Discurso de Posse do Acadêmico Flávio Fava de Moraes.
ACADEMIA PAULISTA DE EDUCAÇÃO
Discurso de Posse do Acadêmico Titular
FLAVIO FAVA DE MORAES
9/12/2002
Senhor Presidente da Academia Paulista de Educação
Senhores Acadêmicos
Senhoras e Senhores
É uma honra poder nesta data ingressar na Academia Paulista de Educação (APE) como membro titular de sua cadeira nº 1, que tem como patrono o insigne educador Eduardo Carlos Pereira e como seu primeiro ocupante o notório e reconhecido Mestre de saudosa memória Aquiles Archero Júnior.
Conto ainda com o privilégio de ter à mesa desta solenidade que se realiza no Centro do Professorado Paulista (onde temos a sede da APE) o Professor Sólon Borges dos Reis, Presidente da Academia; o Professor José Augusto, seu secretário; o meu colega e amigo Professor Doutor Adolpho José Melfi, Reitor da USP (acompanhado do também amigo Professor Doutor Hélio Nogueira da Cruz, Vice-Reitor da USP) e do Professor Doutor João Gualberto de Carvalho Meneses, membro titular da Academia, principal responsável por eu estar usufruindo desta homenagem e que me saudou com detalhada pesquisa de minha vida acadêmica, além de afetuosas e amigáveis referências, que me deixam constrangido face à hipertrofia dos seus eventuais méritos.
Agradeço com emoção a presença dos meus familiares (em especial, a esposa Enice, a filha Ana Paula, a netinha Giovanna, a nora Cristina e sinto a ausência do filho Marcelo, que não pôde comparecer), dos muitos acadêmicos com os quais conviverei ou que já interajo há tempos, como Pavan, Witter, José Mário Azanha; dos amigos e colegas da Fundação SEADE e da USP.
Cabe-me, inicialmente, de forma breve e resumida, rememorar algumas peculiaridades do educador Eduardo Carlos Pereira (de Magalhães) que é o patrono da cadeira nº 1 desta Academia.
De início já alerto que a síntese que se segue pode ser enriquecida em publicação de 1983, com a alentada biografia: “Eduardo Carlos Pereira: seu apostolo (ou apostolado) no Brasil”, de autoria de Adolpho Machado Corrêa, graças à iniciativa do Dr. Flávio Pereira de Magalhães, neto do nosso patrono.
Nascido em Caldas, Minas Gerais, em 8/11/1855, veio a falecer em São Paulo, em 3/3/1923, com 67 anos, logo após retornar de delicada cirurgia nos Estados Unidos da América do Norte.
Era filho de um farmacêutico paulista de Guaratinguetá e de uma mãe goiana da atual Pirenópolis e teve 3 irmãos. Com 19 anos converteu-se à igreja presbiteriana e abandonando seu ideal de ser advogado, tornou-se ministro do evangelho aos 25 anos, em 2/9/1881.
Casado em 1880 com sua colega de escola, Louise Lanper, nascida na Suíça, tiveram 2 filhos: Carlos Pereira de Magalhães e Leonor Stewart. Esta, casada com o Presidente do Mackenzie, viveu posteriormente nos Estados Unidos, até idade superior aos 90 anos.
Nosso patrono estudou em Araraquara, Campinas e São Paulo. Evangelizou-se em inúmeras cidades dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, tanto a pé, a cavalo, carroça, “jardineira”, trem, etc. etc…
Na capital paulista teve atuação destacada na Catedral Presbiteriana, quando situada na Rua 24 de maio (hoje a Catedral está na Rua Nestor Pestana). Fundou a Imprensa Evangélica, a Revista das Missões Nacionais e o reconhecido “O Estandarte”. Criou o Seminário e Colégio Evangélico, onde foi Diretor e Professor (também lecionou na Escola Americana). Desde jovem aprendeu e lecionou português (no ginásio estadual onde hoje é a Pinacoteca); além de latim, inglês e francês.
Foi enorme sua luta contra a discriminação de católicos, seus conflitos na própria igreja presbiteriana e seus confrontos com personalidades, como por exemplo, com o Doutor Vital Brasil.
Se hoje estivesse vivo, certamente seria pessoa indispensável na polêmica temática do ensino religioso, que ainda perdura na área da educação brasileira.
Além de educador e presbítero, suas principais marcas, Eduardo Carlos Pereira também foi notório como exemplo familiar, filólogo, escritor, crítico literário, abolicionista e jornalista.
A Academia Paulista de Educação foi justa e feliz em conceder seu nome como Patrono da cadeira nº 1, o que indubitavelmente muito contribui para que seu exemplo de vida na educação seja perpetuado em nossa história.
Prossigo este meu singelo discurso relatando também de forma sumária algumas palavras sobre o meu antecessor nesta cadeira nº 1, o Professor Aquiles Archero Júnior, que faleceu recentemente, em 4/5/2000, aos 92 anos de idade. O Professor Archero Júnior era uruguaio de nascimento, na cidade de Montevidéo, em 5/6/1907, tendo ainda jovem vindo para o Brasil e se naturalizado brasileiro.
Foi casado com a sra. Heredina Amaral Archero e tiveram 4 filhas, das quais está aqui presente a sra. Heloiny (sua 3ª filha), o que muito nos distingue e a quem agradecemos de coração.
O Professor Archero foi o fundador e primeiro presidente da Academia Paulista de Educação (APE) e primeiro ocupante da cadeira nº 1, cujo patrono é Eduardo Carlos Pereira. É ao Professor Archero que tenho a honra de suceder e, portanto, é fácil vislumbrar a grandeza da responsabilidade que assumo nesta data.
Relembro que a APE fará 25 anos, seu jubileu de prata, no ano 2005 e há pouco, ao comemorar o 20º aniversário concedeu o título de Educador Emérito ao seu fundador, o Professor Archero que, como professor e advogado, teve exitosa trajetória na educação brasileira e, em especial, na paulista.
Iniciou seus estudos até a escola normal na cidade de Itapetininga/SP tendo posteriormente se graduado em Filosofia pela USP em 1937, ou seja, 3 anos somente após a fundação da USP em 1934, constituindo-se num dos primeiros alunos a se formar na nova e primeira Universidade Brasileira.
Graduou-se também em Direito no ano de 1941 pela Universidade Federal Fluminense, além de ter realizado vários cursos complementares em estatística, orientação educacional e de reformulação curricular.
Exerceu 29 cargos entre oficiais e não oficiais na área educacional que justificaram plenamente todos os elogios sobre sua atividade profissional, destacando-se sobremaneira o respeito conquistado pelos professores das escolas oficiais paulistas.
Publicou 22 obras, todas esgotadas, dentre as quais ganhou notoriedade a denominada “Lições de Sociologia Educacional”, incontestavelmente uma das melhores do gênero e que refletiu o talento do eminente autor como uma das expressões do magistério de São Paulo.
Realizou viagens ao exterior com participações em congressos e recebeu inúmeros prêmios de diferentes instituições dentre as quais: Ordem dos Advogados do Brasil, Centro do Professorado Paulista, Associação Brasileira e Associação Paulista de Educação e Academia de Letras de São Paulo.
Foi presbítero atuante. Este fato deve ter sido determinante para que viesse a conceder o nome de Eduardo Carlos Pereira como patrono da cadeira nº 1 da APE, que Archero ocupou até o ano de 2000.
Dentre suas várias iniciativas na educação, cito, para concluir, a fundação da Universidade Popular “Presidente Roosevelt”, onde foi Diretor por 10 anos até 1955 e onde também como docente teve como colegas os políticos Ulisses Guimarães e Jânio Quadros, que vieram a ser inquestionáveis autoridades na política nacional.
Finalmente, devo expor umas poucas reflexões de minha vivência na USP nestes 45 anos transitados de aluno a Reitor e cujas etapas foram primorosamente reveladas pelo Professor João Gualberto. Isto porque, embora tenha enviado uma síntese de meu currículo para a APE, o Professor Gualberto conseguiu desvendar fatos que até eu fui rememorando e, confesso, senti-me deferido pelo seu cuidado e fraternal amizade.
Sempre entendi a educação, e em especial a educação superior, pois não tenho experiência e sou amador na educação pré-universitária, como um valor estratégico e um desafio entre conflitos tais como entre: luz e sombra, saber e ignorância; avanço e atraso; cidadania e barbárie; lógica e paixão; paz e guerra; razão e emoção; verdade e mentira; ética e impostura; etc.
A missão educacional sempre vinculou-se à formação intelectual, moral, social, política, profissional, humanística artística. Para tanto sempre empenhou-se na geração do conhecimento (pesquisa), na sua transmissão (ensino), na sua preservação (ex.: bibliotecas/museus) e no seu uso (técnica, tecnologia e inovação).
Porém a jornada da educação é repleta de constantes desafios de diferentes naturezas e proporções, tais como:
Sociais: permitir o acesso permanente da população ao saber, facilitar a formação de pessoas competentes, estimular o interesse pelos problemas nacionais e/ou regionais e locais exponenciando sua interação social e, portanto, estimulando maior demanda para evitar uma sociedade estagnada.
Políticos: fazer-se reconhecer pelos poderes constituídos como um valor indispensável ao desenvolvimento da soberania nacional e, consequentemente, para que seja uma prioridade inquestionável independentemente do governo vigente.
Acadêmicos: manter um princípio já expresso no século XVI que “é melhor uma cabeça bem feita do que uma cabeça bem cheia”. Ou seja, é o compromisso com o conteúdo e a qualidade do que ensinar sem que haja uma “pasteurização” normativa e/ou curricular.
Econômicos: recusar permanentemente que a educação seja analisada somente pelos seus aspectos financeiros. Defender a escola pública gratuita sem discriminar as iniciativas privadas e até mesmo facilitar experiências de parcerias entre os dois sistemas desde que preservem suas identidades e desde que haja benefícios mútuos.
Se a educação apresenta desafios, alguns pouco acima citados, ela também enfrenta sérios riscos e a privatização da educação, tanto no ensino, pesquisa e extensão, é um dos mais preocupantes. Haja vista a discussão atual em organismos internacionais (OECD e Banco Mundial) que propugnam a conversão da educação de um bem público para uma “commodity”, ou seja, para um produto que se compra e que se vende, segundo regras do comércio internacional. Da mesma forma, temos exemplos recentes de pesquisas cujos resultados foram proibidos de divulgação pelas empresas financiadoras pois não lhes era conveniente o impacto econômico.
Mais abrangente ainda é a ameaça de homogeneizar os valores culturais através de potentes e versáteis meios de comunicação que convertem a cultura em “grandes negócios” de difícil enfrentamento.
No Brasil a educação é uma força significativa embora pouco articulada para comprovar sua importância e seu valor. Estima-se que entre alunos, professores e funcionários já sejam 65 milhões de pessoas no setor, isto é, um terço da população nacional. Sendo educação e conhecimento inseparáveis e como é dito ser o século XXI o da sociedade do conhecimento, só nos resta lutar por suas melhores diretrizes e ações, a fim de comprovarmos nosso compromisso com esta vocação e com honrarias como a que hoje recebo da Academia Paulista de Educação. Espero continuar aprendendo e, modestamente, cooperar com todos os atuais e futuros colegas portadores desta distinção. Muito Obrigado.