Discurso de Saudação ao Acadêmico Celso de Rui Beisiegel.
DISCURSO DE SAUDAÇÃO AO ACADÊMICO TITULAR
CELSO DE RUI BEISIEGEL
pelo Acadêmico Titular José Augusto Dias
25/10/2004
Reúne-se hoje a Academia Paulista de Educação para receber o Professor Doutor Celso de Rui Beisiegel, eleito para a Cadeira nº 19, que tem por patrono Carlos Pasquale. A posse que hoje se verifica é altamente significativa por uma série de razões: em primeiro lugar, porque o empossado é um brilhante professor da Universidade de São Paulo, em que vem realizando uma notável carreira, como professor e pesquisador, tendo exercido também importantes atividades administrativas, na Universidade e no sistema de ensino. Em segundo lugar, porque é certamente a pessoa certa no lugar certo, pois ninguém é mais indicado que ele para ocupar a Cadeira de nº 19, por suas vinculações profissionais e sentimentais, quer com o patrono, quer com seu antecessor na cadeira. Sobre essas vinculações ele certamente nos dará conta em seu discurso de posse.
Dentre os muitos temas que têm sido abordados em suas atividades docentes e de pesquisa, Celso Beisiegel tem dado especial atenção à educação popular, tema presente, inclusive, em suas teses de doutoramento e de livre-docência.
Da leitura desses importantes trabalhos, fica-nos a impressão de que a educação popular no Brasil pode ser caracterizada em dois momentos distintos:
1) o primeiro momento, que vai da independência à queda do Estado Novo, a educação popular é reconhecida como importante, mas não consegue alcançar resultados expressivos. É matéria de discurso, mas não de medidas efetivas para sua realização.
2) A partir de 1945, ainda que lentamente, começam a ser tomadas providências mais positivas, quer no atendimento de crianças em idade escolar, quer na educação de adultos.
Não é de hoje, pois, que se reconhece a importância da educação para a formação da cidadania. Tão logo se deu a independência, como lembra Celso, já o assunto ocupava a atenção dos legisladores por ocasião da discussão do projeto de Constituição de 1823 e foi inscrito na Carta outorgada em 1824, que previa, em um de seus itens, o oferecimento de “ensino primário gratuito a todos os cidadãos”. A partir de então, muito se falou e escreveu, mas quase nada se fez. É bem verdade que, pouco a pouco, foram sendo criadas escolas primárias, mas em número muito inferior às reais necessidades do país.
O ano de 1945 marcou importantes mudanças no país e no mundo. O término de Segunda Guerra Mundial, com a vitória dos Aliados, trouxe a valorização da palavra “democracia”, em uma onda que cobriu o mundo todo. No Brasil, a ditadura Vargas não pode resistir à força dessa ideia e sucumbiu. A partir de então, ganhou força a aspiração pela educação popular e medidas efetivas começaram a ser tomadas. As redes de ensino começaram a expandir-se num ritmo nunca experimentado antes. Foi justamente em 1945 que foi tomada a primeira medida efetiva para a educação de adultos. Em Estado e Educação Popular, Celso diz o seguinte:
As primeiras disposições legais prenunciadoras da inauguração de uma política global do governo brasileiro, no campo da educação de adultos, aparecem num decreto de 1945, que dispunha sobre a concessão de auxílios do Fundo Nacional de Ensino Primário às unidades da Federação. Em seu artigo 4º, após reservar para as construções escolares de ensino primário 70 por cento das verbas previstas em cada um dos auxílios federais por conta do Fundo Nacional de Ensino Primário, o Decreto 19.513/45 destinava à educação elementar de adolescentes e adultos analfabetos a importância correspondente a 25 por cento desses recursos e estabelecia, como condição de sua aplicação, a obediência aos termos de um plano geral do ensino supletivo, a ser aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde. (…)
Estas disposições instituíam uma nova área de atuação do Governo Federal no campo da educação. Pela primeira vez uma importante parcela de recursos ficava explicitamente reservada para a educação de adultos.
A educação de adultos tem sido uma preocupação constante em nosso país, a partir de então. Sempre nos causaram constrangimento os altos índices de analfabetismo. Durante décadas observava-se um fato curioso: logo que tomava posse um novo ministro da educação, este anunciava como uma das prioridades de sua pasta o combate ao analfabetismo. Daí se multiplicarem campanhas e siglas com esse fim: Campanha de Educação de Adultos, MOBRAL, PROALFA, MOVA, Alfabetização Solidária e mais recentemente EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Não deixa de ser preocupante o fato de essas medidas serem lançadas como se devessem tornar-se uma atividade permanente. E realmente o têm sido, por uma razão inglória: é que os analfabetos continuam a ser produzidos pelas falhas do sistema escolar. Se o país tivesse sido capaz de atender à aspiração anunciada na Carta outorgada de Pedro I, oferecendo “educação primária gratuita a todos os cidadãos”, há muito o problema do analfabetismo adulto teria desaparecido. Ainda temos milhões de crianças em idade escolar fora da escola e está aí o verdadeiro problema. É claro que é importante oferecer oportunidade de escolarização a quem não a tenha recebido na idade própria, mas é mais importante ainda providenciar para que todas as crianças recebam educação adequada no momento próprio. Esperar que elas se tornem adultos analfabetos é algo imperdoável – não somente porque, por circunstâncias de vida, terão maior dificuldade na aprendizagem, como também porque terão passado muitos anos pela desvantagem e pelo constrangimento acarretados pela condição de analfabetos. No entanto, a atual LDB trata a educação de jovens e adultos como algo incorporado definitivamente ao sistema de ensino. Diz o artigo 38, com todas as letras: “Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos”, sem se dar ao trabalho de estabelecer um momento em que essas medidas paliativas não sejam mais necessárias. Não custa sonhar com uma lei que remeta o conteúdo desse artigo para as disposições transitórias.
Os escritos de Celso constituem uma valiosa contribuição para o esclarecimento de todos estes problemas, abordando-os com muita competência e seriedade. Evidentemente sua produção intelectual tem alcance mais amplo, atingindo uma variada gama de questões pedagógicas e sociológicas, por intermédio de livros, artigos em revistas especializadas, conferências, comunicações em eventos e outros meios.
Professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, onde exerce regularmente atividades docentes e de pesquisa, nos cursos de graduação e pós-graduação, bem como orientação de alunos de mestrado e doutoramento, Celso de Rui Beisiegel tem também uma preciosa atuação em órgãos administrativos e colegiados, dentro e fora da Universidade. Dentre estas atividades, exercidas ao longo dos anos, podemos destacar as seguintes:
Na USP:
– Chefe de Departamento da FEUSP (1984-1987 e 2001-2004)
– Vice-Diretor da Faculdade de Educação (1987-1988)
– Diretor da Faculdade de Educação (1988-1990)
– Pró-Reitor de Graduação (1990-1993)
Fora da USP
– Membro do Conselho Diretor da FLE (Fundação do Livro Escolar) (1984-1986)
– Membro do Conselho de Assessores do INEP (1984-1986)
– Membro do Conselho Estadual de Saúde (1984-1986)
– Membro do Conselho Estadual de Educação (1984-1990), tendo exercido a Vice-Presidência
É preciso acrescentar, ainda, que Celso Beisiegel, além da docência universitária, tem uma proveitosa passagem pelo magistério na educação básica, na qualidade de professor efetivo do então chamado ensino secundário, bem como diretor de escola por concurso.
Trata-se, portanto, de um professor com uma respeitável folha de serviços à educação, plenamente merecedor da distinção que lhe é conferida no dia de hoje, ao ser admitido para uma das cadeiras da Academia Paulista de Educação.
Caro amigo Celso de Rui Beisiegel, a Academia Paulista de Educação sente-se enriquecida e honrada com a sua participação em suas fileiras. Cabe neste momento utilizar, não de maneira simbólica, mas literal, a expressão: A casa é sua.
Muito obrigado.