Abertura das reuniões temáticas – Exposição do Acadêmico Paulo Nathanael Pereira de Souza
Abertura das reuniões temáticas – Exposição do Acadêmico Paulo Nathanael Pereira de Souza, titular da cadeira nº 07, patrono Padre Leonel Franca, que abordou o tema:
O Estado da arte da educação básica brasileira.
O Tema que me foi proposto é vasto, e para aborda-lo no exíguo tempo de que dispomos, vai me obrigar a omitir vários aspectos importantes e/ou comentar, insuficientemente, pontos que são da maior importância para a compreensão da crise que, hoje, avassala a educação brasileira. Por isso mesmo, vou me ater aos aspectos, que a meu ver, são os mais responsáveis pela saúde precária dos sistemas de ensino, sejam eles nacional, estaduais e municipais. Assim sendo falarei sobre: os números negativos da nossa escolaridade básica; os custos dessa escolaridade; a ausência de uma política educacional e/ou de um planejamento adequado; e, finalmente o despreparo e a falta de bons resultados dos professores. Antes porém de entrar nessas considerações, quero agradecer ao senhor Presidente da APE, professor Wander Soares, o convite que me formulou para falar aos prezados confrades e confreiras, que compõem o quadro social da nossa academia.
I. Os números da escolaridade básica no Brasil.
Costumo dizer que o Brasil sempre educou bem suas elites, mas em tempo algum conseguiu o mesmo sucesso na educação do povo. E as estatísticas e educacionais produzidas, internamente, pelo SAEB\IDEB, e internacionalmente pelo PISA, tem, ano a ano, confirmado aquela minha observação. Se, de um lado, o país conseguiu oferecer vagas para todos os alunos dos seis aos catorze anos, que é a faixa correspondente ao ensino fundamental, por outro lado, no que diz respeito à educação infantil e ao ensino médio, há, quantitativamente, uma enorme falta de vagas e um “déficit” monumental de matrículas, que as citadas avaliações vem nos mostrando. Só de novas vagas em creches há uma necessidade nacional de sete (7) milhões (isso são duas vezes a população do Uruguai) e no que diz respeito ao ensino médio, a maioria dos alunos que nele se matriculam não chegam a 50% dos que se formam no fundamental. Mas, o pior de tudo é que, em todos esses graus de escolaridade, não há qualidade, porque os alunos não conseguem aprender o mínimo exigido dos ensinos pré-escolar, fundamental e médio. Principalmente do médio. Vejamos alguns números que confirmam os comentários acima feitos. Provas aplicadas em alunos da terceira série do ensino fundamental mostram que mais da metade deles são incapazes de ler e compreender o que leem, em textos simples e corriqueiros.
Quanto à escrita, não conseguem redigir corretamente palavras com diferentes estruturas silábicas. Em matemática, seu rendimento tem sido ainda pior, eis que a maioria dos examinados não são capazes de fazer operações aritméticas com números de mais de um algarismo. Muitos não conseguem nem mesmo ler horas num relógio analógico! Isto tudo no ensino fundamental. Quanto ao ensino médio, 54% dos matriculados terminam o curso e o restante (46%) se evade, por acharem os estudos desinteressantes e de pouca valia para suas pretensões, quer como cidadãos, quer como trabalhadores. Na faixa etária dos 17 aos 20 anos há 1.700.000 (hum milhão e setecentos mil jovens) por ano que nem estudam nem trabalham.
O Pisa, como todos sabem, é uma prova de língua vernácula, matemática e ciências, patrocinado pela OCDE para cerca de 70 países (Inclusive o Brasil), a cada dois ou três anos. Selecionam-se alunos com quinze anos de idade e os submetem a medições de ganhos de conhecimentos, havidos, eventualmente, nos intervalos entre as provas. Os brasileiros que se submetem a essas provas desde o ano 2.000, conseguem obter notas tão baixas, que se classificam sempre no último terço da tabela de resultados. E isso tem a ver com o péssimo desempenho de nossos cursos do ensino médio.
Sem exagero se pode dizer que tudo isso faz com que nossos sistemas (nacional, estadual e municipal) de educação funcionem à beira de um estado falimentar. E, se fossem empresas, já teriam fechado.
II. Custos ou financiamento da educação básica no Brasil.
As principais fontes de financiamento educacional do Brasil são as fixadas pela Constituição Federal e o FUNDEB. Pelo artigo 212 da constituição de 1988, a União contribui, anualmente, para a educação, com 18% de todos os impostos e taxas que arrecada, cabendo a Municípios e a Estados entrarem com 25% de sua arrecadação fiscal. Quanto ao FUNDEB (Fundo do Ensino Básico) os valores variam muito de ano para ano. Isso tudo faz com que a despesa pública brasileira com a educação some cerca de 6% (Seis por cento) do PIB nacional. Poderia ser suficiente para se ter um ensino qualificado (a Alemanha gasta 4%), mas não é o que acontece, e sempre se pede mais (o Plano Nacional de Educação fala em 10%). Além do estado de degradação da infraestrutura da rede escolar (faltam bibliotecas, oficinas, laboratórios, áreas esportivas e o que mais for), há sinais de ralos indesejáveis, que engolem boa parte dos recursos, na sua caminhada entre sua origem e seu destino (há estudos que mostram que, de cada dez reais destinados à escola, só três chegam às salas de aula!) De qualquer forma, o Brasil, apesar dos fatos acima aludidos, ainda gasta insuficientemente com a educação de suas crianças e seus jovens. Numa comparação com os países europeus isso fica evidente, eis que na OCDE se despendem cerca de nove mil dólares, em média, com um aluno-ano do ensino básico, enquanto que no Brasil esse mesmo gasto não ultrapassa três mil e quatrocentos dólares.
O que, na verdade falta, no Brasil, é o estabelecimento de prioridades, eis que, no ensino superior público, o aluno-ano despende entre 70 e 80 mil reais. Num planejamento competente os ensinos fundamental e médio, além da Educação Infantil, deveriam ser as prioridades obrigatórias de um projeto educativo de dimensões nacionais.
III. A ausência de uma política educacional modernizante.
Por não dispor de uma política educacional consistente, que inspire os administradores e os operadores das políticas macro (sistemas de ensino) e micro (escolas e redes escolares) sobre o que deve ser feito, no curto, médio e longo prazo em educação, o país vive, hoje, a maior de suas crises, e não vê saída para os problemas que se apresentam na vida de alunos e professores. Sente-se a falta de referências culturais e filosóficas para guiar os “policy makers” na formulação dos projetos, e os professores, na execução dos planos de ensino, que deveriam ser desenvolvidos em sala de aula. Entra ano e sai ano, e os professores assumem suas cátedras fazendo o mesmo discurso e repetindo os mesmos conceitos de sempre, sem levar em conta as mudanças culturais que continuamente ocorrem no país e no mundo. Daí que a educação brasileira sofre de um certo sabor de coisa já vista, o que tem impedido a preparação das novas gerações para o futuro. O eruditismo dos conteúdos das disciplinas, os discursos professorais, que não variam num eterno “magister dixit” e a falta de aplicação da teoria à prática, fazem da escola e da aprendizagem algo repetitivo e pouco interessante para crianças e adolescentes.
Falta, pois, um projeto nacional de educação, que diga claramente: para que se educa, a quem se educa e como se educa. As leis que dispõem sobre a organização e o funcionamento dos temas educacionais (Constituição e LDBs) abordam o assunto de forma muito genérica e de pouca validade para os diversos níveis de ensino. É o que ocorre com o artigo 205 da Constituição em vigor que diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” As LDBs que se sucederam no Brasil, desde a constituição de 1946, repetiram no capítulo da educação, mais ou menos a mesma coisa. E assim vai-se tocando o ensino, sem maiores preocupações com o seu dia a dia nos vários graus de que se compõem os sistemas.
Os coreanos da Coreia do Sul deram ao mundo um grande exemplo: eram atrasadíssimos até a década dos anos 50, do século 20. Seus índices sociais e econômicos eram todos piores do que os do Brasil. Até que um grupo de líderes nacionais se reuniu e decidiu inverter essa situação. Primeiro, fixou metas para o país a serem atingidas em décadas futuras (indústria pesada, atualização tecnológica e educação popular) e, depois, estabeleceu como seria a nova educação (extinção do analfabetismo e ensino médio profissionalizante). Os resultados não demoraram: os cursos se aprimoraram e se atualizaram e num país onde se formavam vinte engenheiros por ano, passaram a formar-se dois mil. Trouxeram especialistas dos países de primeiro mundo e a economia, de agrícola que era, transformou-se em industrial e, hoje, o país inclui-se no primeiro mundo, com a fabricação de carros e navios, computadores e satélites de comunicação, sociedade educada e politicamente participante, e exportações em massa para o mundo todo de seus produtos de invejável qualidade.
É isso que o Brasil terá que providenciar em algum momento, se quiser fazer da educação de seu povo um instrumento de progresso e desenvolvimento nacionais.
IV. A questão dos professores.
Aqui reside a maior parte do fracasso educacional dos brasileiros. As licenciaturas, que formam professores, funcionam como sempre funcionaram, preparando docentes voltados mais para o passado, e sem compromisso com o futuro das novas gerações assim é que a reforma mais urgente seria aquela que mudasse radicalmente a estrutura e funcionamento desses cursos de magistério. Sabe-se que só se encaminham para cursar licenciaturas na universidade, pessoas as mais mal preparadas, para as quais os demais cursos (direito, engenharia, medicina, comunicação social, etc) seriam inviáveis. Sabe-se, também, que o prestígio profissional depende, principalmente, de quanto ganha a pessoa na escola de vencimentos e de carreira, e que o professor, dentre todas as ocupações que exigem nível universitário, é o que menos ganha. Assim sendo é impossível aos docentes do ensino básico cultivarem qualquer entusiasmo pelo que fazem nas escolas em que lecionam. Não é por acaso que os mestres não consigam grandes resultados naquilo que realizam. O magistério é uma atividade estratégica, eis que forma as lideranças do futuro, mas com o que ganha o professor brasileiro, que nem carreira profissional consegue ter, não é de estranhar-se que o nível de escolaridade de nossas crianças e jovens esteja entre as piores do planeta!
É, pois, melhor começar do começo nas reformas educacionais do Brasil e primeiro cuidar da formação e do ganho dos professores, para depois pensar em reformas curriculares de duvidoso sucesso para os alunos. Convençam-se as autoridades que atuam na cúpula dos nossos sistemas escolares: enquanto o professor não for respeitado socialmente e seus vencimentos não alcançarem os patamares da dignidade profissional, esta crise medonha, que, hoje, infelicita o ensino básico, neste país, não será superado.
Era o que eu tinha para lhes dizer. Vamos, agora, aos debates.