Discurso de Posse do Acadêmico Jair Militão.
Discurso de Posse do Acadêmico
JAIR MILITÃO
19/10/2009
Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Paulista de Educação
Professor Doutor Paulo Nathanael Pereira de Souza
Excelentíssimos Senhores Acadêmicos
Excelentíssimos Senhores Componentes da Mesa
Magníficos Reitores
Senhores e Senhoras
É com alegria que saúdo os presentes que prestigiam esta solenidade e agradeço a solidariedade e amizade dos que até aqui se deslocaram.
Agradeço de modo especial o Professor Doutor João Gualberto de Carvalho Meneses, pelo empenho e apoio por ele dispensados para que este evento se tornasse realidade, com tudo o que implica tal acontecimento.Agradeço aos acadêmicos que tiveram a bondade de apresentar meu nome à consideração da Academia, bem como agradeço a todos que optaram pela minha acolhida.Agradeço, ainda, por ter sido a Cadeira nº 38 aquela que me tocou assumir.
De fato, a Cadeira nº 38 tem como Patrono Norberto Souza Pinto, o que para mim é de significativa importância.Esta Cadeira teve como Fundador o Educador Luiz Gonzaga Horta Lisboa, de quem assim falou o Acadêmico Odilon Nogueira de Matos, que me antecedeu nesta Cadeira: “Seu nome, eu o profiro com o maior respeito e admiração, (…) possuidor de magnífica folha de serviços à causa do ensino em São Paulo”.
O mesmo posso dizer do Educador e Historiador Odilon Nogueira de Matos, falecido aos 91 anos de idade.Natural de Piratininga, SP, nasceu a 5 de maio de 1916. Fez estudos secundários em Campinas, Bauru e Juiz de Fora. Licenciado em Geografia e História pela Universidade de São Paulo (1940) e Doutoramento em Ciências pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1973). Professor universitário desde 1942, com exercício na Universidade de São Paulo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Escola de Sociologia e Política, na Fundação Cásper Líbero, na Fundação Armando Álvares Penteado, na Faculdade de Filosofia de Taubaté (da qual foi um dos fundadores), na antiga Faculdade de Filosofia de Marília (hoje integrada na UNESP) e na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Cursos de extensão universitária ministrados em diversas instituições do país. Vinculado à imprensa desde os tempos de estudante.
Além da Academia Paulista de Educação pertenceu às seguintes instituições: Academia Paulista de Letras (Cadeira 22, patrono: João Monteiro, antecessores: Guilherme de Almeida e Raimundo de Menezes), Academia Paulista de História, Academia Paulista de Jornalismo, Academia Campinense de Letras e Academia Sul-Riograndense de Letras. Sócio emérito do Instituto Histórico Brasileiro e sócio titular dos Institutos Históricos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Pernambuco, Paraíba, Minas Gerais e Ceará. E dos Institutos municipais de Juiz de Fora e Uruguaiana.Faleceu em 17 de fevereiro de 2008 em Campinas
Quanto à apresentação do Patrono da Cadeira nº 38, Norberto de Souza Pinto, irei valer-me de alguns pesquisadores – entre os quais o Acadêmico Odilon Nogueira de Matos e a pesquisadora Elsa Lima Gonçalves Antunha – que se dedicaram a apresentar às comunidades acadêmicas e profissionais este homem de tão grande valor.
O Professor Norberto de Souza Pinto nasceu em Campinas, em 06 de junho de 1895 e faleceu em 23 de dezembro de 1968.Pode, com justiça, ser considerado pioneiro no trabalho com crianças com deficiências diversas, de modo especial, de natureza mental. Seus biógrafos o definem como alguém dotado de inúmeras qualidades, entre as quais, rara sensibilidade para o trato com as pessoas, sendo chamado de grande humanista. Grande capacidade de propor soluções exequíveis para os problemas que enfrentava, de modo a não estabelecer um hiato tão comum em nossos dias entre a concepção e a concretização de propostas, entre o discurso acadêmico e a realização de inovações nas escolas e redes de ensino. Desse modo, seu pensamento contemplava, na análise dos problemas a totalidade dos fatores presentes na situação e ultrapassando a afirmação do “necessário” chegava ao “possível”.
Gostaria de destacar, entre tantas qualidades citadas, uma que me chamou a atenção: sua capacidade de responder às solicitações concretas que apareceram em sua vida. De fato, a observação de sua trajetória revela mais alguém que ouvia as demandas da realidade do que alguém que procurava impor uma ideia à realidade. Em outras palavras, Norberto de Souza Pinto foi uma pessoa dotada da capacidade de responder à vida com a qual dialogava. Os fatos eram para ele acontecimentos que pediam uma resposta; ele agia com responsabilidade, com capacidade de resposta. E isto, pode-se dizer, é uma das características mais significativas daqueles a quem podemos chamar de “sujeitos” sociais, geralmente pioneiros, empreendedores, que abrem pegadas que podem ser seguidas pelos demais em caminhos transitáveis para uma vida melhor. E como ninguém pode ser sujeito se atua apenas como indivíduo isolado, Norberto de Souza Pinto tinha a capacidade de cercar-se de pessoas com as quais estabelecia amizade e companheirismo, não só como alguém que ajudava, mas também, e muitas vezes, como alguém que, humildemente, aceitava ser ajudado.
Esta experiência de ser ajudado acompanhou grande parte de sua infância e juventude dada a precária situação econômica de sua família – perdeu o pai aos quatro anos de idade –, podendo chegar a completar os estudos graças à ajuda de duas pessoas que são citadas como relevantes em sua vida: Dom João Nery, bispo diocesano de Campinas à época, e o grande médico benemérito da cidade, Dr. Tomás Alves. A estas vivências de sobreviver em situação de grande carência junta-se a de ter perdido um filho com meningite. São fatores motivacionais que, aliados às suas qualidades humanas, o encaminham para uma atenção constante com as crianças chamadas, então, anormais ou retardatárias.
Elsa Lima assim se manifesta:
Para compreensão de sua obra, a mesma deve ser analisada sob o prisma do pioneirismo e levando em consideração a época em que o Professor Norberto mais desenvolveu o seu trabalho. Esse momento histórico, nos anos 30, 40 e 50, caracterizava-se pela quase ausência de referenciais teóricos para a compreensão do que hoje entendemos por crianças com necessidades especiais e todo o movimento que se processa em tornos das mesmas, como o da inclusão educacional e da progressão continuada. Termos como ‘Educação das crianças anormais’; ‘Psicopedologia’; ‘Ortofrenia’; ‘Infância Retardatária’; remetem-nos as primeiras décadas do século passado e fazem-nos compreender o quanto, ao pensar sobre as crianças com deficiências, o Professor Norberto, como ele gostava de ser chamado, estava criando os primeiros passos para a construção de toda a teoria e tecnologia da educação e do desenvolvimento psicológico relacionado com esses educandos.
Paralelamente a isto, outro ponto que se destaca das leituras de suas obras e, mais ainda, do conteúdo das inúmeras homenagens que recebeu, é o seu humanismo, seu profundo afeto, até mesmo compaixão pela criança com necessidades especiais, em sua época lançada à sua própria sorte, ou mesmo aprisionada em hospitais psiquiátricos. Conseguiu realizar um grande progresso, isto é, o de procurar tirar as crianças (…) dos hospitais e colocá-las nas escolas. Lança, assim, as primeiras raízes da inclusão Educacional, tão em voga na atualidade. (Boletim Academia Paulista de Psicologia – Ano XXII, no. 4/02, p.12)
Nesse momento, ao assumir a Cadeira nº 38, Norberto Souza Pinto e a própria Academia Paulista de Educação ajudam-me a procurar compreender o que pensar e o que fazer como educador.Uma primeira lição que me deixa o Professor Norberto é a de considerar a vida como um diálogo. A vida me fala e eu devo responder. É preciso aprender a escutar a vida. A voz da vida vem pelos acontecimentos. Um acontecimento é um fato que tem significado para mim. Esta capacidade de escuta dependerá da minha abertura para a realidade. Do maior ou menor fechamento dependerá a maior ou menor capacidade de escuta.
O Professor Norberto viveu a experiência da precariedade e da necessidade de ser ajudado e foi capaz de ouvir a voz da vida que se manifestava nas crianças com necessidades especiais. Atuou como protagonista, como sujeito, como pessoa e, portanto, em companhia de outras pessoas, propondo e concretizando soluções reais para necessidades reais. Um exemplo disso foi a pequena escola que criou para crianças “retardatárias” em sua própria casa, mantendo-a com recursos próprios.
Assim como o Professor Norberto há na Academia Paulista de Educação outros Educadores que escutam a vida e emitem respostas que abrem caminho para outras pessoas percorrerem.Peço licença aos demais Acadêmicos para citar um exemplo que, penso, será de acordo geral: o Professor Doutor João Gualberto Carvalho de Meneses. De fato, quantos de nós aqui presentes não podemos dizer que vislumbramos caminhos a partir das pegadas do Professor João Gualberto?
Será a valorização da escola pública? Será a valorização da ética nos relacionamentos? Será a valorização de cada pessoa? Será a experiência de criação, manutenção e fortalecimento de vínculos? Será a seriedade no trato da coisa pública? Nesse sentido, é com satisfação que recordo uma experiência na Secretaria da Educação em que o Professor João Gualberto dizia aos delegados de ensino: – o cargo de delegado não é do Secretário (mesmo que seja um “cargo de confiança”); o cargo é do Serviço Público.Desse modo, ao recordar o Professor Norberto e ao pensar na Academia posso lançar um olhar para a educação nacional e local e perguntar: o que esta educação demanda? O que ela fala que deva ser ouvido?
Do lugar profissional em que atuo escuto educadores falando das dificuldades de educar as crianças e os jovens; escuto administradores de unidades e de sistemas dizendo da pluralidade de poderes existentes que disputam a adesão das crianças, jovens e familiares. Escuto também pessoas que desejam manter acesa a chama da esperança de mudanças rumo à melhoria das condições coletivas de vida. Estas pessoas querem ser apoiadas para consolidar um sentido de suas vidas e de seu trabalho como algo digno e bom.
Como o Professor Norberto nos ensinou, há que se pensar na totalidade dos fatores presentes na situação de modo a que cheguemos a criação de formas de organização do trabalho que favoreçam o surgimento de ambientes humanizantes que suscitem o aparecimento de sujeitos responsáveis e atuantes. dores de unidades e de sistemas dizendo da pluralidade de poderes existentes que disputam a adess e os jovens; escuto administr
Já está disponível conhecimento para a formulação de programas concretos que atendam a esta demanda dos que trabalham no campo educacional, tal como exemplifica uma pedagogia da criação de sujeitos comunitários.
Um texto clássico da literatura judaico-cristã ilustra o processo de humanização das populações: (Ezequiel 37, 1-14)O profeta Ezequiel é conduzido por Deus para um vale repleto de ossos. Deus interpela o profeta perguntando-lhe se seria possível a esses ossos voltarem a viver. O profeta menciona sua impressão de que os ossos estão muito ressequidos e diz não saber se a volta à vida seria possível. Deus, então, lhe diz o que fazer: – profetizar sobre os ossos para que eles voltem à vida. Profetizar significa ter um objetivo em relação aquela realidade – querer que eles voltem à vida. O profeta, então começa a testemunhar o processo de volta a vida: primeiro os ossos se articulam em forma de esqueleto, depois recebem carne, nervos, tendões que articulam os movimentos. Isso se dá com a presença de barulho ouvido pelo profeta. Todavia, o profeta sente que falta alguma coisa e interpela Deus sobre isso. Deus, então, diz ao profeta que falta o Espírito que os constituirá como efetivamente humanos. Deus revela ao profeta que esses ossos são o povo de Israel que diz “Os nossos ossos estão secos, a nossa esperança está desfeita. Para nós está tudo acabado”. Ao final Deus pede ao profeta que anuncie que esta realidade será mudada e o povo voltará à vida com esperança.
Penso que educadores como Norberto Souza Pinto fizeram esta profecia às pessoas com as quais ele conviveu: profetizou que elas poderiam e tornar-se-iam pessoas felizes e portadoras de esperança. Ouviu o barulho que isto produzia e acolheu esta manifestação sem arredar pé da situação.Seguir estas pegadas do professor Norberto é uma tarefa nobre que pode empolgar a todos nós educadores.Ouvir a realidade significa, nesse momento, também, perceber que estamos na primavera. Isto pode significar que, igualmente, para nosso trabalho educativo pode acontecer uma primavera.
Finalizando, agradeço a todos que tem tornado a vida um convite agradável ao qual eu posso dar respostas que me deixam feliz, de modo especial a minha família aqui presente: minha esposa Maria Tereza; meus filhos Daniel, Maria, Marta. Ao Rodrigo, ao Diego, ao Lucas. À minha sogra, à minha cunhada e às minhas sobrinhas.
Obrigado a todos.