Discurso de Posse do Acadêmico Wander Soares
Discurso de Posse do Acadêmico
WANDER SOARES
3/5/2010
Senhoras e Senhores;
A imensa honra de ser distinguido com a participação nesta Academia, fórum de alto nível, onde se vislumbra a história, a atualidade e o futuro da educação brasileira, significa o reconhecimento de toda uma vida dedicada ao fazer educacional.
Acrescenta-se o enorme prazer que é desfrutar da presença e das ideias dos meus agora confrades, verdadeiros luminares da educação brasileira, de cuja generosidade e amizade decorreu a minha eleição como membro titular.
Uma das missões estatutárias deste verdadeiro centro de investigação e estudos no campo da educação é “estimular o interesse da comunidade pela obra da educação e cooperar para o fortalecimento na alma do povo do sentimento de reverencia à figura do educador”. Integrar este sodalício como seu membro titular significa perfilar todo o ideal com que foi fundado.
No dia 12 de abril passado, comemorou-se o quadragésimo aniversário de fundação desta Academia. Concebida e criada por um grupo de educadores paulistas liderados por Aquiles Archero Jr., a Academia Paulista de Educação surge emoldurada por um cenário do qual destaco alguns fatos marcantes.
-
Em 1970, dos 65,8 milhões de brasileiros com mais de 10 anos de idade, 24 milhões nunca tinham ido à escola e outros 12 milhões haviam dela saído ao fim de apenas 2 anos de frequência.
-
O Ministério da Educação e Cultura divulgava que, de cada 1000 alunos matriculados na 1ª série em 1963, apenas 101 haviam chegado efetivamente à 8ª série naquele ano.
-
Em 1970 começa a funcionar o Movimento Brasileiro de Alfabetização – o Mobral.
-
O Decreto 68908 resolve a crise dos “excedentes” com a criação do vestibular classificatório.
-
Paulo Freire publica a “Pedagogia do Oprimido”.
-
São fundadas as Universidades estaduais de Mato Grosso do Sul e de Maringá e Ponta Grossa, no Paraná, além das federais do Acre e de Mato Grosso.
-
Morre Lourenço Filho, ilustre patrono da cadeira 33 desta academia.
-
Estava em fase final de discussão no Congresso a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que, cercada de esperanças, viria a ser promulgada no ano seguinte, trazendo entre outras novidades, a ampliação da obrigatoriedade escolar de 4 para 8 anos.
-
1970 era o ano do “Prá Frente Brasil” e do “Brasil – Ame-o ou deixe-o”. O ano do Milagre Econômico: O Produto Interno Bruto crescia a 10% e as Bolsas de Valores disparavam. Eram iniciadas as obras da Transamazônica. O país comprava da França seus primeiros jatos supersônicos, os 16 caças Mirage, e “90 milhões em ação” aclamavam o Brasil Tricampeão.
-
Em 1970, com uma população total de 94,5 milhões de pessoas, o Brasil registrava na escola, em todos os seus níveis e modalidades, 35 milhões de estudantes.
-
40 anos depois, com cerca de 192 milhões de habitantes e mais de 60 milhões de estudantes no ensino formal, aos quais devem ser acrescidos aqueles outros milhões que frequentam os cursos livres, presenciais e à distancia; constata-se que, a despeito das discussões sobre sua qualidade, a educação brasileira alcança mais de 1/3 de nossa população.
Nas palavras do saudoso confrade e exemplar educador Pedro Kassab, “ser prioritária é pouco para a educação. A Educação deve ter prevalência sobre qualquer outro programa social, vez que seu desenvolvimento precede os esforços nas outras áreas.”
O verdadeiro educador tem consigo algo de grandeza. Seu entendimento da educação vai além do dia a dia das escolas e se espraia pela vida, para o prazer de participar e assistir o crescimento do outro. As vitórias do educador geralmente são medidas pelo sucesso de seus educandos. É do legado dos pioneiros criadores desta Academia, de seus Patronos e Fundadores que nos incumbe cuidar e desenvolver.
Nesta oportunidade quero expressar minha mais profunda gratidão ao Acadêmico Flávio Fava de Morais, grande Reitor da Universidade de São Paulo que, com suas generosas palavras de saudação, recebe no seio desta Academia este humilde professor imerecedor de tantas e tais palavras.
Minha gratidão especial ao presidente da Academia, Professor Paulo Nathanael Pereira de Souza, querido amigo de longa data que muito me incentivou e que gentilmente me ofereceu a medalha, o colar e o diploma desta Instituição.
Quero estender minhas homenagens aos queridos confrades João Gualberto de Carvalho Meneses e José Augusto Dias, heroicos dirigentes desta Academia em tempos recentes.
A cadeira 17 da qual tenho a honra de, neste ato, tomar posse tem como patrono o médico e educador Celestino Bourroul. Descendente de família francesa, cujos pioneiros para cá emigraram em 1830, Celestino Bourroul, terceira geração desta família, foi considerado um dos mais conceituados médicos do Brasil.
Valho-me de excertos de um texto sobre o médico, escrito pela também médica, acadêmica e grande amiga Ivonne Capuano para falar sobre o patrono.
Celestino Bourroul aprendeu as primeiras lições na escola do padre Hipólito, completadas depois no Colégio São Luiz de Itu. Concluído brilhantemente o curso de Humanidades, retornou a São Paulo convicto de sua vocação para medicina. Em 1899, matriculou-se na Faculdade de Medicina de Salvador, graduando-se com distinção em 1904. Reconhecido o brilhantismo de sua tese de graduação e pelo destaque de sua atuação exemplar, foi distinguido com um prêmio de viagem à Europa. Aos 30 anos já era médico consagrado. A afeição de Adolpho Lutz, cientista que o orientou na dissertação de formatura, e os artigos que publicara em renomados centros médicos da Europa contribuíram para torná-lo conhecido e respeitado.
Em 1912 casou-se com Maria da Conceição Monteiro de Barros, então estudante da Escola Caetano de Campos.
O casal teve oito filhos e viveu unido por mais de 30 anos. Depois que a perdeu, Celestino Bourroul jamais tirou o luto.
Desde 7 de outubro de 1921, chefiou a Clinica Médica do Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia. Durante sua vida profissional dividia-se entre a Santa Casa e a Faculdade de Medicina da USP, entidades que se apoiavam mutuamente. Na realidade, a enfermaria da Santa Casa era o centro onde os alunos dos cursos médicos da capital praticavam.
Aposentado da Faculdade, com setenta e dois anos, continuou trabalhando: à tarde, atendia no consultório que apenas deixou em 1955; e todas as manhãs frequentava a enfermaria da Santa Casa de Misericórdia, quando examinava todos os doentes.
Em 9 de outubro de 1958, faleceu Celestino Bourroul, médico brasileiro que baseou sua vida na fé, no trabalho e em piedosa bondade.
Esta cadeira cujo patrono é um médico foi ocupada até hoje por dois outros educadores da área médica. Seu ocupante fundador foi o Dr. João Baptista de Oliveira e Costa Júnior, especialista pioneiro em Medicina Legal. Foi Membro fundador da Faculdade de Medicina de Sorocaba, que foi a 3ª faculdade Médica de São Paulo, vindo após a USP, de 1913, e a Paulista, que é de 1933. (Ribeirão Preto iniciaria suas atividades em 1952, um ano após Sorocaba.)
Prof. João Batista fez parte de seu primeiro Conselho Técnico Administrativo em 1950. Foi membro da 1ª Congregação como professor titular de “Medicina Legal e Deontologia”. Autor do Livro “Lições de Medicina Legal”, um clássico lançado em 1965 com sucessivas reedições e atualizações até 1991. Foi o 2º Diretor da Faculdade de Medicina de Sorocaba e permaneceu no cargo por nove anos, entre 1955 e 1964, o maior período de um diretor daquela Instituição até o momento. Professor João Batista de Oliveira e Costa Júnior, católico fervoroso, faleceu em 2007.
Costa Júnior, como era conhecido, foi professor catedrático de Medicina Legal da Faculdade de Direito da USP no Largo de São Francisco e era reconhecido como filósofo, educador e poeta.
Sucedeu Professor Costa Júnior na cadeira 17, tomando posse em 29 de outubro de 2007 o Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti, meu antecessor, cientista e homem público a quem rendo minhas melhores homenagens. Dr. Pinotti, precocemente desaparecido, era paulistano, nascido em 20 de dezembro de 1934. Desde cedo afeito às coisas da saúde, era filho de pai dentista e mãe educadora sanitária, tornou-se educador e médico conceituado, referência nacional e internacional em assuntos sobre saúde da mulher. De suas múltiplas atividades destaco apenas algumas:
-
Professor. Titular e chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Unicamp, de 1972 a 1982.
-
Diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp em dois períodos: de 1970 a 71 e de 76 a 80.
-
Reitor da Unicamp entre 1982 e 1986.
-
Professor titular e chefe do Depto. de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP.
-
Secretário de Estado da Educação de 1986 a 1987.
-
Secretário de Estado da Saúde de 1987 a 1991.
-
Secretário de Educação do município de São Paulo entre 2005 e 2006.
-
Secretário de Estado de Ensino Superior de janeiro a agosto de 2007.
Concretizou sua contribuição científica com 82 livros e cerca de mil e oitocentos artigos científicos escritos individualmente ou em colaboração. Recebeu inúmeras honrarias e homenagens no Brasil e no exterior. Foi o primeiro a receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Bologna pela globalidade de seu trabalho em favor da mulher. Único brasileiro eleito presidente da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia. Tendo cumprido seu mandato entre 1986 e 1992, desenvolveu neste período extenso programa de visitas científicas e participações em congressos.
Viu-se consagrado quando em Singapura, presidindo um congresso com mais de vinte mil participantes; após sua fala, foi não apenas aplaudido, mas assediado pelas mulheres presentes, emocionadas por poder agradecer pessoalmente o trabalho que ele fazia em favor da mulher.
Dr. Pinotti diplomou-se em medicina na USP em 1958. Em 1965, aos 30 anos de idade, por convite do Prof. Abussamara Neme, começa a trabalhar na criação, implantação e desenvolvimento da clínica de ginecologia e obstetrícia da Universidade Estadual de Campinas. Casou-se em 1967 com a professora e artista plástica Suely Pinotti, indo residir em Campinas onde permaneceram por 20 anos. Em 1986 assume a Secretaria de Educação no governo Montoro e em 1987 assume a Secretaria de Estado da Saúde e, ao sair, inicia um ambicioso e competente programa de assistência à mulher no Hospital Pérola Byington, que viria a ser referencia na assistência à saúde da mulher. De 1991 a 1999 o serviço chega a atender três mil mulheres por dia, com ambulatório, internação e até assistência psicológica para casos de violência.
Idealista, Pinotti foi um educador no sentido mais amplo da palavra. Trabalhou ininterruptamente sem férias de 1958 a 2009.
Era um amante da música, cantava e fazia poemas. Tem livro de poesia de fino gosto publicado em 1982. Amigo da poeta Hilda Hilst e do maestro Almeida Prado, teve poemas e músicas a ele dedicados por esses amigos.
Dr.Pinotti faleceu em 1 de julho de 2009. Era Deputado Federal e cumpria seu terceiro mandato.
Já caminhando para a conclusão destas breves palavras, valho-me dos versos do grande poeta Sevilhano Antonio Machado, em seu poema “Caminante, son tus huellas” ou “Caminhante, são tuas pegadas”, que nos diz:
“Caminante, son tus huellas
El camino y nada mas;
Caminante, no hay camino,
Se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
E al volver la vista atrás
Se ve la senda que nunca
Se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
Sino estrelas em la mar.
Ao volver-me ao passado, ao revisitar os caminhos percorridos, muito devo agradecer. Agradecer em primeiro lugar a Deus e depois aos amigos, aos meus professores e aos meus chefes.
Dividi minha vida profissional entre os livros e a educação. Desde meu primeiro emprego como Office boy em uma livraria em 1955, à minha primeira experiência como professor em 1965. Sempre os livros, sempre a educação, desde meu primeiro emprego até os dias de hoje.
Há, entretanto, alguns momentos desta caminhada que merecem ser relembrados especialmente para que eu possa externar alguns agradecimentos. À Profa. Imene Guimarães, que me recebeu na Delegacia do MEC em Belo Horizonte, e a convite da qual assumi a Coordenação Técnica do Centro de Treinamento de Professores de Artes Práticas, que era parte do esforço que se fazia para dar ao ensino secundário algum grau de profissionalização e terminalidade.
Ao Dr. Gildásio Amado, Diretor do Ensino Secundário do Ministério da Educação que me acolheu como assessor técnico daquela diretoria, dando o incentivo que um jovem mineiro necessitava no início de sua vida profissional no Rio de Janeiro.
Quero ainda lembrar com muito carinho da figura de Agnello Correia Vianna, reitor da Universidade do Trabalho de Minas Gerais que, ao assumir a Secretaria de Estado da Educação, convidou-me para trabalhar ao seu lado, fazendo parte de sua equipe. Nomeado pelo Governador Rondon Pacheco, assumi o cargo de Superintendente Educacional do Estado, posição desafiante e de alta responsabilidade naqueles idos de 1972 a 1975. Naquela oportunidade, desenvolvemos o projeto “Cidade Educativa”, ação apoiada pela Unesco que lançava um olhar além dos muros da escola, fazendo com que a comunidade a complementasse e enriquecesse.
Já mais recentemente devo agradecer ao Governador Geraldo Alckmin minha nomeação como membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.
Estas e muitas outras pessoas fizeram por mim algo de muito importante: confiaram, e acho que não as decepcionei. Quero consignar o reconhecimento e a gratidão aos dirigentes e funcionários do CIEE que tornaram possível a realização desta festa tão significativa.
Destaco as pessoas do Presidente do Conselho de Administração desta Entidade, o Dr. Ruy Altenfelder Silva e do Presidente Executivo e nosso Confrade, Dr. Luiz Gonzaga Bertelli.
Queridos amigos, quero concluir estas palavras com uma nota de caráter pessoal, fazendo de público um agradecimento reconhecido à minha mulher Miriam, pelo apoio, pelo incentivo e pelo companheirismo nesta caminhada que já ultrapassa 42 anos, ao lado de nossos dois maravilhosos filhos, agora enriquecidos com a presença de nossa nora Daniela, que nos deu Rafael, nosso primeiro neto.
Agradeço também a presença dos queridos amigos que aqui vieram prestigiar-me neste momento tão importante e significativo de minha vida.
Muito obrigado!
Em São Paulo, 03 de maio de 2010.