Solenidade de diplomação – Discurso de posse pelo Professor Ricardo Viveiros
4 de novembro de 2019 – 16 horas
Discurso de posse de Ricardo Viveiros de Paula como
“Membro Honorário” da APE – Auditório Olavo Setúbal
Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE)
Rua Tabapuã, nº 469 – Itaim Bibi – São Paulo, Capital.
Muito boa tarde a todos!
Como disse o psicoterapeuta alemão, Bert Hellinger, “As grandes almas se movem em uma única direção, que é unir o que foi separado”. Permito-me a feliz certeza de que, assim pensando, mereço a presença de tantas estimadas pessoas.
Minhas primeiras palavras são de eterno agradecimento aos doutos membros desta Academia que concederam – à minha família, aos meus amigos e a mim – a honra desta homenagem e a responsabilidade de, daqui por diante, pertencer a esta Casa do Conhecimento.
Reconheço no trabalho da APE, presidida pelo educador Wander Soares, atuante fórum de estudos, debates e propostas capazes de contribuir, de modo significativo e concreto, para o aperfeiçoamento da Educação em São Paulo e no Brasil.
Agradeço, em especial, ao professor Walter Vicioni, pela generosidade com que fui saudado. Sua produtiva e exitosa história na Educação, nacional e internacional, bem como suas gratificantes palavras sobre minha modesta trajetória aumentam, e muito, minha responsabilidade pessoal e profissional.
Com emoção, agradeço aos meus avós, maternos e paternos, aos meus pais e aos diversos professores de toda a vida – presentes nas aulas, no dia a dia do trabalho e a distância, nas publicações que pude ler – pelos acertos que me trouxeram até aqui. Porque os erros que cometi são, todos, apenas de minha responsabilidade.
Amigas e amigos.
O que significa ensinar?
A resposta, seja qual for, diz respeito somente aos educadores formais ou aplica-se a todas as pessoas que, ao longo da vida, transmitem-nos conhecimento e aprimoram nosso saber? Vou além: será que não se aplica também à natureza? Afinal, quando a observarmos com atenção colhemos tantos ensinamentos.
Exemplo concreto está no trem-bala da rede ferroviária japonesa JR, projeto denominado “Shinkansen”, que, em 1989, criou um grave problema para a população que vivia nas cercanias de seus trilhos. Sobretudo quando o trem saía de um túnel, correndo a 300 km por hora, a composição fazia um barulho ensurdecedor capaz de ser ouvido em um raio de 400 km. Além do ruído normal, ao acelerar em túneis, um trem empurra ondas de pressão atmosférica para a boca da galeria, o que resulta em estrondo.
A companhia ferroviária reuniu os mais notáveis especialistas em busca de uma solução. Entre eles, estava o doutor Eiji Nakatsu, gerente-geral do Departamento de Desenvolvimento Técnico da empresa naquela época. O que poucos sabiam é que ele, além de engenheiro, era um apaixonado observador de aves. Assim, com sugestões extraídas de seu passatempo, peças da locomotiva do trem-bala foram redesenhadas tendo como modelo alguns pássaros.
A coruja inspirou um novo desenho para o pantógrafo, equipamento que conecta o trem aos fios elétricos que correm pelo alto e lhe fornecem energia. Nakatsu imitou as penas desse pássaro usando as mesmas serrilhas e a mesma curvatura que lhe permitem se lançar, silenciosamente, na captura de suas presas.
Inspirada no pinguim-de-adélia, cuja suavidade das curvas corporais o fazem nadar e deslizar sem esforço, foi recriada a base de suporte do pantógrafo, o que resultou em menor resistência ao vento.
Por fim, talvez o mais notável de tudo, foi o copiado do martim-pescador, pássaro que mergulha na água para capturar suas presas. A forma única do bico dessa ave permite que sua imersão quase não provoque respingos.
Nakatsu levou esse design para a prancheta. A equipe técnica efetuou ensaios com balas iguais ao formato do nariz de diferentes modelos de locomotivas, dando tiros dentro de grandes canos que simulavam túneis. A seguir, ele mediu cada onda de pressão e, por fim, deixou os projéteis caírem na água para avaliar a intensidade dos respingos de cada um deles. Resultado: o mais silencioso foi o desenhado como o bico do martim-pescador.
E, em 1997, estreou o novo trem-bala – 10% mais rápido, consumindo 15% menos eletricidade e, o principal, com um nível de ruído abaixo de 70 decibéis. Portanto, em nível muito inferior ao som gerado pelo modelo original e dentro do limite estabelecido pela lei.
Asa de coruja, barriga de pinguim e nariz de martim-pescador resolveram um grande problema de Engenharia.
É preciso ter uma visão holística do mundo. Muitas vezes, os teóricos são pouco conhecedores do funcionamento da vida “na prática”. Existem inovações fantásticas também em saúde, energia, computação, arquitetura, economia –todas inspiradas na natureza.
O meio ambiente ensina a quem o observa com atenção e respeito. Você pode saltar como uma rã; vencer a força da correnteza como um golfinho; comunicar-se como as abelhas; arquitetar uma casa como um joão-de-barro; imitar a pele do tubarão para criar superfícies de plástico antibacteriano; grudar como uma lagarta; calcular como uma célula, e por aí vai.
Aprendi na Índia, quando visitei o campus de Madhuban da Universidade Brahma Kumaris, em Monte Abu, no Rajastão, que a superfície rugosa das folhas de lótus, símbolo espiritual daquele país, promovem sua autolimpeza. Que tal empregar essa técnica natural em fachadas de edifícios ou na pintura de veículos que, como essas folhas, serão limpas apenas pelas águas da chuva que escorrerem sobre elas?
A simples observação de formigas poderia nos ensinar muito sobre planejamento, estratégia e comunicação? Sim. Isso já está sendo usado em logística. Ou seja, unir conhecimento é fundamental. Então, em determinadas situações, por que não ter um biólogo ao lado de um projetista?
A Economia Circular, outro exemplo de multidisciplinaridade, imita os ecossistemas no reaproveitamento dos subprodutos. A reciclagem de resíduos sólidos é outra forma de transformação que reutiliza criatividade. E o meio ambiente agradece.
A vida existe na Terra há quase 4 bilhões de anos e só recentemente estamos desenvolvendo a humildade de aprender com a natureza. Essa ciência é denominada Biomimética.
Por tudo isso, existir requer um eterno aprendizado. E posso lhes afirmar que aprendi muito mais com o sofrimento do que com a alegria, com a crítica severa do que com o elogio superficial, com o erro do que com o acerto – meu e dos outros.
É preciso transformar, sempre. Porque tudo muda. O professor Klaus Schwab, Ph.D., engenheiro e economista alemão, fundador e presidente-executivo do Fórum Econômico Mundial, afirma: “As mudanças são tão profundas que, na perspectiva da História da Humanidade, nunca houve um momento tão potencialmente promissor ou perigoso.”.
Muitos anos antes de Schwab, nosso Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, já alertava: “Viver é muito perigoso”. Dizia isso não porque esse perigo venha da natureza, mas porque ele está no simples ato de viver. É do ponto mais profundo da vida que surge o perigo, é ele que nos faz ter vontade de descobrir, com ou sem sofrimentos existenciais, a solução de dúvidas, desafios, riscos… Entre os quais o de nos perdermos dentro de nós…