Artigo – O novo ensino médio: propostas para avançar
por Maria Helena Guimarães de Castro
Um dos temas de política pública educacional mais debatido nas últimas décadas é o ensino médio. Conhecido como uma jabuticaba na contramão de experiências diversificadas e flexíveis pelo mundo afora, o antigo ensino médio brasileiro, sem opções de escolha para os jovens, tem sido criticado há muitos anos. O que fazer e como fazer, diante dos alertas de vários diagnósticos, foi a questão central de muitas propostas que ganharam força, em especial nos últimos 10 anos.
As evidências do fracasso e das desigualdades observadas no antigo modelo indicam com clareza a necessidade de mudança. Mostram também problemas graves nos anos finais do ensino fundamental, pois os alunos chegam ao nível médio sem os conhecimentos básicos que deveriam adquirir para acompanhar a etapa seguinte. Sendo assim, após um longo período de debates, a aprovação da reforma do ensino médio, por meio de uma medida provisória em 2017, teve por objetivo principal mudar este cenário e oferecer novas oportunidades aos jovens. Desde sua regulamentação, em 2018, todos os Estados elaboraram e aprovaram currículos alinhados ao novo sistema. Em implementação desde o início de 2022, em todas as escolas do país, a reforma tem sido objeto de debates acalorados, mas que não podem ignorar a responsabilidade do Estado em garantir o direito de milhares de estudantes cursando o Novo Ensino Médio.
A bem-vinda consulta pública lançada pelo Ministério da Educação (MEC) em 2023, que acaba de ser finalizada, teve como objetivo receber sugestões em relação aos ajustes necessários à proposta e ouvir a sociedade acerca do tema. Com o objetivo de aprofundar o debate e apresentar propostas que pudessem ser levadas ao Ministério da Educação, a Cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação em Avaliação Educacional no Instituto de Estudos Avançados da USP, no polo Ribeirão Preto, promoveu um ciclo de webinars com especialistas, pesquisadores e secretários de educação sobre o assunto. A partir destes encontros, oferecemos ao MEC sugestões para apoiar um debate urgente, sério e necessário a respeito do futuro da juventude brasileira. Neste contexto, recomendamos ajustes infralegais nas diretrizes e normas, evitando mudanças na lei da reforma.
Um dos pontos mais discutidos em relação à reforma do Novo Ensino Médio é a ampliação do número de horas para a formação geral básica, que deve assegurar o direito de todos a uma educação cidadã. A lei propõe uma nova arquitetura para o sistema, e amplia a carga horária de 2,4 mil para 3 mil horas anuais. Ela também estabelece o limite de 1,8 mil horas para a formação geral básica, igual para todos, e flexibiliza as outras 1,2 mil horas na oferta de itinerários formativos, constituídos por diferentes opções de aprofundamentos de estudos nas áreas de conhecimento e/ou de ensino profissionalizante, valorizando o protagonismo dos jovens.
Indo além neste ponto crítico, o documento de sugestões propôs a ampliação da formação geral básica para no máximo 2,2 mil horas, acrescentando 400 horas em relação à proposta atual, na parte flexível dos itinerários formativos. Neste novo desenho, esse adicional estaria concentrado em um núcleo de competências para a formação do cidadão e o desenvolvimento integral, com habilidades como criatividade, empatia, resiliência, o respeito, competências digitais, entre outras. Nas 800 horas restantes, os estudantes poderiam seguir com a flexibilidade dos itinerários formativos e as possíveis escolhas dentre as diversas áreas do conhecimento. Sendo assim, os currículos ainda assegurariam os conhecimentos e habilidades essenciais para todos os estudantes, bem como as opções flexíveis de itinerários.
Outro tema relevante é o ensino profissionalizante, caminho ainda pouco explorado pelos estudantes brasileiros e que carece de avanços. É bom lembrar que um dos maiores ganhos da reforma é permitir que os estudantes possam obter dois diplomas ou certificações: a formação geral para a cidadania para todos e uma certificação técnico profissional que os qualifique para o mundo do trabalho. No documento produzido pela Cátedra também foi ressaltada a necessidade de maior atenção e expansão dos itinerários de formação técnica profissional. Esta ampliação poderia ser concretizada com o uso dos recursos do Fundeb para a dupla matrícula e parcerias com o Sistema S, institutos federais, escolas técnicas estaduais e privadas. Todos esses caminhos devem ser oferecidos, claro, com atenção especial ao tipo de formação técnico-profissional oferecida, para que não se torne obsoleta daqui a alguns anos, mas sirva como uma boa formação para o jovem que desejar ingressar no mercado de trabalho logo após o nível médio ou até mesmo prosseguir para a universidade posteriormente.
Um dos maiores entraves à implementação da reforma é o atraso do alinhamento do Enem ao Novo Ensino Médio, que deveria ter sido feito pelo MEC até o início de 2022. A depender das propostas de aperfeiçoamento, o exame deverá ser revisto, e o Inep poderá propor um Enem de transição, tendo em vista o direito dos alunos do ensino médio que estão cursando um novo currículo desde 2022 e estão ansiosos em saber como será o Enem de 2024. O documento produzido pela Cátedra sugere que no próximo ano seja avaliada a formação geral básica do Novo Ensino Médio, fazendo ajustes de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. Também sugere definir um núcleo comum de avaliação dos itinerários para incentivar a flexibilidade dos currículos e não interromper a implementação.
De acordo com as discussões nos encontros, sugere-se também que o foco do Enem deve ser a avaliação da base curricular do ensino médio, e não o acesso ao Ensino Superior, como ocorre comumente. Em paralelo, alguns movimentos indicam uma possível revisão do modelo de ingresso à universidade pelo Enem ou vestibular, como o Provão Paulista, avaliação seriada que foi apresentada recentemente pelo Governo de São Paulo e pretende aplicar uma prova em todos os anos do ensino médio, o que pode influenciar outras universidades país afora.
Além dessas propostas, o documento de recomendações também propõe um novo olhar para o ensino médio, ligado à concepção de educação e formação integral para a cidadania, para o mundo da vida e do trabalho. Também estabelece o papel fundamental do MEC de coordenação nacional e implementação da reforma, além de um olhar para a diminuição das desigualdades. Com esses e outros ajustes, poderemos avançar. Afinal, o que esperar do futuro do país sem uma política pública que realmente prepare nossos jovens para serem cidadãos efetivos e com uma formação integral que lhes garanta as competências, conhecimentos, habilidades, atitudes e valores do nosso século?
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Maria Helena Guimarães de Castro também é titular da cátedra Instituto Ayrton Senna no Instituto de Estudos Avançados da USP-Ribeirão Preto.