, possibilitando o fortalecimento, o ajuste estratégico e, até mesmo, a mudança radical de rumo.
Obviamente, nessas ocasiões surgem as questões fundamentais de conteúdo e de método. Ou seja, o que, de fato, estaria provocando estragos inesperados e indesejáveis no desempenho dos alunos: a matéria ensinada ou a forma do ensino. Ou ambas. Tais dúvidas, porém, precisam ser enfrentadas e superadas por meio de debate franco e aberto da equipe pedagógica. De qualquer forma, o ponto de partida deverá ser sempre o que se ouve dos alunos.
Nas quatro situações anteriormente mencionadas, não deve haver qualquer direcionamento quanto aos alunos a serem ouvidos. Ou todos os alunos são ouvidos, ou deve ser definida uma consistente amostra estatística.
Há uma situação mais complicada de audição de alunos. Consiste na fase de concepção, discussão e formulação de um projeto de mudança.
Diferentemente das anteriores, aqui a participação dos alunos, quando ocorre, efetiva-se por meio de representação. Não há receita de como envolver, de forma adequada e respeitosa, os alunos nessa fase. É preciso considerar a possível contribuição dos alunos, segundo o seu grau de maturidade e experiência. É de se prever a ocorrência de dois extremos, igualmente indesejáveis. Há representantes com prática política, que não é um mal, excessivamente contaminados com mensagens e palavras de ordem corporativas, cujas manifestações precisam ser relativizadas. Há casos de representantes caçados ao acaso; já presenciei situação em que o aluno entrou mudo e saiu calado. Ponderadas e avaliadas todas as dificuldades, não há que descartar a presença pontual dos alunos nessa fase. Não é difícil ocorrer uma solução simples, baseada na vida real do aluno, até então despercebida pelos especialistas formuladores do projeto de mudança.
Há, ainda, uma sexta modalidade, muito importante e quase nada praticada, que é a de ouvir ex-alunos. Informações relevantes da vida e do trabalho podem ser obtidas para a constante melhoria dos currículos e do ensino. Do que foi ensinado, o que, de fato, tem sido útil ou inútil? O que o mundo exige e que a escola não ensinou? São questões absolutamente cruciais para uma proposta educacional realmente comprometida com as necessidades dos alunos e da sociedade.
São algumas hipóteses em que ouvir alunos constitui estratégia essencial para o bom funcionamento da prática educativa e dos sistemas de ensino.
Reafirmo a advertência inicial de que ouvir alunos não é coisa trivial, irrelevante e romântica. A resposta poética àqueles decassílabos da epígrafe, porém, pode ser parafraseada, trocando “estrelas” por “alunos”, de forma a dar mais sentido à prática de ouvir alunos:
E eu vos direi: “Amai para entendê-los!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender alunos”.