Aumenta o número de crianças que não sabem ler nem escrever – Por Reinaldo Polito
A pandemia trouxe muito sofrimento para o mundo todo. Centenas de milhares de pessoas perderam a vida, além de tantas outras que sobreviveram, mas são obrigadas a carregar sequelas das mais diversas naturezas. Outra consequência perversa da pandemia é o fato de que entre 2019 e 2021 aumentou em 66,3% o número de crianças entre 6 e 7 anos que não sabem ler nem escrever.
Os dados são assustadores. Segundo resultados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua, do IBGE, nesse período o número de crianças não alfabetizadas dentro dessa faixa etária passou de 1,4 milhão para 2,4 milhões. Esse é um dano irreparável. Quantos anos serão precisos para que o país preencha essa lacuna educacional?!
Esse despreparo terá influência em todos os setores de atividades. No momento em que a evolução tecnológica mais precisará de pessoas bem-preparadas, contaremos com muitos indivíduos sem condições de enfrentar os novos desafios. Esses que hoje, na tenra idade, não se alfabetizaram no tempo adequado terão dificuldade para fazer cálculos, desconhecerão os conceitos básicos de ciência, não conseguirão entender o que leem e, praticamente, não saberão redigir textos de qualidade.
Quando uma criança é alfabetizada depois dos 7 anos, que é a idade recomendada pela Base Nacional Comum Curricular, sofrerá prejuízos no seu desenvolvimento e no seu futuro. Para preencher essa lacuna na alfabetização será preciso empreender uma operação de guerra. Os resultados que deveriam ser atingidos em dois ou três anos agora precisam ser antecipados para um ano.
O problema é mundial. Cerca de 1,5 bilhão de crianças ficaram fora da escola por causa da pandemia. É evidente que os países pobres sofreram mais com a crise. Neles, o nível de analfabetismo que já era alto foi agravado. Nas nações com desigualdades sociais e econômicas como o Brasil, as diferenças passam a ser ainda mais acentuadas.
Mesmo não sendo o ideal, o ensino a distância possibilitou que as crianças de famílias mais abastadas pudessem continuar com o processo de aprendizagem. Bem ou mal tiveram os professores online ministrando as aulas e cobrando tarefas. As menos afortunadas, infelizmente, não puderam contar com o apoio tecnológico. Deixaram de aprender e constituem a maior parte dos que não sabem ler nem escrever.
Não devemos olhar para fora de nossas fronteiras para buscar exemplos de países que se encontram em situação igual ou pior que a nossa. Não, esse é um problema nosso. Nós é que temos a responsabilidade de resolver. Cada nação tem suas peculiaridades, sua história, sua cultura. Tentar trazer para dentro de casa os modelos externos sem o devido cuidado com as adaptações é um grande equívoco.
Até dentro do próprio país, a Base Nacional Comum Curricular estabelece diferenças no ensino para atender as condições regionais. As realidades são distintas e assim precisam ser consideradas. Não significa, todavia, que tudo seja diferente. Nos métodos de alfabetização há pontos comuns que podem ser adotados de forma até generalizada.
Sabemos, por exemplo, que no Ceará a atuação do governo em conjunto com os municípios deu certo. Ora, talvez seja o momento mais apropriado para adotar o que esteja funcionando. Com certeza, outras regiões também obtiveram resultados positivos. No instante em que precisamos diminuir o analfabetismo entre as crianças, toda ajuda será muito bem-vinda.
Esse não é momento para disputas ideológicas. Os educadores devem deixar de lado suas vaidades, e, com toda humildade que puderem ter, implantar em sua região os modelos de alfabetização que foram exitosos em outros centros.
Como vimos, o estudo remoto na atual realidade do nosso país já se mostrou ineficiente. Pode ser que mais adiante, quando as famílias puderem contar com apoio tecnológico de melhor qualidade, seja boa solução, mas por enquanto não deu certo. Assim, vamos deixando de lado o que não possa contribuir para resolver essa dramática situação e voltar os olhos para o que efetivamente funciona.
Infelizmente o maior número de crianças que tiveram seu aprendizado prejudicado é de pais com baixa formação escolar e de condição econômica sofrível. Por isso, teriam dificuldade para auxiliar nesse processo de alfabetização. Se, entretanto, puderem ajudar nessa tarefa, que eles também arregacem as mangas e ensinem.
Eu me lembro de que certa vez o proprietário de um antigo sebo do centro velho de São Paulo me disse que um dos livros que ele mais comercializava era a cartilha “Caminho suave”. Perguntei se ele sabia o motivo. Sua resposta foi a de que os pais compravam para ensinar seus filhos em casa. Tentavam dessa forma dar a eles formação parecida com a que tiveram. E como haviam se alfabetizado por esse livro, estavam mais familiarizados com o método.
De maneira geral, por falta de conhecimento pedagógico, os pais não são as pessoas mais indicadas para ensinar. Em situação específica como essa que estamos vivenciando, entretanto, com certeza a ajuda deles será de grande utilidade.
Precisamos preparar essas crianças para que tenham futuro mais auspicioso. Embora não seja simples, não seria impossível contornar a situação. Todas as pessoas envolvidas com a educação, já que a situação exige esforço conjunto, precisariam se unir nessa empreitada. Ministro, secretários, professores, educadores, autoridades dos mais distintos níveis. Enfim, ninguém poderia dizer agora que essa responsabilidade não é sua. Qualquer negligência de nossa parte será cobrada pelos brasileiros de amanhã.
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. Presidente Emérito da Academia Paulista de Educação. Escreveu 34 livros com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no contatos@polito.com.br