Visão Paradoxal da Ciência e Tecnologia
Visão Paradoxal da Ciência e Tecnologia
Flavio Fava de Moraes
A crise financeira internacional posta à vista de todos durante os últimos 10 meses tornou-se, de maneira abrangente, motivo de mobilização dos mais variados segmentos da sociedade globalizada. Cada um de per si, procura explicar as razões, os impactos e conseqüências e, principalmente, construir caminhos ainda inexistentes para a sua real solução.
Deste leque diversificado e expansivo de interessados não se omitiu o setor da ciência e tecnologia que, obviamente, tem sido reconhecido como indispensável para o desenvolvimento socioeconômico da humanidade e, também, do uso e preservação do nosso planeta. Surpreendentemente, nesta temática significativa, a comunidade acadêmico-científica acaba de incorporar duas visões paradoxais e incompatíveis que demonstram, por um lado, clarividência e convicção e, por outro, déficit intelectual e opacidade cristalina.
São fatos comprobatórios:
1. No USA onde é grave o efeito da crise, o novo governo, afora seu orçamento para 2010 de US$ 3.6 trilhões, aprovou para o próximo biênio um “pacote de estímulos” de mais US$ 787 bilhões para setores estratégicos nos quais constam US$ 111.4 bilhões destinados à pesquisa científica tornando-se o maior investimento já realizado para a Ciência & Tecnologia. Neste aditivo, como destaque para a nossa interessada área da saúde estão especificados os seguintes setores: eficácia de tratamentos abandonando os ineficazes, recompensa para médicos e hospitais, fomento à pesquisa básica e eficácia no gasto das verbas. Os atores da Ciência & Tecnologia não estão preocupados com o financiamento e a infra-estrutura necessários ao novo desafio. Estão convictos que poderão dar contribuições relevantes, mas sabem que em Ciência & Tecnologia nem sempre é possível definir “tempo de conquista” perante boas oportunidades face à inexorável cobrança de resultados. Isto porque não será admissível constatar o desperdício do dinheiro investido por uso indevido qualquer que seja sua explicação. Mas todos sabem que Ciência & Tecnologia em associação com a Educação e a Cultura constituem a tríade que determina os autênticos valores da plena cidadania desejada. (Dados: New Scientist e Folha/03/03/09)
2. O atual Governo do Brasil que, sem dúvida, também não desconhece os efeitos da crise procura se adequar à realidade internacional e ao equilíbrio e estabilidade nacional. Porém, suas ações para os setores fundamentais da Educação e da Ciência & Tecnologia, à revelia dos mesmos setores, vão na contramão da solução do problema. Enquanto nações já desenvolvidas priorizam estas áreas o nosso Brasil através dos mandarins do executivo e complacência (subserviência?) da maioria legislativa aprovam para 2009 não um pacote de estímulos, mas um corte + contingenciamento de R$ 2.,3 bilhões na Educação e R$ 1.232 bilhão na Ciência & Tecnologia num total de R$ 3.532 bilhões (Jornal da Ciência, 03-04-09).
Esforços, mobilizações e justificativas pela comunidade científica ou promessas e decisões pouco cumpridas pelo lado estatal continuam a jorrar, respectivamente, pelos mais variados eventos e entidades ou por palanques e propagandas oficiais. Isto sem insistirmos que ainda há outras carências fundamentais para a melhor formação de nossa gente tais como: escolas sem luz e saneamento, 600 cidades sem biblioteca e 90% de municípios sem cinema, teatro, museus ou salas culturais. O resultado é um triste retrocesso em todo o progresso que há muito se tenta conquistar e consolidar.
Já publicado no Jornal da Fundação Faculdade de Medicina/Abril-2009.
Prof.Dr. Flavio Fava de Moraes
Diretor Geral da FFM, Professor Emérito do
Instituto de Ciências Biomédicas – USP
Acadêmico da Academia Paulista de Educação – Cadeira nº 1
Ex: Reitor da USP,
Diretor Científico da Fapesp e
Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia