Cousas Nossas
COUSAS NOSSAS
Paulo Nathanael Pereira de Souza
Presidente da Academia Paulista de Educação.
Há um samba de Noel Rosa, que após referir-se a alguns despropósitos do comportamento das pessoas, conclui a estrofe com o estribilho: “Cousas nossas, cousas nossas!” Passou-se o tempo, mas poucas cousas terão mudado no brasileiríssimo modo de ver e praticar as ações de cada dia. É o caso destas pérolas, que andei caçando nos jornais.
1. O menino que matou o estudante. A notícia diz que um menor a três dias de atingir os dezoito anos, matou um jovem estudante, por dá cá aquela palha. Não pode ser preso, terá que ser apreendido (lindo este eufemismo do politicamente correto) e não irá para a cadeia e sim para uma dessas casas de recolhimento e reeducação, em cuja tabuleta fronteira só falta estampar entre parênteses: “onde se aprende a delinquir”. Tudo por causa do célebre Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma lei que impede a punição de infrações e crimes (ainda que hediondos) cometidos por menores de idade, que ao completarem dezoito anos, saem livres com uma ficha completamente limpa. É lei, (como tantas que andam por aí), que a propósito de darem proteção a pessoas, ditas carentes, socialmente excluídas, ou supostamente exploradas por patrões de alma empedernida, na verdade acabam por desampará-las ainda mais, além de criar seriíssimos problemas sociais e econômicos, pondo em risco a segurança coletiva. No caso do Eca, que escuda menores, tem ocorrido que à sombra de cada garoto ou garota que delinqüe, quase sempre esconde-se um bandido que os usa como laranjas no crime.
Claro que há que proteger os mais fracos, mas é preciso não tratar todos como se iguais fossem: há entre eles quem mereça toda a proteção e reeducação, mas também há quem deva, ao atingir a maioridade, responder criminalmente pelos atos praticados no tempo da menoridade. O mal dessas legislações é a generalização indiscriminada dos benefícios e a irrealidade das situações concretas. Afinal, o Brasil parece, por vezes, querer salvar o mundo à sombra de utopias românticas, sem se aperceber que, na prática, a teoria é sempre outra!
2. A sobrecarga dos currículos escolares. O papel da educação básica é essencialmente, o de dar aos jovens um conjunto de saberes indispensáveis, que os situe no entorno histórico-geográfico do seu tempo, faça-os utilizar-se do vernáculo com clareza e correção, leve-os a executar com exatidão e competência as operações matemáticas no seu uso cotidiano, e lhes facilite o entendimento das soluções científicas e tecnológicas da modernidade. Complementarmente, a organização escolar poderá acrescentar práticas esportivas e artísticas, bem como a iniciação em línguas vivas e mortas, e exercícios variados de uso das linguagens digitais. E nada mais, eis que, capacitando-os devidamente nesses campos, estarão prontos para enfrentar os desafios existenciais, que venham a se interpor a seus passos. O resto, a vida se incumbirá de prover.
Daí que, não cabe às escolas abordar, nessa fase formativa da personalidade de cada ser, todo o conhecimento acumulado pela humanidade.
A parte da escola é estritamente aquela que acima se arrolou: se conseguir ela fazê-lo com pertinência terá cumprido otimamente a sua missão. Tudo o mais deve ficar por conta de outras agências, que também educam, se bem que informalmente, a saber: a família, a mídia, os ambientes de trabalho e lazer, a igreja, etc., etc. É uma ilusão essa prática, hoje tão disseminada, de se sobrecarregarem os currículos escolares de tantas matérias, que acabarão por se mostrar inúteis na educação das novas gerações. Precisam os jovens do saber mínimo bem aprendido e não dos saberes máximos desperdiçadamente abordados. O eruditismo dos programas de ensino, pelo qual tudo se ensina e nada se aprende, é contraproducente a quem se educa.
Essas reflexões me ocorrem, quando leio na imprensa, que a Câmara Municipal de São Paulo poderá exigir a obrigatoriedade de uma nova disciplina na educação básica, ministrada pelas escolas do município da capital: História da África. É de se perguntar de que África? A muçulmana? A tribal? A colonizada pelas potências européias? E para que? Acredito que essa decisão deve estar na linha da atual (e legitima) preocupação brasileira para com seu passado escravocrata: há uma dívida social a ser resgatada para com os africanos que, no passado, deram seu sangue para ajudar a construir o Brasil. Mas a forma de fazê-lo, não é criando essa nova disciplina sem pé, nem cabeça, e sim transversalmente, através de ênfases a serem dadas ao tema, quando do estudo desse capítulo da história nacional, intitulado: Escravidão ou Abolição ou, ainda, contribuição negra à formação brasileira.
E viva Noel Rosa!