Discurso de Posse do Acadêmico Ives Gandra da Silva Martins.
Discurso de Posse do Acadêmico Titular
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
23/6/1993
Senhor Presidente da Academia Paulista de Educação
Senhores Acadêmicos
Senhoras e Senhores
Os constituintes pretérito e atual, conscientes da importância da educação e do desenvolvimento dos povos, impuseram norma, que, apesar de violentada por quase todos os governos, merece reflexão. Trata-se de comando prevendo que 18% da receita de todos os impostos federais, na parte que pertence à União, e 25% de todos os impostos estaduais e municipais, além da receita transferida pela União, deveriam ser destinados à Educação.
Discutem, os constitucionalistas, se tal norma seria uma norma programática, isto é, voltada para o futuro, sem que houvesse a obrigação de ser seguida pelos que deveriam aplicá-la, ou se seria uma norma de eficácia plena e de vigência imediata.
Tenho para mim que o artigo 212 da lei suprema conformou norma de vigência, eficácia e aplicação imediatas, não podendo os quase cinco mil entes federativos furtar-se da obrigação de cumpri-la, sob pena de responsabilização, seja pelas Cortes de Contas, seja por via de ações popular ou civil pública, correndo os governos, que forem questionados pela não implementação do dispositivo constitucional, o risco de serem expelidos do poder.
Relembro tal aspecto aos prezados acadêmicos que me recebem hoje, neste templo da formação da brava gente da heroica Pauliceia, porque, como eles, estou convencido de que uma Nação se constrói, fundamentalmente, a partir da educação de seu povo. Será tanto mais forte quanto mais autoridades investirem na ponte para o futuro, que é a juventude, ou será tanto mais fraca quanto menos cuidarem, seus minúsculos políticos, da preparação das gerações.
Estou convencido de que o grande salto que os gregos ofertaram, em nível de descoberta interior do homem, deveu-se à educação. A preocupação, desde os primeiros tempos da civilização acaica – alicerce do helenismo -, em filosofar e descortinar os mistérios da mente e das potências humanas, de certa forma, plasmou o mundo porvir ao ponto de não se poder mais dizer, depois dos gregos, que o homem seja um desconhecido ou não mais poderem os governantes desconhecer a força das ideias. Roma existiu apenas graças à sua excepcional capacidade de aprender as lições de Grécia, gerando o “direito universal”, que só pode ser plenamente aplicado a povos civilizados. Em outras palavras, a herança grega gerou o direito romano e este a moderna democracia, sempre dependente do nível de educação de suas populações.
Um pouco mais de reflexão sobre esta matéria deve ser apresentada.
Os gregos sempre tiveram forte tendência à especulação. Viajantes por vocação, as impressões de um mundo diverso do seu levaram-nos a voos fantásticos para desvendar os desafios da natureza, assim como a interiorização do próprio homem, a razão de ser da vida e a origem e o fim de todas as coisas.
Desde a queda de Cnossos, no século XV A.C., a civilização grega ofereceu um modelo cultural diverso ao mundo conhecido da época.
Com efeito, o conhecimento do espírito dos povos permitiu aos helênicos a maior incursão na “psique” humana até então realizada, não sendo a fantástica produção filosófica, artística e histórica daquele período senão reflexo dessa realidade.
Este povo, vocacionado para o mar, nele teve a grandeza de sua criação cultural e o fracasso de suas instituições, nunca tendo conseguido consolidar um projeto nacional. Alguns historiadores atribuem à conformação da península, com montanhas separando as cidades e dificultando a comunicação por terra, o mar propiciando a abertura para o mundo, e o céu, sempre claro, facilitando a navegação norteada pelas estrelas, os componentes maiores da saga desta gente, que legou aos homens de todos os tempos o maior acervo cultural conhecido.
A filosofia grega até hoje é insuperável. Toda a produção filosófica posterior é periférica. É mera especulação sobre critérios, dogmas, métodos ou relações, mas, epistemologicamente, sua espinha dorsal continua grega.
Os autores da Grécia nunca se tornaram autores antigos, mas sempre serão autores clássicos, o que vale dizer, permanentes. Ptolomeu foi um cientista antigo, visto que acreditava ser a terra o centro do Universo. Valeram suas pesquisas para a época, mas se tornou, com o tempo, mera referência bibliográfica. Copérnico é um autor clássico, na medida em que seus ensinamentos valeram para aquele período em que viveu e continuam atuais, ao declarar ser o sol o centro do sistema. Ambos especularam no passado, um desvendou a verdade e se tornou clássico, outro foi vencido pelos fatos e se tornou antigo. Um é permanente, outro temporário.
A grande maioria dos filósofos gregos, principalmente os três gigantes maiores, por Rafael imortalizados em inesquecível pintura sobre os mestres do saber, são autores permanentes. No pretérito tempo e no tempo atual são estudados, posto que o que disseram tem sabor de eternidade.
Ora, é exatamente no mundo grego peninsular e asiático, que a educação do homem se faz nos moldes modernos, isto é, não apenas religiosa ou funcional, como entre os judeus e os reinos combatentes da China, mas generalizada para todos os cidadãos.
Os gregos transformaram a educação na própria razão de ser de sua gente, mesmo entre homens menos voltados à cultura, como os espartanos, que, todavia, dedicaram-se a uma outra forma de educação sistemática, que era a física.
A Academia e o Liceu são autênticas escolas, não se devendo esquecer que os filósofos pré-socráticos também tinham suas escolas de formação, como Pitágoras.
Talvez hoje seja apenas criticável o pouco amor ao trabalho que devotavam, principalmente entre os atenienses – tarefa digna e própria do ser humano -, visto que entre eles deveria ser realizado por escravos, o que levou, no fim do século passado, o notável economista Thornstein Veblen a escrever que as classes dominantes sempre foram ociosas, desde o homem pré-histórico.
A verdade, todavia, é que a dedicação do grego, mormente o que vivia em Atenas, assenhoreando-se dos conhecimentos da época, levou-o a frequentar as escolas, ao ar livre, dos mestres de filosofia, que, de rigor, abrangia a universalidade das ciências exatas, biológicas e humanas, naquele histórico período. Aristóteles, inclusive antes de Ptolomeu, já conhecia as regras essenciais do Universo, não tendo dúvida sobre a esfericidade da Terra. Assim, após os gregos, a Educação é a fonte do fortalecimento dos povos. Floresceu entre os romanos até a queda de seu império ocidental, quando a igreja Católica assumiu, definitivamente, sua função de educadora, civilizando os bárbaros. A Universidade, típico fruto da Idade Média criadora, vem alavancar a evolução científica das nações europeias, sob a tutela da Igreja Católica. A ela se deve o surto admirável do surgimento dessas escolas superiores no mundo inteiro.
E, hoje, todos os países têm seus olhos postos na formação de gerações, pela educação, desde aquela mais elementar, para os mais jovens ou para os analfabetos, até aos mais sofisticados cursos de pós-graduação, em que resta a impressão de que o homem está no vestibular da conquista do Universo, se conseguir dominar suas próprias insuficiências e fraquezas ou tendências menos dignas de uma natureza decaída.
Tais considerações, em discurso de posse na Academia Paulista de Educação, objetivam mostrar o quanto é relevante a valorização do ensino no mundo atual. E o papel de sodalícios, como o da Academia Paulista de Educação, é de particular importância, pois neles se irmanam autênticos sacerdotes da cultura.
Sempre gostei de ensinar. O que recebia de ensinamentos, em aulas, conferências e leituras, desejava compartilhar com os outros. Por esta razão decidi, desde priscas eras, ser, além de advogado, professor. O educador sempre me pareceu aquele que renova o gesto milagroso da multiplicação dos pães para seu universo de ensino. É um semeador da compartilhação. É um arquiteto do futuro pelas mãos do passado. Quem ensina deixa de ser ele, para ser ele e mais todos os outros. Digo mais, deixa de ser ele, para ser todos os outros. Passa a viver para os outros e não para si mesmo e a sua vida de professor é uma vida de mãos abertas, de crença nas gerações que crescem, para as quais oferta decisivo e generoso apoio.
Tais características encontrei tanto no patrono da cadeira 25, João Toledo, quanto em seu primeiro ocupante, Antônio D’Ávila.
João Toledo foi paulista de Tietê, nascido em 12 de Maio de 1879 de uma prole de nove filhos do casal Augusto Corrêa de Toledo e Maria Almeida Lima. Entre folguedos, livros e ferramentas de marceneiro passou sua infância e adolescência, tendo colado grau na 2ª Turma de Itapetininga, em sua Escola Complementar, em 1900, com distinção e louvor, láureas que ostentou durante todo o curso.
Aos 21 anos, já era diretor do Grupo Escolar de Serra Negra, em cujo estabelecimento conheceu D. Carmélia Lombardi com quem se casou, em 1904, e de cuja estável e feliz união nasceram cinco filhos: Aimée, Ruy, Laís, Wanda e Renato.
Assumindo, em 13 de abril de 1908, as funções de Diretor do Grupo Escolar de Rio Claro, veio para São Paulo, onde completou o curso de Pedagogia e Psicologia em 1912, sendo nomeado professor de Psicologia Experimental, Pedagogia e Educação Moral e Cívica e eleito lente vitalício, em 10 de fevereiro de 1916, na Escola Normal de São Claro.
Em São Carlos passou o melhor período de sua vida, dominando, por estudos autodidáticos, o francês e o inglês perfeitamente, assim como, razoavelmente, o italiano e o espanhol. Os professores da escola eram de nível. Entre seus amigos, encontravam-se Carlos Silveira, Mariano de Oliveira e Antônio Firmino de Proença, com quem discutia as leituras preferidas e os avanços na metodologia do ensino. Era grande conhecedor de Plutarco, Carlyle, Renan, Taine, Shakespeare, Maeterlink, Flaubert, Anatole France, Pierre Loti, Rui Barbosa, Oliveira Lima, Joaquim Nabuco, Calógeras, Capistrano de Abreu e Gilberto Freire. Eça, Herculano, Dostoievski e Gorki também influenciaram-no.
Há aqui uma notável coincidência. A primeira Faculdade em que fui professor titular de Direito, na cadeira de Finanças Públicas e Direito Financeiro, foi a Faculdade de Direito de São Carlos, à época em que a controlava o governo federal, isto é, nos idos de 1971.
Lecionamos, em tempos diversos e matérias diversas, mas na mesma hospitaleira cidade do interior paulista.
Em 31 de janeiro de 1921 foi removido de São Carlos para a Escola Normal de Campinas a fim de reger a cadeira de Prática Pedagógica. Sua promoção para Inspetor Geral de Ensino do Estado de São Paulo, em 1924, trouxe-o à capital, onde passou a exercera função de Assistente Técnico de Ensino Normal.
Por reconhecimento de seu fecundo trabalho como educador, o Governador Pedro de Toledo, em 26 de maio de 1932, nomeou-o Diretor Geral do Ensino do Estado de São Paulo, onde permaneceu até a derrota dos paulistas na heroica revolução, que, vitoriosa nas ideias, obrigou o ditador Getúlio Vargas a curvar-se na outorga da Constituição de1934.
De outubro de 1932 até maio de 1935, foi assistente da Escola Normal do Instituto Caetano de Campos, quando se aposentou, após trinta e cinco anos de serviços prestados à educação no país, exatamente o número de anos que completo em 1933, como professor universitário, desde as primeiras aulas que ministrei no distante 1958, então como monitor de legislação trabalhista.
Faleceu em 21 de dezembro de 1941, depois de ter produzido obra notável no campo da educação e ciências correlatas, sobre ter participado de inúmeras atividades extracurriculares, como Congressos e Simpósios. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, como sócio efetivo em 5/5/1938 e como sócio honorário, em 5/3/1942, homenagem póstuma daquela notável Instituição.
Como reconhecimento por sua obra, o então Interventor de São Paulo, Fernando Costa, esculpiu seu nome no Grupo Escolar de Cerquilho, em Tietê, no dia 24 de dezembro de 1941.
Entre seus trabalhos mais conhecidos encontram-se Crescimento Mental, Escola Brasileira, Sombras que vivem, Didática, Planos de Lição, São Paulo – Variações sobre motivos da História Paulista.
Algumas palavras sobre sua obra.
Sud Mennucci assim se manifestou a respeito do escritor:
E teu estilo vai admiravelmente ao assunto: emotivo e suave, é sempre vibrante, pela instintiva simpatia com que tratas as narrativas e alteando-se aos episódios trágicos ou baixando-se às cenas da vida ordinária, não perde nunca a sobriedade que distingue um escritor honesto dos escribas vulgares desprovidos congênitos do senso da medida e das proporções.
Estilo mais de orador e poeta, que de apreciador sereno e impassível da História.
Adérito Augusto de Moraes Calado, em cuja biografia de João Toledo hauri muitos dos dados aqui apresentados, assim resume os traços característicos da obra do insigne educador:
Vestiu a expressão de toques delicados de renda, aquecida pela emoção despertada ao sabor das narrativas assaz atraentes e encantadoras.
Fabulação rica de imagens interessantes, evocando a vida de outrora, as suas figuras lendárias e a trama do viver social e político do nosso povo.
É, todavia, com a mesma ternura com que lembramos, ele e eu, a Virgem Imaculada, que termino o rápido perfil de João Toledo, visto que, como ele, venero aquela que é a Senhora dos Impossíveis e Mãe de todos os mortais, transcrevendo trecho em que narra o fim de um dia ordinário de trabalho, ao som dos sinos das Ave-Marias:
D’lém, b’lém, d’lém… Ave-Marias, últimas badaladas da tarde. Enchem os ares sons macios de bronze. Retalhos tênues de crepe amarrotam-se no alto e descem lentamente sobre a terra. A quietude e o silêncio começam. Roceiros e operários recolhem-se a seus lares. Cessa, para muitos, a vida áspera do dia. Ferramentas encostam-se pelos cantos. Braços e pernas fatigados distendem-se e entram em repouso. Rodeiam as moradas animais domésticos, de cabeça baixa, como a pensar. O olhar do homem, incerto, sem destino, arrasta-se pelas nuvens de chumbo rendadas de ouro, inda no ocaso.
E as recordações invadem-lhe o espírito. É a hora do recolhimento.
Passo, agora, a examinar de forma também breve e perfunctória a vida de meu antecessor Antônio D’Ávila. Nasceu em Jaú, em 13 de julho de 1903, tendo vindo para São Paulo com sua família e aqui feito seus estudos primários na Consolação, na Avenida Paulista e na Rua Santo Antônio, onde havia grupos escolares. Seu ingresso na Escola Normal da Praça da República deu-se em 1917, de onde saiu diplomado em 1920. Começou a lecionar assim que formado. De início, em escolas distritais reunidas e rurais, passando, mais tarde, aos grupos escolares, como os de Mirassol e Santa Cruz do Rio Pardo, nesta última tendo sido diretor.
Depois de ter sido diretor de escolas reunidas, lecionou pedagogia em estabelecimentos normais livres, tornando-se lente de metodologia do Instituto de Educação da USP. Inscreveu-se como candidato a professor catedrático naquela instituição, em 1935, com obtenção, no concurso, do grau de livre docente. E a partir daí lecionou em inúmeras instituições, como a Faculdade de Filosofia São Bento, Faculdade Católica de Filosofia, Ciências, Letras de Campinas, Instituto de Serviço Social do Senac e do Senai, Escola Normal Livre do Ipiranga, Instituto Frederico Ozanan, Sociedade São Vicente de Paulo.
Antônio D’Ávila participou de inúmeras entidades culturais, tendo sido vice-presidente da Sociedade Paulista de Educação, diretor geral do Departamento de Educação, membro do Conselho Estadual de Educação, da Academia Paulista de Psicologistas, do Instituto Histórico e Geográfico, da Liga do Professorado Católico, do Centro do Professorado Paulista, inclusive ensinando psicologia nos cursos pré-jurídicos da Faculdade de Direito de São Paulo, traço que me une a meu antecessor, pois naquela escola me formei em 1958, bacharel em Direito. Recebeu inúmeras condecorações e bolsas de estudo, mas, dentre os fatos que marcaram sua vida, está a participação na Revolução Constitucionalista de 1932, cuja “vitoriosa derrota” rendeu-lhe a prisão na Ilha Grande, motivo que a história demonstrou ser não uma mácula, mas um galardão.
E aqui, mais um ponto de contato com meu antecessor, visto que lutou ele pela outorga de uma Constituição ao país, o que só foi possível em 1934, por força do movimento de 32, e tenho eu lutado, dentro das limitações notórias de minhas forças, pelo primado da Constituição no país. Sempre entendi que o verdadeiro Estado de Direito apenas se realiza no momento em que uma Constituição é estável. Os ingleses têm sua “Lex Maxima” desde 1215 e os princípios daquela Carta até hoje maravilham os constitucionalistas de todos os países, visto que não há Constituição que não tenha, em alguma medida, incorporado disposições daquele diploma dos barões ingleses.
A própria Inglaterra nunca mais redigiu um diploma substitutivo, em face de os princípios gerais dispostos naquele texto serem ainda hoje de aceitação absoluta.
Lutamos os dois pelos mesmos ideais em prol do Brasil, na esperança de que a lei suprema ponha o Estado a serviço do povo e não o povo a serviço dos governantes.
Antônio D’Ávila escreveu inúmeras obras, entre elas, Práticas Escolares, Figuras e Fatos do Ensino Brasileiro, Panorama do Brasil, através de um espírito: José Veríssimo, Guia do Estudante, Grandes Educadores (biografia de Dom Bosco), O Mestre das Américas (biografia de Manuel Bergstrom Lourenço Filho), As modernas diretrizes da Didática (tese de concurso), Pedagogia Teórica e Prática, Pátria Brasileira (lições de civismo), Vida de Edmundo D’Amicis, Grandes Figuras do Magistério Feminino, Biografia da Professora Maria Augusta D’Ávila. E em Literatura Infantil, no dizer de Samuel Pfromm Netto, a carreira do escritor atinge seu momento maior. Deve-se lembrar ainda que foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil.
Foi também tradutor conceituado, tendo, com o professor Damasco Pena, traduzido a obra de Aguayo, Didática da Escola Nova.
É, todavia, na biografia de sua tia que se sente, com maior profundidade, a alma sensível, generosa, culta de Antônio D’Ávila, sobre saber-se fazer expressar em estilo trabalhado, mas simples e elegante. Todos os capítulos são iniciados por uma citação. De Gabriela Mistral, por exemplo, tira o perfil do verdadeiro educador, quando escreve:
Senhor! Tu que ensinaste, perdoa que ensine e que tenha o nome de Mestra, que tiveste na terra,
ou de Jacob Neto:
Na lembrança da mestra tão querida
A quem rendemos culto tão profundo,
digamos que ela foi maior que a vida
e teve um coração maior que o mundo.
Ou ainda de Maria Augusta D’Ávila:
O sofrimento é a escola onde as almas ensaiam o voo para as alturas.
Não quero, todavia, terminar este elogio sem transcrever algumas palavras de D’Ávila sobre o patrono de nossa cadeira (sua e minha), para que todos conheçam a poesia do patrono e a prosa do sucessor:
Silêncio – dias tristes, noites frias,
Vão-se as aves embora.
Passa-se o inverno, e as aves fugidias,
Cantando à luz da aurora,
Enchem de novo a terra de alegrias.
Partem, ficamos sós; e quem as há-de
Aqui substituir?
Outros vão … outros vêm … mas a saudade
Das que vimos partir
Mais e mais, como fel, noss’alma invade.
Luz no céu uma estrela; a terra escura
Diz ela é fria, é triste.
E nas trevas, andamos à procura
De um bem que não existe.
Esse estrela é a esperança, a terra escura
Seria a vida triste …
Não indagues, diz ela se a ventura
É bem que acaso existe.
Esta vida é um prazer, nunca foi triste
Nem fria, nem escura,
Porque a esperança é bem que sempre existe
É sol que sempre dura.
Sobre tais versos, escreve meu antecessor:
Dotado de palavra fácil, fluente, Toledo era orador capaz de prender e emocionar auditórios. Com um acento característico da fala da região sulina, no Estado, escandindo as sílabas com cuidadosa dicção, discorria sobre temas históricos e de educação, sociais e didáticos com abundância de imagens e delicadas nuances de pensamento. Lendo ou falando de improviso, era sempre o mesmo fidalgo no dizer e na figura. Sua palavra correta e precisa, de que se ouviam as terminações claras, enlaçava-se em pensamentos elevados, num tom de quase pregação apostólica. Brotavam de suas expressões, de ordinário, indicações, diretrizes e advertências para a ação humana, quer no sentido social, quer no campo da escola, mas sempre tocados de emoção ao referir-se ao mestre ou ao homem comunitário, aos jovens, crianças e adultos. Pode-se dizer que a tônica da palavra desse orador nato, vestida de galas e floreios de estilo, era o Brasil, o homem brasileiro, nossos ideais, nossa História.
E chegou o momento de parar. Quis ser, desde os bancos escolares, advogado e professor. Sou hoje professor e advogado. Na defesa dos interesses e direitos de meus clientes dedico parte de minha vida. Na defesa das instituições jurídicas a outra parte. Nesta defesa, a espada do ensino e o escudo das manifestações públicas contra as arbitrariedades do poder têm sido por mim brandidos com os desajeitos próprios de minha mediania, mas com a grandeza sem limites de meus ideais. Meu patrono e meu antecessor também assim agiram. Com os mesmos ideais e com superior dinamismo e talento.
Nunca pensei, quando acadêmico de Direito e aprendiz de professor, que um dia estaria no sodalício maior da Educação em São Paulo, desta terra generosa que conformou as fronteiras do Brasil, ofertando às gerações vindouras uma nação continental. Desta terra em que os bandeirantes distenderam o arco das Tordesilhas para, um dia, lançarem seus descendentes a flecha do futuro de um grande país. Desta terra que liderou sempre os mais nobres movimentos da nacionalidade e que emociona os que nela nasceram ou aqueles que hospitaleiramente foram por ela recebidos.
Ingresso nesta Academia pelas mãos de meu amigo, mestre e insigne psicólogo, Samuel Pfromm Neto, de cujos esforços para minha eleição, nada obstante sua discrição, tive conhecimento e a quem sou gratíssimo, ele que é uma das mais esplendorosas expressões da moderna psicologia e que exerce com brilho e eficiência a presidência desta Casa de Cultura.
O educador é necessariamente um desbravador do porvir. Seus estudos antecipatórios, mesmo que versando sobre o passado, ganham sempre a dimensão do amanhã por força da pureza de seus ideais e da semente de suas lições. Que esta Academia, que presta permanente homenagem aos que ensinam e preparam o Brasil futuro, continue a orientar São Paulo e o país, e que eu, seu mais modesto membro, possa com meus demais confrades, participar, não no talento, mas na constância e no trabalho, deste gesto generoso e fecundo de semeador de cultura e de grandeza.
Muito obrigado.