Pesquisas falsas e estatísticas mentirosas enganam; tome cuidado ao usá-las – site UOL – 23 jun 2015
Artigo site UOL – 23/06/2015
Quando fiz a faculdade de ciências econômicas, tive um professor de estatística que fez uma advertência em tom solene: “Cuidado com as pesquisas e com as estatísticas. Muitas delas são falsas e mentirosas”. E passou a aula toda dando exemplos de estudos divulgados que não correspondiam à realidade. Era um excelente professor, pois conseguiu assim o interesse dos alunos no aprendizado da matéria.
Alguns anos depois, um economista brilhante, Roberto Campos, em tom jocoso nos presenteou com uma pérola que se inseriu de forma definitiva no folclore econômico brasileiro: “Estatística é como biquíni –mostra tudo, mas esconde o essencial”. Em outras palavras, e de maneira mais engraçada, deu a mesma lição dada pelo saudoso professor de estatística.
A comunicação tem essas armadilhas. Alguns números são apresentados de uma maneira para atender às conveniências de uns, e de outra para atender aos interesses de outros. Cabe a quem os recebe interpretar o que efetivamente está por trás dos dados anunciados. Como a maioria tem dificuldade para fazer essa avaliação, acabamos por aceitar sem resistências e como certos os estudos divulgados.
Quando os dados são apresentados pela comunicação escrita, temos mais condições de checar a veracidade dos números. Pela comunicação oral, entretanto, especialmente em palestras e conferências, nem sempre temos meios de fazer essa verificação. São sofismas sorrateiros que se apresentam como premissas, nos confundem e nos levam a acreditar que as conclusões são mesmo verdadeiras.
A questão toda se apoia na ética, ou na falta dela, para transmitir informações enganosas. Entre os extremos de ser ou não ético há um campo cinzento que fica mais claro ou mais escuro dependendo da época, da cultura, da circunstância e das necessidades das pessoas envolvidas. Jean Valjean, protagonista da eterna obra de Victor Hugo, foi absolvido pela história por ter roubado alimento quando precisava matar a fome. Foi ético ou não?
Informações propositalmente falsas, todavia, ferem os preceitos éticos, independentemente das circunstâncias. Quantos de nós já ouvimos anúncios de sabonetes ou cremes dentais que, com algumas variações, afirmam que determinadas substâncias neles contidas são apreciadas por nove de cada dez pessoas pesquisadas. Parece que estamos falando mesmo de excelentes produtos.
Por outro lado, quem foram essas pessoas pesquisadas? Será que esses ingredientes também não estão presentes nos produtos concorrentes, que não foram mencionados? Ocultar essas informações para direcionar a compra do produto pode ser considerada uma atitude ética? Os profissionais que participaram da fabricação do produto e os que cuidaram da sua divulgação estavam conscientes de que omitiam informações relevantes para a avaliação do consumidor?
Para minimizar informações negativas, por exemplo, um órgão governamental pode comparar números atuais com os do ano anterior, que já era muito ruim, para dizer que a situação não piorou tanto. Deixa de dizer, entretanto, que se a comparação fosse feita com os dados do início do seu governo, o resultado seria visto como catastrófico.
E assim, quando é favorável o resultado é apresentado em números absolutos, quando é conveniente mudar, os dados passam a ser fornecidos em percentuais. A percepção de um problema muda muito de um caso para outro. Se disserem que a criminalidade em uma região aumentou apenas 0,01% pode dar a impressão de ser um número irrisório. Quando nos damos conta de que esse percentual corresponde a mil pessoas assassinadas, não parece ser tão irrelevante assim.
A conduta ética e responsável deve pautar todas as nossas ações. Divulgar números, estudos, estatísticas e pesquisas sabendo que os dados escondem informações importantes não nos torna melhores cidadãos. Ficar atentos a informações distorcidas e alertar os que nos cercam sobre essas mentiras e omissões é atitude que demonstra, sim, nossa cidadania.