Discurso de Posse do Acadêmico João Grandino Rodas.
Discurso de Posse do Acadêmico
JOÃO GRANDINO RODAS
12/4/2010
Prof. Paulo Nathanael Pereira de Souza, Presidente da Academia Paulista de Educação;
Dr. Rui Altenfelder, Presidente da Academia Paulista de Ciências Jurídicas;
Dr. Luiz Gonzaga Bertelli, Presidente da Academia Paulista de História;
Dr. José Renato Nalini, Presidente da Academia Paulista de Letras;
Acadêmico João Gualberto de Carvalho Meneses, por quem tive a honra de ser indicado para esta Academia e saudado nesta ocasião;
Prof. José Augusto Dias, Secretário da Academia Paulista de Educação;
Reitor Flávio Fava de Moraes, Titular da Cadeira nº 1 da Academia Paulista de Educação, na pessoa de quem saúdo os Acadêmicos aqui presentes, na impossibilidade de saudá-los a todos, um a um;
Prof. Wellington Delitti, Diretor do Instituto de Biociências, em nome de quem reverencio a memória do Acadêmico Crodowaldo Pavan, meu ilustre antecessor na Cadeira nº 18 deste sodalício;
Reitor Antonio Helio Guerra Vieira, aqui presente,
Gostaria de saudar a todos os meus inúmeros professores aqui presentes, na pessoa do meu mais antigo professor, o Arcebispo D. Antonio Maria Lisboa;
Vice-Reitor Franco Lajolo, em nome de quem cumprimento todos os professores da Universidade de São Paulo aqui presentes;
Vice-Reitora Miriam Krasilchik;
Membros do Conselho Estadual de Educação, com quem privamos semanalmente com grande alegria;
Membros do Conselho de Estudos Avançados da FIESP, em reunião mensal também extremamente prazenteira e proveitosa;
Meus familiares e amigos;
Senhoras e Senhores.
“Infelizmente, o Brasil ainda não acreditou muito em Educação”. Estas palavras foram ditas por Crodowaldo Pavan, ao comentar que no Brasil 60% da população é constituída por analfabetos funcionais. Isto é uma grande verdade se nós olharmos a História desde a Coroa Portuguesa, que fez tudo para impedir que algum tipo de sistema de educação surgisse no Brasil, diferentemente do que aconteceu na América Espanhola. Isto aconteceu num momento em que o Brasil determinou o que começa o sistema educacional brasileiro justamente pelo final, ou seja, estabelecendo Universidade. Isto tudo aconteceu quando, já na República, se estabelece o sistema de ensino brasileiro inicialmente extremamente fechado e para a elite; e finalmente acontece hoje, nestas últimas décadas, quando o ensino fundamental e médio foi universalizado, mas na prática nada restou de efetivo. Portanto tinha bastante razão de dizer numa forma coloquial o Prof. Crodowaldo que “Infelizmente o Brasil ainda não acreditou muito em Educação”. Foi bondoso ao colocar o “muito”, desta forma para minimizar essa circunstância. Contudo aqui estamos para reverenciar três personalidades que são a razão de estarmos aqui, com toda a dificuldade da vida corrida de São Paulo, do trânsito de São Paulo, de todos os senhores e senhoras, que conheci a todos, que precisaram roubar um pouco do seu tempo para poder aqui chegar. Em primeiro lugar, José de Anchieta, que viveu no século XVI, por parcos 63 anos, e Monteiro Lobato, que foi em expoente da primeira metade do século passado, tendo vivido também, para os tempos atuais, simplesmente 63 anos. E finalmente um expoente da segunda metade do século passado, o Prof. Crodowaldo Pavan, que alcançou os seus 89 anos. Todos nós já ouvimos falar em José de Anchieta, aquele espanhol de origem basca, nascido em Tenerife, e que aos 14 anos vai a Coimbra para estudar no Colégio Geral da Universidade; a partir daí se encanta com a doutrina jesuíta e se transforma em noviço e aos dezenove anos chegava a São Paulo, com o Segundo Governador Geral e sobe, depois de conhecer o Padre Manoel da Nóbrega, à terra para chegar até este local que nada mais era então do que o planalto conhecido pelos índios como Piratininga e que desta forma estava à margem do Tietê. Podemos perceber, portanto, que esta figura juvenil e ainda com problema grave conhecido então como “espinhela caída”, no entanto, realmente, este é a meu ver um dos maiores heróis brasileiros. Aqui ele funda juntamente com o Padre Manoel a primeira escola, naquele povoado de São Paulo, que possuía naquela época somente 130 habitantes. E, se nós, de certa forma, olharmos a vida daquele que se espraia não só em São Paulo, mas que posteriormente foi provincial dos jesuítas no Brasil e que acaba morrendo no Estado do Espírito Santo e que muito embora estrangeiro, foi um grande herói nacionalista? Se nós lembrarmos de que aqui não estamos para fazer uma investigação sobre o aspecto religioso de José de Anchieta, mas aquele que foi o apóstolo do Brasil, ele foi realmente multifário nas suas andanças e nas suas realizações? Foi professor, fundador do Colégio de São Paulo, de que chegou a ser diretor. Foi poeta: todos nós sabemos que com ele as manifestações literárias no Brasil foram as primeiras a acontecer e ainda versejando à guisa dos versos medievais e escreveu muitos: e o mais famoso foi justamente o “Poema à Virgem”, que é retratado nesta medalha em que ele está escrevendo conforme diz a História e também a lenda, nas areias de Iperoig, mais de 4.000, pra ser mais preciso, 4.127 versos. Além de poeta, ele foi teatrólogo; bastante conhecida a vertente de teatro do Padre Anchieta, ele seguia Gil Vicente naquele seu teatro saboroso de estile medieval; foi gramático: compôs a primeira gramática da língua tupi e, de certa forma, além disso foi também escritor e historiador; de certa maneira, a certidão de nascimento do Rio de Janeiro foi escrita por ele justamente naquela obra dos gloriosos tempos de Mem de Sá,que morreu com ele, no seu colo e que de certa forma teve nele um grande aliado para lutar contra a França na Baía da Guanabara; foi diplomata, quem de nós não lembra dos tempos de estudos primário e secundário, quando se dizia que a confederação dos tamoios foi resolvida graças à intermediação justamente de Anchieta? Portanto nada mais lógico que esta Academia que hoje faz quarenta anos ter como seu patrono maior justamente o Padre José de Anchieta que tem uma dimensão incrível muito além daquilo que se poderia esperar de uma pessoa das condições físicas que ele possuía. E nada mais certo, portanto, que ternos aqui presentemente nesta medalha em que consta justamente uma frase em que se diz: “sapientiam praestans parvulis”, ou seja, de uma forma mais lata, “a sabedoria está colocada, está estendida aos pequenos”, pequenos em todo o sentido, não só as crianças, mas aqueles que estão ávidos de crescer com o saber. Além dessa personalidade que infelizmente não é reconhecida no Brasil, como deveria ser pela sua grandeza, nem teve sequer o mesmo reconhecimento até no seio da própria Igreja para a qual ele tanto trabalhou, justamente porque, sendo reconhecido, ainda não ultrapassou o limite da beatitude, que já é um limite alto, mas certamente se alguém que na idade dele por heroísmo vai a uma outra terra e vive da forma como ele viveu, já era heróico em vida e logo depois que morreu várias foram as bibliografias em que se exaltavam todas essas grandezas. Se uma pessoa como essa não é santo, não sei quem que é. Mas passemos para Monteiro Lobato. Monteiro Lobato que teve sua infância rural em Taubaté, na Fazenda Boquira, de seu avô materno, o Visconde de Tremembé, onde graças à biblioteca enorme que seu avô possuía, ele pôde, assim que conseguiu ler, passar a caminhar em todos os lugares do mundo a que permitiam os livros de seu avô, e justamente por isso e se não fosse talvez aquela biblioteca colocada naquela fazenda, nós não teríamos Monteiro Lobato, que ainda moço veio estudar naquilo que nós poderíamos chamar Proto-Universidade de São Paulo, que era a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, para a qual se dirigiam todos, mesmo aqueles que desejariam ser literatos, justamente porque era o único lugar em que isto poderia ser feito. Monteiro lobato, que ao entrar funda a Arcada Acadêmica juntamente com os seus colegas e no discurso de posse na Arcada Acadêmica, ele nos dá uma lição incrível – ele fala, o título é “Sobre o ontem e sobre o hoje”. Se nós examinarmos esse discurso, nós vamos perceber que naquela época, portanto no começo desse século, uma vez que ele entrou em 1904, ele já percebia bem a diferença que a tradição da escola, que era o ontem e o hoje, deveria retratar a tradição, mas que deveria estar com os olhos postos no futuro, tanto que, saindo da escola ele se transforma em Promotor de Justiça. E poucos anos depois herdando naquela biblioteca da fazenda de seu avô materno ele passa a fazendeiro e começa a escrever e foi extremamente positivo, pois, se nós não tivéssemos esse grande Monteiro Lobato certamente São Paulo e o Brasil teriam sido mais pobres. Vamos lembrar alguma coisa; como ele foi um contista, metade da sua obra, que é bastante larga, foi ocupada por livros infantis, onde ele cria personagens ligados à história brasileira, à tradição folclórica brasileira, mas ao mesmo tempo miscigenados com herói de cinema, com herói de quadrinhos, com herói da literatura universal. Ele foi inclusive pioneiro da literatura paradidática. Ele procurava ensinar, de forma divertida, a Matemática, a História, a Geografia e, além disso, ele foi um grande tradutor. Só para citar uma obra, lembraríamos o Livro da Selva, de Kipling, que ele traduziu em 1933. Editor – quem não sabe que foi aquele que acreditou no livro publicado no Brasil. Enquanto os livros brasileiros eram publicados em Lisboa e em Paris, ele inicia a sua Companhia, de publicação Monteiro Lobato e Cia., depois justamente a grande Companhia editora Nacional em, que, não só publicava, mas teve uma nova visão: como apresentar o livro no cuidado gráfico, como o livro didático deveria ser apresentado às crianças uma vez que, além de tudo ele era um grande caricaturista e fazia as próprias ilustrações de seus livros. Mas não ficou aí. Ele foi jornalista, fundador da União Jornalística Brasileira. Foi empresário e talvez tenha sido aí o local onde ele não foi tão bem sucedido. Todos sabem, ou relembram, que ele tentou explorar com alguns amigos, justamente de forma comercial o Viaduto do Chá, que cobrava pedágio naquela hora para pagar a sua construção, mas muito mais, por incrível que soe, tenho certeza tenha sido a Companhia de Petróleo Brasileiro. Interessante, pois ele dizia textualmente: “Era preciso explorar o petróleo nacional para dar ao povo um padrão à altura de suas necessidades”. Quando nós falamos no pré-sal em todas as discussões que tem havido, das mais certas às mais erradas, no fundo está aquela ideia de que o petróleo poderia de certa forma fazer com que o Brasil, agora com quase duzentos milhões de habitantes, o que não é fácil, pudesse alcançar, como que por milagre, o destaque dos mais importantes em vários aspectos econômicos. Foi um diplomata, tendo sido, a partir de 1927, Adido Comercial nos Estados Unidos da América. Mas, mais que tudo, foi nacionalista. “O escândalo do petróleo”, de 1933: o livro que incendiou de certa forma o país, então, em que se discutia, em termos muito diversos não se pode hoje usar a teoria de Monteiro Lobato; no mundo atual ela é bastante discutida, mas ele advogava que o petróleo deveria ser explorado somente por empresas brasileiras. E finalmente foi político, político com grande proximidade da política velha e ao mesmo tempo com ojeriza a Getúlio Vargas, o que lhe custou grandes dissabores. Nós percebemos, fazendo uma pequena comparação entre Anchieta e Monteiro Lobato, que há encontros e contrastes, que são pessoas extremamente válidas, pessoas extremamente dotadas da visão social do Brasil e pessoas que se engajam em vários aspectos para fazer com a sua passagem pela terra possa ser justificada. Mas chegamos agora ao terceiro tripé que nos garante esta noite: Crodowaldo Pavan. Aqui temos uma figura diferente. Enquanto Anchieta era descendente da nobiliarquia basca, enquanto Lobato era bisneto da nobiliarquia cabocla brasileira que criou o Segundo Império, Crodowaldo Pavan era um neto de imigrantes. Ele chega aqui pensando justamente em fazer Engenharia para poder tocar a fábrica de cerâmica de sua família no interior de São Paulo, mas, assistindo um filme sobre Louis Pasteur, ele passou a se encantar pela Genética e entra, em 1938, no curso de História Natural na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras então nascente, uma faculdade inteiramente nova. Ele começa sendo nada mais nada menos que assistente do Prof. André Dreyfus, que havia introduzido por assim dizer a Genética no Brasil e, tendo tido sua carreira docente não só na USP, como na Universidade do Texas, em Austin, por vários anos e na UNICAMP, voltando posteriormente para gáudio de todos à Universidade de São Paulo. Foi geneticista e bio tecnólogo, pioneiro e precursor da Genética no Brasil que como ciência começara no Século XX. Para minorar a fome no mundo, com a qual ele já se preocupava, ele imaginou condições para o aumento da quantidade e da qualidade dos alimentos que deviam ser defendidas e para isso acreditava no transgênico como uma solução. Ecologista, ao mesmo tempo – pode parecer algo antinômico ser pró alimentos transgênicos e ao mesmo tempo ecologista – mas ele, com conhecimento de causa, o era; e na Ecologia analisou justamente a influência dos fatores ambientais na mutação das espécies. Mas foi como pesquisador que ele se sobressaiu. Os resultados das pesquisas que ele nunca paralisou foram veiculados em mais de cem artigos nas mais prestigiosas sociedades do organismo científico. Notabilizou-se também como diretor. Creio que não há quem possa ombrear-se a ele neste tópico: ele foi diretor de importantes sociedades científicas, tendo sido Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, Presidente do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq, e Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa, a FAPESP. Nada mais é necessário para comprovar a importância de Crodowaldo Pavan. Um aspecto que eu gostaria de lembrar afinal, ele também acreditou, como todos nós acreditamos, que estávamos na USP na década de 70, na necessidade de uma associação que unisse os professores; e todos nós ainda continuamos acreditando obviamente, e foi justamente Crodowaldo Pavan o diretor da diretoria provisória da ADUSP, em 75 e 76. Percebemos, portanto, que estas três personalidades que hoje nos trazem aqui, têm, além de suas diferenças, enormes parecenças – e é importantíssimo que isto ocorra, porque o Brasil, hoje principalmente, precisa muito de heróis. A educação, mais ainda precisa de heróis, porque justamente sem eles, certamente nós todos poderemos ouvir muitas vezes aquelas vozes muito bonitas, mas que no fundo nada mais são do que as vozes das sereias dos mares gregos. Diria, já encaminhando para terminar, da minha satisfação de poder participar deste sodalício tão importante. Eu poderia dizer que já participava dele há muito tempo, uma vez que, se nós olharmos os membros fundadores e principalmente se olharmos o seu passado e membros atuais, eu encontro aí exemplos de professores e muitos colegas estão aí e especialmente a pessoa extremamente querida do Prof. João Gualberto Meneses, que foi meu professor justamente de Administração Escolar na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, ao tempo ainda do Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Outro professor, que aqui me entregou o diploma, o Prof. Samuel Pfromm Neto, foi meu professor, e é uma pena que eu não possa dizer todos aqueles que o foram, porque senão, certamente teríamos aqui na platéia pelo menos uma dezena de pessoas que estavam na Faculdade de Direito e na Faculdade de Educação daquela época e que havia uma diferença fundamental, que para mim foi extremamente importante ter cursado estes dois cursos de Direito e de Pedagogia ao mesmo tempo, porque pude ver a diferença absoluta entre os dois. Para realçar aquilo que estamos hoje comemorando, o ambiente familiar que é a Faculdade de Educação, mesmo antes de sua fundação ainda ao tempo da Faculdade de Filosofia. Realmente era algo extremamente prazenteiro, muito embora o curso noturno, que ia até às onze e meia da noite, pudesse parecer o contrário. Portanto, eu diria o seguinte: realmente o meu sentimento é não estar chegando agora. Cheguei há tempo, em 1976. O que eu gostaria neste momento seria dizer: muito embora como todos viram não dou valor a diploma, pelo diploma, mas, aspas: “o diploma nada mais é do que um atestado que a pessoa precisa comprovar”, muito mais neste Brasil de hoje, onde nós temos diplomas em profusão e que deveríamos dar a maior seriedade à entrega que se faz dele, para o bem, em primeiro lugar, da própria pessoa que recebe. Entretanto, eu não poderia deixar de falar aqui, muito embora uma grande parte da minha vida tenha sido dedicada ao ensino superior, lembrar o seguinte: esta Academia, nos seus Estatutos, tem por obrigação discutir, tem por obrigação lembrar aos Poderes Públicos tudo aquilo que precisa ser feito pela educação. E voltemos inicialmente àquilo que foi o motor inicial de nossa conversa: o Brasil ainda não acreditou muito na educação. Eu diria o seguinte, não propugnaria aqui nada com referência ao ensino superior. Por quê? Porque justamente considero que atualmente no Brasil onde nós temos 25% do ensino superior dado em universidades públicas e 75% em universidades privadas. Temos extremas carências e é nessas carências que precisamos iniciar algo que ainda não se iniciou. Aquilo dito por Crodowaldo Pavan.